Pastor e deputado federal Silas Câmara. (Foto: Agência Câmara)
Pastor e deputado federal Silas Câmara. (Foto: Agência Câmara)

O pastor e deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), novo líder da Frente Parlamentar Evangélica, mais conhecida como bancada evangélica, disse, em entrevista, que não é “amigo do Lula [PT] nem da esquerda”, mas negar diálogo com a trupe petista iria contra sua “formação cristã”. A entrevista foi concedida para a Folha de S. Paulo.

No sétimo mandato, o pastor que faz parte de um clã poderoso nas Assembleias de Deus do Norte brasileiro já chefiou a bancada em 2019 e 2020, primeiro biênio do ex-presidente Jair Bolsonaro, que aliás, ainda é o favorito da bancada —apoio, segundo ele, intacto em meio a reveses judiciais e acusações de corrupção.

Na entrevista, Câmara disse que simpatiza com a ideia de restringir ainda mais o aborto e também defende o “eixo da maioria” para impor visões conservadoras, como o veto a direitos LGBTQIA+.

Governo Lula

Câmara minimiza o receio de que a bancada, agora sob sua liderança, será afável demais com o governo petista. Mas também não quer rupturas com o Executivo. “Não faz sentido [ser acusado de ser próximo do PT] porque não sou amigo do Lula nem da esquerda, só sou uma pessoa de diálogo”, diz.

“Ser de diálogo não é ser aliado. Conversar não é ceder. Minha formação cristã me ensina assim, e é o que diz a Bíblia: Sempre que possível, devemos ter paz com todos. Quem parla, conversa.”

Silas Câmara faz questão de realçar que ele até topa dar o benefício da dúvida, mas não encara Lula como um aliado natural. O petista, diz, “tem pautas completamente na contramão do que eram as pautas do governo passado”. O horizonte permanece nublado “por não conseguirmos ainda ler completamente o que pretende o governo em diversas áreas preciosas para a frente”.

“Acho que ele está construindo um caminho para ter esse diálogo restabelecido através de políticas públicas que de fato alcançam majoritariamente a comunidade evangélica”, diz.

“É bom lembrar que temos no Brasil uma população extremamente forte nas classes C, D e E, que têm um elo forte com as igrejas evangélicas. Num gesto em que fortalece a distribuição de renda, com o tempo pode se construir o diálogo.”

Reconstruir pontes entre Lula e o campo evangélico, que o abraçou em suas duas primeiras incursões no Palácio do Planalto, pode até ser possível, mas não necessariamente provável. “Acho muito desafiador em função de que o governo reafirma sua posição contra princípios que acreditamos.”

Saca como exemplo uma resolução do Conselho Nacional de Saúde anunciada em julho. Ela estabelece diretrizes indigestas para vários evangélicos, em temas como aborto, LGBTQIA+ e maconha. Uma delas propõe reduzir para 14 anos o início da terapia hormonal em quem se reconhece transgênero. O piso no SUS, hoje, é de 18 anos.

Sobre o aborto

O tema é ponto de honra para evangélicos, e um projeto de lei que restrinja ainda mais o procedimento contaria com a boa vontade da bancada, diz seu líder. “Nós, cristãos, estaremos sempre a favor da vida e contra o aborto, seja ele qual for.”

A reportagem questiona se isso significa endossar uma proposta para afunilar as hipóteses previstas na lei atual: risco à vida materna, estupro e anencefalia. Câmara diz que sim. “Sempre que a frente tiver que optar entre vida ou assassinato, seja a circunstância que for.”

LGBTQIA+

Em relação aos direitos de homossexuais e transgêneros, Câmara afirma que terão vida difícil no que depender do bloco evangélico.

“Fazemos nosso trabalho, que é respeitar a representatividade da população brasileira. Um país que tem 96% da sua comunidade cristã [na verdade, em torno de 80%, segundo pesquisas], que acredita que o casamento deve ser entre homem e mulher, como está no princípio bíblico, vai se posicionar sempre contra qualquer tipo de iniciativa que tire esse eixo da maioria.”

Sua versão de democracia implica numa “maioria que obviamente se coloca com suas convicções”.

Bolsonaro

“Não acredito que seja um incômodo. Enquanto não transitado em julgado, condená-lo ou julgá-lo por antecipação é algo que os evangélicos não costumam fazer”, disse Câmara sobre os os oito anos de inelegibilidade, determinados em junho pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para Jair Bolsonaro.

Para o deputado, nada mais orgânico do que as afinidades entre o ex-presidente e o segundo maior grupo religioso do país, atrás dos católicos.

“As principais lideranças enxergaram na proposta de Bolsonaro a segurança dos princípios nos quais acreditamos, que mesmo sendo espirituais trazem para o mundo material bênção e prosperidade para a nação. Outro fator importante foi a própria atenção que ele deu, nas agendas, em demonstrar carinho e presença no segmento.”

Bancada evangélica em 2023

A prioridade, segundo o parlamentar, será manter a “presença fortíssima nas comissões” do Congresso Nacional e sofisticar “a estrutura de monitoramento da tramitação de pautas legislativas” que possam ferir brios evangélicos.

A ideia é marcar posição em todos os colegiados da Câmara dos Deputados e impor um “obstáculo forte” a projetos que desagradem o grupo. Na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), por exemplo, estão os pastores Marco Feliciano (PL-SP) e Eli Borges. Na Comissão de Educação, Gilberto Nascimento (PSD-SP), decano da bancada.

Supremo Tribunal Federal

Para o deputado, a tendência do STF (Supremo Tribunal Federal) em descriminalizar a maconha reforçou a visão, na cúpula evangélica, de um Judiciário que age como trincheira progressista.

“Prova disso é o atropelo [dos magistrados] sobre o Legislativo. Falava-se tanto, no governo passado, sobre a forma indevida de relacionamento entre Poderes, e agora fica provado que, na verdade, o STF avança sobre a pauta tanto do Executivo quanto do Legislativo, o que é inconstitucional e lamentável.”

Câmara não desmerece a oportunidade de ganhar mais um representante da sua religião na corte –o ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), batista, é cotado para a vaga que Rosa Weber desocupará ao se aposentar.

“Ter um evangélico em todos os lugares desta nação sempre é importante, mas a indicação é prerrogativa do presidente.”

O pastor André Mendonça se tornou, em 2021, o segundo protestante no STF. Antes dele veio Antônio Martins Villas Boas, batista nomeado em 1957.

Fonte: Folha de S. Paulo

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