A Justiça Estadual não concedeu indenização por danos morais e patrimoniais a mulher que alegou ter tido sua vida pessoal e profissional prejudicada pela reprovação de bispos da Igreja Universal Reino de Deus. Segundo a autora, vetaram a sua união matrimonial com um pastor, sob o argumento de que era gorda e mais velha que o noivo. Além disso, teria sido obrigada a prestar serviços domésticos e proibida de se apresentar em grande casa de shows na Capital, o que teria prejudicado sua carreira de cantora gospel.
[b]Caso[/b]
A autora ingressou na Justiça contra a Igreja Universal do Reino de Deus. Nos autos, apresentou-se como cantora Gospel de sucesso contando que estava prestes a lançar um álbum de músicas em evento artístico chamado Noite de Milagres, realizado no Pepsi On Stage, em Porto Alegre. Conta que os bispos a impediram dizendo que a atitude era incompatível com a postura a se esperar de uma esposa de pastor. Sustentou que, devido a isso, teve comprometida sua ascensão como cantora gospel, inclusive tendo perdido patrocínio.
Paralelamente à carreira artística, pretendia constituir família, casando-se com um pastor da Igreja Universal. Para a realização do matrimônio precisava do consentimento dos bispos, o que não obteve. Atribuiu a negativa a preconceito por sua idade e peso. Contou ainda que, para ser aceita na comunidade religiosa, foi obrigada a passar por um estágio de esposa, enfrentando situação degradante de trabalho doméstico não-remunerado (como trabalhar e limpar a Igreja ou fazer faxina em casas de outras esposas), além se ser forçada a se submeter a testes de virgindade e de HIV.
Afirmou que as exigências e perseguições praticadas prejudicaram sua vida profissional e pessoal, causando-lhe prejuízos de ordem moral e patrimonial, pois seu casamento foi adiado em quatro ocasiões. Além disso, teve também seu show cancelado perdendo, inclusive, a gravação de CD e seus patrocinadores.
A Igreja Universal do Reino de Deus contestou, argumentando que a autora teve discernimento para escolher entre participar ou não de uma religião, sem apresentar qualquer vulnerabilidade. Referiu ainda que a autora teve livre arbítrio para suas decisões pessoais e profissionais. Sobre o evento Noites de Milagres, a Igreja apontou incompatibilidade da agenda dos artistas. Rejeitou ter obrigado a autora a realizar testes de virgindade e exame de HIV, além de estágio de esposa. Afirmou somente que a autora exerceu atividade de obreira na condição de voluntária, sem nunca ter sido obrigada a tanto.
[b]Sentença[/b]
O Juiz Walter José Girotto, da 17ª Vara Cível do Foro Central da Capital, julgou parcialmente procedente o pedido indenizatório determinando que a Igreja pagasse o montante de R$ 12 mil a título de dano moral. O magistrado considerou caracterizado como vexatório o procedimento de aprovação para esposa de pastor.
[b]Apelação[/b]
Ambas as partes recorreram: a igreja pedindo a improcedência da ação e a autora postulando o aumento do valor da indenização, além da reparação por danos patrimoniais.
A decisão de 1º Grau foi reformada pelos integrantes da 10ª Câmara Cível do TJRS que, por unanimidade julgaram improcedente o pedido. Os magistrados consideraram que a autora é uma pessoa plenamente capaz e leva uma vida independente, com claro discernimento entre o certo e o errado, tendo tomado suas decisões no exercício do livre arbítrio e de acordo com seus próprios interesses.
Os apelos foram apreciados pelo Desembargador Túlio de Oliveira Martins. Para o relator, a prova oral extensa e nitidamente contraditória. Entretanto, ficou claro que de modo algum a autora apresentava-se em uma condição de vulnerabilidade ou fragilidade. Todas as testemunhas, quando questionadas, foram unânimes em afirmar que a mesma é pessoa plenamente capaz para a vida civil, possuindo discernimento entre o que é certo e errado e levando uma existência independente e saudável física e mentalmente.
Ressaltou que a liberdade de religião garante ao cidadão o direito de não participar de um determinado culto, bem como assegura às associações religiosas se organizarem internamente de acordo com as regras mais adequadas à congregação.
Quando é possível a manifestação da vontade livre de qualquer vício de consentimento, como é o caso dos autos em que a autora poderia ter se negado a aderir às regras da Igreja-, a iniciativa individual deve ser preservada, sem interferências estatais, pois se assim não fosse, teríamos uma sociedade absolutamente dirigida e aniquiladora das liberdades individuais, ponderou o magistrado.
No caso em questão, avaliou que a autora tinha capacidade de julgamento e, por livre e espontânea vontade, decidiu seguir as regras da irmandade. Além do tão sonhado casamento com o pastor, a permanência na Igreja também favorecia sua carreira musical, porque cantava nos cultos e distribuía material dos shows entre os fiéis.
Acompanharam o voto, negando a reparação, os Desembargadores Marcelo Cezar Müller e Jorge Alberto Schreiner Pestana.
Apelação Cível nº 70064724271
[b]Fonte: TJ-RS, COAD, JusBrasil[/b]