Os moradores se sentem envergonhados pelos atos do pastor que pintaram a cidade como um paraíso para preconceituosos.
Na última vez em que o reverendo Milford Griner presenciou tamanha comoção aqui, um exército de repórteres havia chegado para acompanhar um enxame de autoridades locais, estaduais e federais que caçavam um assassino em série.
Foi em 1990. Danny Rolling, mais tarde conhecido como o Estuprador de Gainesville, tinha assassinado e mutilado cinco estudantes colegiais em uma semana, e a cidade no centro da Flórida viveu uma espécie de estado de sítio durante quatro meses, até que os detetives o encontraram e prenderam.
Griner olhou para a fileira de câmeras de vídeo diante do Centro de Serviços Sociais Dove World na semana passada e balançou a cabeça, comparando a atenção que Gainesville recebeu 20 anos atrás com o espetáculo que evoluiu desde a ameaça do pastor Terry Jones de queimar exemplares do Alcorão diante de sua igreja.
“Na época, tratava-se apenas de medo”, disse Griner sobre os assassinatos. “Todo mundo tinha medo porque havia um assassino à solta.”
Desta vez, segundo Griner e outros moradores de Gainesville, a maioria dos habitantes está simplesmente envergonhada.
“Quero dizer, existe um pouco de medo sobre o que vai acontecer agora, e também há raiva”, disse Griner, 35 anos, um morador de Gainesville e pastor metodista de duas igrejas, em uma declaração antes que a controvérsia oficialmente terminasse. “Eu acho que as pessoas daqui estão sentindo as três coisas – medo, raiva e vergonha. Mas a maior das três é a vergonha.”
Envergonhadas, disseram Griner e outros, de que os atos de Jones tenham pintado a cidade estudantil como um paraíso para preconceituosos.
Mesmo depois que Jones cancelou o evento de sábado, prometeu que jamais queimaria um Alcorão e viajou para Nova York na esperança de se reunir com o imã de Nova York que propõe um centro islâmico perto do “Marco Zero” (local onde ficavam as duas torres do World Trade Center), centenas de moradores de Gainesville sentiram a necessidade de deixar claro que o pastor não fala por eles.
“É difícil acreditar que esse tipo de mentalidade exista aqui”, disse Dara Hughes, vendo as 300 pessoas que se reuniram para protestar diante da igreja no sábado.
Hughes e sua vizinha, Linda Mihalisin, subiram em banquetas e observaram o desfile de manifestantes por trás do muro de seu condomínio na mesma rua do Dove World.
Hughes havia morado em uma cidade vizinha, Alachua, até cerca de 14 anos atrás. Mihalisin mudou-se do Connecticut para Gainesville há quatro. Ambas disseram que gostariam que a polêmica estivesse acontecendo em qualquer lugar, menos lá.
“Eu gosto de morar aqui. É um bom lugar”, disse Hughes.
Timothy Nevin, estudante de graduação na Universidade da Flórida, disse acreditar que o ponto de vista anti-islâmico de Jones – pelo menos em Gainesville –só existe entre ele e seus seguidores.
Então, em sua placa de protesto Nevin pediu para um amigo desenhar uma caricatura de Jones. Embaixo dela escreveu várias frases condenando as opiniões do pastor, mas o texto mais visível dizia simplesmente: “É uma vergonha!”
“Gainesville é uma cidade muito progressista”, disse Nevin. “E o que ele afirma é completamente desprezível para nós.”
Para Dale Robbins, 60, a polêmica sobre a queima do Alcorão trouxe de volta memórias dolorosas que ela pensava ter deixado para trás, memórias de antes que Gainesville se tornasse a comunidade progressista que ela acredita ser hoje.
A família de Robbins era uma das poucas famílias judias que viviam em Gainesville quando ela era criança. Ela se lembra de sair à rua e ver suásticas pintadas na calçada em frente à sua casa.
Um dia, quando tinha 9 anos, Robbins, sua irmã e uma amiga cristã da irmã se afastaram alguns quarteirões de seu bairro, deitaram-se no capim e escorregaram sobre as barrigas por uma brecha entre dois suportes de uma tenda para ver como era um grande “renascimento” batista.
Quando o pregador disse que todos os judeus deveriam deixar a cidade porque os judeus mataram Jesus, Robbins lembra que se deitou de novo e deslizou para fora, com as lágrimas turvando sua visão.
Mas Robbins disse que, assim como outras partes do país depois do movimento pelos direitos civis, Gainesville havia mudado.
“Isso é o que me deixa tão louca neste caso”, ela disse, contendo as lágrimas. “Aqui não é mais assim, não mais. Se fosse, eu não estaria morando aqui.”
Este ano a cidade elegeu seu primeiro prefeito declaradamente gay, Craig Lowe, indicou Robbins. E as relações entre líderes de várias religiões eram fortes mesmo antes das ações recentes de Jones, disseram membros do clero local na semana passada.
Amara Atia, um dos líderes do Centro Islâmico Hoda de Gainesville, disse que se tivesse de contar ao mundo sobre a comunidade religiosa de Gainesville, um exemplo melhor que Jones seriam os pastores, padres e rabinos que ele conheceu aqui – homens e mulheres de fé que ampliaram suas percepções de outras religiões.
“Eu não sabia que cristãos e judeus tinham tanto respeito por nós”, disse Atia. “Eles são o que nós conhecemos dessas religiões, e não o pastor Jones.”
Quanto a Griner, que trouxe para Jones um livro devocional de sua biblioteca na quinta-feira, ele disse que o problema que os atos de Jones causaram podem transformá-lo na pessoa mais infame em Gainesville depois de Rolling, que foi executado em 2006.
“Depois do que aconteceu toda essa atenção–, as pessoas que vivem aqui não vão esquecer facilmente”, disse Griner. “Não sei se ele terá de deixar a cidade, mas vai enfrentar dificuldades com os moradores.”
[b]Fonte: Cox News Service[/b]