Muitas vezes anônimas, obreiras evangélicas prestam magníficos serviços ao próximo e ao Reino de Deus e estão mais interessadas em ser bênção do que receber bênçãos.
O que podem ter em comum a periferia do Recife (PE), os hospitais da Cidade Maravilhosa, uma aldeia indígena no Mato Grosso do Sul, uma ilha próxima à capital gaúcha, as ruas de São Paulo e uma casa simples de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio? Pessoas que precisam de ajuda, com certeza. Mas todos esses contextos tão diferentes também têm outras particularidades que os unem – e elas atendem pelo nome de Madalena, Fabiana, Sandra, Maria, Eulália e Sílvia. Sim, todas são mulheres comuns, daquelas que cuidam da família, vão para o trabalho e enfrentam seus problemas. Apenas seis entre as outras quase 30 milhões de evangélicas que vivem no país – nada menos que 68% da Igreja Evangélica brasileira. São como tantas outras irmãs em Cristo, que amam ao Senhor e procurar viver de acordo com os ensinos da Palavra. Mas vão além: elas fazem. Em uma sociedade de tantas injustiças e diferenças, gente como Madalena, Fabiana, Sandra, Maria, Eulália e Sílvia chegaram à acha que não basta crer; é preciso fazer. E elas fazem. Cada uma, ao seu modo, tomou para si o chamado de Cristo para ir ao encontro do necessitado, esteja onde estiver. E, se a verdadeira acepção da palavra “santo” é separado, pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que elas são santas. Afinal, separaram parte importante de suas vidas para visitar o enfermo, alimentar o faminto, vestir o nu, levantar o caído. Elas são as mulheres do Senhor, mulheres que estão mais interessadas em ser bênção do que receber bênçãos. E quem ganha, claro, é o Reino de Deus.
[b]De casa e coração abertos[/b]
Para Madalena dos Santos, uma vida não tem preço. Com recursos próprios e muita dedicação, Madalena abriga viciados em sua própria casa
“Aos 17 anos, meu filho Marivaldo Afonso Calado se envolveu com drogas”, conta Madalena Martins Afonso dos Santos, de 56 anos. Na época, em 1993, ela estava afastado do Evangelho. “Foi um sofrimento, uma tristeza ver meu filho naquele estado”. O drama levou-a de volta para a igreja e para os braços de Cristo. O rapaz foi para uma instituição de recuperação evangélica e conseguiu largar o vício. Mas Madalena não ficou satisfeita. “Fiz um voto com Deus. Resolvi cuidar de dependentes químicos. Quando eles saem das clínicas, ficam sem referências e muitos não têm para onde ir”, justifica. Viúva, Madalena compromete quase a metade de sua renda para manter o trabalho, em sua própria casa, em São Gonçalo (RJ). Ela não se importa – “Se conseguir ganhar uma alma, estou ganhando galardão no céu”, diz, com simplicidade. Hoje, são quatro pessoas dividindo uma casa pequena: além dela o do filho, estão lá João Carlos Mello, de 37 anos, e Carlos Alberto Salgado, de 28. Em certas ocasiões, a casa está mais cheia. Uma moça, que chegou em estado deplorável e cujo nome Madalena prefere preservar, ficou com ela lá seis meses. Hoje, casada e longe das drogas, é visita constante. A rotina tem de ser espartana. “Todos ajudam nas tarefas. Às oito horas, estamos de pé. Pela manhã, às 8 horas, todos já levantaram. Depois do café, eles têm a tarefa de limpar e arrumar a casa e o quintal. O João é o responsável pela cozinha. Após o almoço, assistem televisão, de preferência programas evangélicos. No sábado, fazemos um culto e, às vezes, convido algum pastor para pregar. Tenho aprendido muito da palavra de Deus e cheguei a uma conclusão: temos que olhar pelo ser humano”. A casa ficou pequena, e Madalena começou a pedir a Deus um lugar maior, onde pudesse atender mais pessoas. “O Senhor me deu o sonho de um centro de recuperação. Estamos prestes a conseguir. Procurei o proprietário de um espaço indicado pela vizinhança, que é próximo da minha casa, e disse que não tinha condições de comprar o imóvel, e por isso quis alugá-lo. Ele simplesmente me entregou a chave e disse para eu ficar o tempo necessário”. É um sítio grande com duas casas; uma será feita de dormitório e, na outra, será instalado o refeitório. “Contamos apenas com doações”, continua a pensionista. O lugar é muito pobre, sem água encanada, iluminação pública ou coleta de lixo. “Mas Deus tem sido fiel”, diz Madalena, resoluta. “Acho que é por isso que Deus me colocou aqui: para cuidar destas pessoas. Hoje é uma satisfação receber cada vida na minha casa. Estou com a minha renda toda comprometida, mas não sou apegada a dinheiro, não. Não vou levar nada deste mundo, e tudo que tenho foi emprestado por Deus. Tudo posso naquele que me fortalece.”
Madalena Martins Afonso dos Santos é pensionista e dedica todo o seu tempo aos viciados que abriga em sua casa, em São Gonçalo (RJ)
[b]Mensageira da esperança[/b]
Sílvia leva palavras de fé a pacientes internados nos hospitais do Rio de Janeiro. A obreira em trabalho de capelania com um pequeno paciente: “Dividir o amor de Deus é uma alegria”
Foi durante sua primeira gravidez que Sílvia Helena Migueis Bastos, carioca de 45 anos, conheceu a irmã Francisca. “Ela fazia visitação aos doentes nos hospitais e me convidou para acompanhá-la”, lembra. Numa das primeiras visitas, Sílvia conheceu uma soropositiva em estado terminal. “Sua família morava longe e passei a visitá-la todos os dias”. A nova amiga lhe pedia que levasse comida, mas Sílvia fez muito mais do que isso – apresentou-lhe a Cristo, o pão da vida. A paciente converteu-se ao Evangelho. “Na semana seguinte, ela morreu”, conta. Sílvia percebeu que a visitação hospitalar era o seu chamado. Ela buscou, então, preparar-se para exercer o ministério da capelania, estudando no Centro Integrado de Educação e Missões (CIEM). “Já faz 15 anos. O meu coração transborda de amor; sinto-me feliz e realizada”, garante. “Para mim é uma alegria dividir o amor de Deus com aquelas pessoas, levando o conforto e a paz que há em Jesus”. Naturalmente, a obreira já viu muitos milagres. “Certa vez, encontrei um garotinho de apenas seis anos de idade. Ele fora atropelado, e os médicos diziam que não havia esperança. A criança parou de andar, falar, enxergar e ouvir”. O menino jazia em posição fetal, inerte. “No meu coração, eu tinha a certeza de que algo poderia ser feito. Todos os dias, ao seu lado, eu cantava, orava e contava histórias bíblicas. Ao final de uma semana, ele abriu os olhinhos”, emociona-se Sílvia. “Para minha surpresa, numa visita, ele me recebeu levantando o seu bracinho com dificuldade, puxou meu pescoço e me deu um abraço, com um lindo sorriso, dizendo: ‘Oi tia!’ Ouvir a voz daquela criança e sentir seu abraço foi muito gratificante, um incentivo para que eu não desistisse nunca de levar o Evangelho e a esperança aos doentes internados.”
Sílvia Helena Migueis Bastos é casada, estudante de psicologia e membro da Igreja Batista Itacuruçá, no Rio de Janeiro
[b]Gerando renda e dignidade[/b]
A empreendedora social Fabiana Dumont apoia mais de 400 artesãs carentes
A empreendedora social Fabiana Dumont jamais pensou em trabalhar com projetos de geração de renda em comunidades carentes. “Realmente, tudo foi preparado por Deus e ele tem aberto todas as portas para a promoção da justiça social e para que estas pessoas possam ter uma vida mais digna”, garante. Ela atua criando grupos de trabalho em comunidades de extrema pobreza da Grande Recife, envolvendo principalmente mulheres. Em Aguazinha, bairro de Olinda, Fabiana apoia artesãs que antes trabalhavam no lixão da cidade. “Elas produzem peças recicladas e bijuterias que hoje são comercializadas até na Holanda”, explica. Já na comunidade das Carolinas, na vizinha Jaboatão dos Guararapes, ela ajudou a montar o grupo Esperança, cujas integrantes produzem peças em tecido, móbiles e chaveiros que também são exportados e até vendidos em lojas badaladas da região. “Além de renda para suprir necessidades da família, este trabalho representa dignidade”, pontifica Fabiana. “Algo que ouvi certa vez e nunca esqueci é que, quando investimos na formação e geração de renda para as mulheres, a vida da família como um todo melhora, porque elas investem tudo nos filhos, em uma alimentação melhor e em melhorias para suas casas”. As duas frentes de trabalho são apoiadas por igrejas de confissão anglicana, que dão suporte na utilização das instalações de seus templos para as oficinas e o estoque, ajudam na gestão da produção e abrem espaço em eventos para a venda das peças. “Atualmente, trabalhamos com cerca de 30 grupos produtivos, envolvendo mais de 400 mulheres”, informa. Mais de 1,3 mil pessoas já foram beneficiadas. Como muitas das artesãs não são crentes, o trabalho tem forte viés evangelístico. “Não nasci num lar evangélico”, revela Fabiana. “Por estranho que pareça, comecei a buscar Deus porque queria definições na minha vida, inclusive na área profissional. Mas Deus fez muito mais do que imaginei. Hoje, é um privilégio trabalhar com algo que ele plantou no meu coração. Creio que nosso trabalho tem sido um instrumento de Deus para trazer libertação da opressão causada pela pobreza extrema. Tenho convicção de que Deus me usa para proporcionar vida mais digna a essas mulheres, com a condição mínima de ter pão na mesa”.
Fabiana Dumont, 38 anos, é pós-graduada em comércio exterior e sócia da empresa Bio Fair Trade, que presta apoio aos grupos de produção formados por mulheres carentes. Ela congrega na Igreja Presbiteriana das Graças, em Recife (PE)
[b]Amor, gratidão e felicidade[/b]
O campo missionário de Maria Antonia são as ruas de São Paulo
São Paulo, a maior cidade brasileira, com quase 12 milhões de habitantes, tem também problemas sociais gigantescos. Um dos mais dramáticos é o da população de rua. Os sem-teto amontoam-se sob marquises e viadutos, em condição de extrema vulnerabilidade. Mas a mineira Maria Antonia Rabelo de Araujo faz o que pode para mitigar o drama desses excluídos. “Há muitos anos, realizo um trabalho social voluntário com moradores de rua”, diz. Antes de conhecer a Jesus com o Salvador, ela passou um período de três anos em depressão. “Sentia vontade de morrer, sem ânimo para nada”, lembra. O vazio que sentia dentro de si impulsionou-a em direção ao próximo. “Sempre gostei de ajudar as pessoas”. Convertida em um culto da Igreja Internacional da Graça de Deus, Maria Antonia tornou-se uma evangelista vibrante. “Eu falava de Jesus para a população de rua quando ia e voltava da igreja. Eles são muito carentes, mas, se tratados com amor, ficam gratos e felizes. O amor muda qualquer situação”. Com o tempo, ela reuniu um grupo de trabalho com ajuda de outros crentes. “É um trabalho de formiguinha, mas é o próprio Deus quem nos move. Depois de algum tempo, fui levantada como pastora, ganhei uma sala e uma equipe composta por psicólogos, advogados, assistente social e pedagoga, todos voluntários. No momento estou atendendo uma garota de programa. Ela chegou na igreja quase sem roupa. Sentei ao seu lado e perguntei como poderia lhe ajudar. O Senhor me deu estratégia certa e ela está vindo todos os dias na igreja”. Outro foco de sua atuação são os idosos abandonados. “Encontrei muitos velhinhos nas ruas. Eles se acham um peso para a família e vão embora. Como muitos não sabem ler, montamos cursos gratuitos que funcionam nas dependências da igreja, das seis da manhã às oito da noite, com professores também voluntários”. A pastora lembra bem de Antonio do Nascimento Peixoto, o primeiro morador de rua que atendeu. “Todos os dias, eu falava que Jesus o amava. Hoje, ele é pastor em Fortaleza, no Ceará”, diz, satisfeita. Com o tempo, Maria Antonio organizou o trabalho, que hoje conta com cadastros e listagens de todas as doações recebidas e para quem foram entregues. Mas não perde de vista o essencial: “Esse trabalho é a minha vida.”
Maria Antonia da Silva Rabelo de Araújo vive em São Paulo, tem 50 anos, é casada e pastora em temo integral
[b]Escola da vida[/b]
Obreira da Missão Caiuá, Eulália educa pequenos índios. O casal de missionários Eulália e Gervásio dedicam suas vidas aos índios do Mato Grosso do Sul.
Trabalho com a Missão Evangélica Caiuá, em Mato Grosso do Sul. Sou professora, mas não exerço essa função em escola, só no ministério. Deus abriu as portas e permitiu que viéssemos trabalhar na aldeia de Taquaperi com a tribo guarani-kaiwá. Amo este povo e este lugar”. Assim, Eulália Maria de Souza Lopes, de 61 anos, resume seu trabalho. Isso é o que ela faz hoje, porque, desde a juventude, envolveu-se com a obra missionária em diversas partes do país. O marido, Gervásio, também é missionário, e os três filhos adultos estão envolvidos com a obra do Senhor – uma delas segue para o Afeganistão agora em setembro. Eulália está completamente integrada à vida e à rotina dos índios.
“Desde o início, meu ministério é com crianças e adolescentes. Ao chegar, fiquei impressionada com o grande número de crianças que vinham à igreja e começamos a trabalhar de maneira zelosa e constante com elas aos domingos, na Escola Bíblica Dominical, e também nas escolas. Treinamos uma equipe formada por adolescentes, jovens e outros voluntários. O resultado foi maravilhoso!”, lembra. “Tenho também um grupo de discipulado semanal com lições bíblicas e músicas, para crianças de quatro a 12 anos. Estou preparando a classe de adolescentes e jovens de amanhã. Atualmente são 48 matriculados nesse grupo. É lindo, abençoado e animador ver esse ministério”. Um dos maiores desafios é em relação ao idioma. “Há falta de obreiros nativos para ajudar com a tradução, pois não falo guarani fluentemente. Os índios menores não entendem bem o português. Fica difícil desenvolver o programa, mas estamos pedindo ao Senhor da seara por obreiros”. Sobre as dificuldades e a distância dos filhos, ela é taxativa: “Não troco isso por nada. É maravilhoso relembrar como era e como está a igreja aqui na aldeia, em todos os aspectos. Há grandes mudanças nas construções, nas famílias, nas vidas. Só Deus para fazer isso.”
Eulália Maria de Souza Lopes é professora na Missão Evangélica Caiuá, no Mato Grosso do Sul
[b]No jardim de Deus[/b]
Iniciativa de crente batista transforma a vida de moradores da Ilha das Flores, cuja miséria foi mostrada em documentário premiado.
O premiado documentário Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, mostra o cotidiano de abandono e miséria das comunidades insulares do Rio Guaíba, que banha a capital gaúcha. Pois foram cenas com as do filme que a pedagoga gaúcha Sandra Penno imaginou nos seus sonhos missionários quando menina. “Eu dizia à minha mãe que seria missionária”, lembra, divertida. E virou, mesmo. Ela trabalhou em escolas cristãs e foi obreira em vários estados do Brasil durante 20 anos, até voltar à sua Porto Alegre, sem saber exatamente o que fazer ali. “Fiquei inquieta com a realidade tão dura mostrada no filme. Então, eu e um pequeno grupo de mulheres da Igreja Batista de Mont’Serrat orávamos incessantemente por aquela comunidade. Resolvemos ir lá”. Corria o ano de 2007 e uma grande enchente assolou a Grande Porto Alegre. A Ilha das Flores ficou praticamente submersa. “Atravessamos a pé uma das pontes e vi a escola e as casas simples, a maioria de madeira, imersas diante da força das águas”. A estrada ficou intransitável e Sandra e suas companheiras não puderam voltar. “Bati na porta de uma casa. Cinco mulheres estavam lá dentro, e logo perguntaram o que eu estava fazendo ali. Respondi que tinha ido lá para falar que Deus existe e que pode mudar a história de qualquer pessoa, em qualquer lugar. Em pouco tempo, me tornei amiga daquelas mulheres”. Em pouco tempo, Sandra encontrou maneiras de ajudar na prática. A coisa começou com encontros informais, estudos bíblicos, reuniões de oração e almoços. Logo, outros evangélicos aderiram. “Distribuímos muitas doações e visitamos as casas, entre elas a de alguns recicladores de lixo a céu aberto. Vi olhos brilhando por um pedaço de pão em meio aos sacos de lixo. Era uma cena que ia muito além do documentário, até as crianças comiam restos”. Em 2010, nasceu o projeto Jardim de Deus, com voluntários em mutirões de limpeza nos quintais. O lixo foi retirado e em seu lugar foram plantadas árvores frutíferas, hortas e flores. “Organizamos uma instituição social para implantação de uma cozinha comunitária. O prédio que abriga o Instituto de Educação e Desenvolvimento Humano – que faz trabalhos beneficentes e filantrópicos –, foi construído e reformado com ofertas das igrejas e da sociedade civil”, comenta Sandra. “Atualmente vivemos um período de consolidação da Igreja Jardim de Deus, que nasceu no coração da ilha. Percebo que a Ilha das Flores é hoje muito diferente da comunidade que conheci há cinco anos. A conquista da cidadania e a melhoria de condições de vida já é realidade para muitas famílias. Com coração grato, louvo a Deus pela dedicação de cada irmão que, de maneira tão desprendida, se doou nesse trabalho tão especial.”
Sandra Mara Kindlein Penno, 52 anos, é graduada em Pedagogia e tem mestrado em Educação. Ela é membro da Igreja Batista de Mont’Serrat, em Porto Alegre (RS)
[b]Fonte: Cristianismo Hoje[/b]