Grupos islâmicos querem transformar Córdoba em um local de peregrinação para muçulmanos de toda a Europa. Antiga capital do califado mouro na Península Ibérica, Córdoba vive hoje uma intensa convulsão política e religiosa.
Grupos sauditas querem financiar a construção da segunda maior mesquita do mundo e já adquiriram terrenos para as obras.
A polêmica cresceu depois que associações de muçulmanos da Espanha enviaram uma carta ao papa Bento XVI pedindo que os muçulmanos possam fazer suas orações na Catedral de Córdoba – que entre 756 e 1236 foi a maior mesquita do Ocidente, com capacidade para 40 mil fiéis.
Córdoba foi o principal símbolo do poder mouro na Europa e, por séculos, o que se chamou de Al-Andaluz foi um dos califados mais ricos. A mesquita, transformada em catedral no século 8º, é considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
As iniciativas recentes dos grupos árabes despertaram velhos fantasmas de que os muçulmanos estariam interessados em tornar Córdoba seu foco de atuação na Europa – uma “Meca do Ocidente”. No terreno comprado ao lado do sítio arqueológico de Medina Al-Zahara, que guarda os resquícios do palácio mouro na região, associações de muçulmanos pretendem construir uma nova mesquita e duas escolas, além de um hotel para peregrinos.
Apesar de os muçulmanos espanhóis estarem chamando o projeto de Cidade da Paz, os críticos não poupam ataques. Eles destacam o interesse de líderes estrangeiros no financiamento das obras. Entre os financiadores estão grupos da Arábia Saudita e do Kuwait, além do sultão Al-Qasimi, dos Emirados Árabes Unidos, que já deu dinheiro para a construção de uma mesquita em Granada e outra em Sevilha.
Há hoje 300 mesquitas na Espanha, mas a grande maioria foi instalada em edifícios que não têm características islâmicas. Das dez mesquitas que têm minaretes, só uma não foi construída com financiamento estrangeiro.
Ao Estado, Mansur Escudero, presidente da Junta Islâmica da Espanha, afirma que não vê nenhum problema no fato de as mesquitas espanholas terem sido construídas com dinheiro estrangeiro. “O Vaticano também é um Estado soberano e nunca questionamos quando financia a renovação de uma igreja na Espanha.”
Interesse turístico
Para Escudero, que se converteu ao islamismo há 30 anos, seria positivo para Córdoba tornar-se um ponto de peregrinação. Ele destaca que a região da Andaluzia se aproveita do legado árabe para promover o turismo. “Hoje, quase todos os locais de turismo na região têm as marcas dos mais de 700 anos da passagem dos muçulmanos por aqui e a população fala com orgulho de seu passado. Mas quando se trata dos direitos dos muçulmanos de hoje, a posição é bem diferente.”
Há também um plano de construção de uma nova mesquita em Sevilha. A prefeitura já deu o sinal verde, mas os moradores do bairro em que ela seria construída recorreram à Justiça e conseguiram interromper a obra. O motivo: a mesquita é financiada por um país “não democrático” (Arábia Saudita). A Junta Islâmica considera a reação dos espanhóis como “histeria” e uma tentativa de transformar os muçulmanos locais em estrangeiros. “Somos espanhóis”, diz Escudero.
Curiosamente, a principal mesquita da cidade é de propriedade da prefeitura e foi construída para que as tropas franquistas muçulmanas pudessem orar enquanto lutavam na Guerra Civil contra os republicanos, nos anos 30.
Mas os problemas não param por aí. A Junta Islâmica pediu ao Vaticano o direito de rezar na Catedral de Córdoba. O Vaticano ainda não deu resposta oficial ao pedido, mas o bispo local, Juan José Asenjo, já se declarou contra, alegando que a medida criaria “confusão entre os fiéis”. Segundo a Junta, há tensão cada vez que um muçulmano entra no local e tenta orar. O serviço de segurança da catedral confirmou ao Estado que tem ordens para impedir orações de muçulmanos.
Fonte: Estadão