Ao final de um ano, levantamento feito pela Folha de S. Paulo mostra que a agenda da ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos privilegiou os evangélicos.
Dos congressistas recebidos por Damares entre sua posse, em 2 de janeiro de 2019, e o fim de novembro, 74 fazem parte da bancada evangélica do Congresso, contra 42 não evangélicos.
Além disso, Damares manteve agenda regular com grupos ligados à pauta religiosa, como pastores e entidades de missionários.
No Congresso, a bancada evangélica tem 203 congressistas, sendo 34% do total de cadeiras. Ainda assim, responderam por 63% dos parlamentares recebidos pela ministra.
Só o presidente da frente parlamentar evangélica, Silas Câmara (PRB-AM), da Assembleia de Deus manauara, passou três vezes pelo gabinete da ministra. Situação oposta à dos membros da mesa diretora da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que não constam dos compromissos oficiais da ministra.
“Não é questão de preferência, é uma ligação de pauta, eu cuido muito da questão da família”, diz Liziane Bayer (PSB-RS).
A deputada é evangélica e faz parte da Comissão de Seguridade Social da Câmara. Ela também relata parte do texto da subcomissão sobre adoção, pedofilia e família criada neste ano.
O tema é relatado por duas deputadas da frente, Liziane e Flordelis (PSD-RJ), e uma terceira, Paula Belmonte (Cidadania-DF), que não faz parte da bancada evangélica, mas também tem viés conservador –é membro, por exemplo, da Frente Contra o Aborto e em Defesa da Vida.
Liziane foi recebida quatro vezes pela ministra ao longo do ano. É o segundo maior número de reuniões, superado apenas por Filipe Barros (PSL-PR), um dos deputados bolsonaristas do ex-partido do presidente Jair Bolsonaro.
Flordelis, deputada considerada promissora na bancada evangélica, mas que se vê no meio de investigações envolvendo o assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, foi ao ministério duas vezes, em fevereiro e abril.
Nas redes sociais, a congressista fluminense publicou vídeos com Damares convocando para a “Cruzada pela Adoção”, seminário na Câmara.
Na agenda oficial de Damares, aparecem encontros indicados apenas como “almoço com lideranças evangélicas”, em agosto, “líderes religiosos” em abril ou “lideranças evangélicas e cantores gospel”, em 14 de outubro.
Outras associações religiosas também foram recebidas, como a presidente da AEPBPC (Associação de Esposas de Pastores Batistas do Planalto Central), Emanuele Costa.
Em alguns dias, a agenda da ministra não identifica a posição de pessoas recebidas por ela. Em 26 de abril, por exemplo, a pasta lista a visita de um “sr. Renan”, sem nenhum outro elemento para que se possa saber quem a ministra estava recebendo em agenda oficial.
Centro de duas das principais polêmicas do ano, o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e o MPCT (Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura) não aparecem na lista de entidades recebidas.
Esta contém principalmente representações internacionais, como a ONU Mulheres, em janeiro, reuniões com membros do Acnur (refugiados) e com a alta-comissária para Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, durante visita a Genebra, em fevereiro, e a chefe da delegação internacional da Cruz Vermelha em setembro.
Gustavo Magnata, perito do Mecanismo de Combate à Tortura, disse que o grupo tentou diversas vezes se aproximar da ministra, sem sucesso.
A assessoria do ministério afirmou à Folha de S. Paulo que a agenda depende de “disponibilidade de ambas as partes” e que a ministra “já se encontrou em outras oportunidades com mais de um membro do grupo”.
Segundo Magnata, a resposta não corresponde ao que ocorreu. “O mecanismo requereu agenda com ela, mas não fomos recebidos. Eu participei de audiência pública na Câmara com ela, onde ela garantia que não atacaria o mecanismo e logo em seguida fomos exonerados”, afirma ele.
O mecanismo se envolveu em disputa judicial com o governo depois de, em junho, Bolsonaro publicar a extinção dos cargos dos membros do grupo, responsável pela fiscalização e relatórios sobre tortura no país, tornando seus membros apenas voluntários.
Depois, o ministério de Damares retirou recursos e cortou o apoio administrativo e o acesso dos peritos ao prédio da pasta.
O caso foi revertido em agosto, quando a 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro suspendeu o decreto de Bolsonaro e reintegrou os peritos.
Do mesmo modo, o Conanda consta apenas uma vez da agenda da ministra, durante a posse dos conselheiros em fevereiro.
Depois disso, Damares desidratou a atuação do órgão. Em maio, por exemplo, suspendeu o pagamento de passagens aéreas e hospedagem para os conselheiros da sociedade civil, que não recebem pelo trabalho, para que estes pudessem comparecer às reuniões.
A Conferência Nacional da Criança e do Adolescente, prevista para ocorrer a cada três anos e marcada para outubro último, também foi cancelada por falta de contratação de empresas pelo ministério em tempo hábil.
Segundo o ministério, o número maior de evangélicos é natural porque haveria uma demanda maior de pedidos destes grupos.
Não é só no Brasil que a ministra prioriza grupos conservadores em sua agenda. Em viagens ao exterior, Damares manteve audiência com parlamentares ligados a movimentos contrários ao aborto, como em Buenos Aires.
Em maio, Damares se reuniu com congressistas do partido Celeste Provida, antiaborto, fez um discurso pró-vida no Parlamento e se encontrou com ministros da província de Buenos Aires defensores da temática.
Em Miami, dois meses depois, esteve no South Florida Bible College, que defende uma educação cristã.
Esteve ainda na Heritage Foundation, que se define como o grupo conservador mais influente nos Estados Unidos, e em dois centros com características semelhantes, a American Conservative Union e a Alliance Defending Freedom, que reúne líderes cristãos.
Fonte: Folha de S. Paulo