Jummai abriu sua alfaiataria na manhã de 18 de setembro sem fazer idéia da crise que a esperava. Da mesma forma estavam seus irmãos cristãos, sem saber o que estava por vir. Os cristãos são menos de 20% da população de Dutse, capital do Estado de Jigawa, no norte da Nigéria, onde a maioria é muçulmana.
Mas naquela tarde, os comentários impensados de Jummai, trocados com diversos clientes muçulmanos, atraíram a fúria de alguns agitadores islâmicos. E, subitamente, uma multidão furiosa começou a se formar em toda a cidade, exigindo que a costureira cristã fosse morta por blasfemar contra Maomé, o profeta do islamismo.
A discussão deflagrou um tumulto violento, que durou apenas um dia, mas deixou 16 igrejas queimadas, seis cristãos feridos e, no mínimo, dois mil cristãos sem casa. Depois do incidente, agentes do governo agiram de forma a estabelecer a crise, anunciando que as igrejas e os cristãos seriam forçados a ficar fora dos limites da cidade de Dutse.
A suposta blasfêmia de Jummai aconteceu no contexto dos comentários atribuídos ao papa Bento XIV, que deixaram os muçulmanos ressentidos. O papa foi acusado de ultrajar o islamismo na semana anterior, quando falava na Alemanha.
Os cristãos da cidade disseram à agência de notícias Compass que os muçulmanos na capital estavam “procurando uma desculpa” para criar problemas por causa das afirmações do pontífice.
Segundo o bispo anglicano de Dutse, reverendo Yusuf Ibrahim Lumu, um mal-entendido de algum tipo aconteceu entre Jummai e uma muçulmana chamada Binta. Jummai é membro da Igreja Fé Viva.
Durante uma violenta discussão, Binta declarou que, já que Jesus transformou água em vinho, ele deveria ter sido um beberrão.
“Jummai ficou furiosa com essas palavras”, Yusuf disse ao Compass. “Em resposta, ela comentou que, se Cristo era um beberrão, Maomé deveria ter sido um mulherengo, já que ele tinha muitas esposas.”
Segundo outra pessoa, um policial muçulmano chamado Isa Dauda estava presente durante a discussão e também fez uma observação depreciativa sobre Cristo, levando Jummai a retorquir: “Mas Cristo ressuscitou dos mortos! Maomé não pôde ressuscitar, ele ainda está em seu túmulo”.
Os espectadores irados desse debate logo começaram a espalhar boatos contra Jummai em toda a cidade, declarando que ela havia blasfemado contra Maomé e merecia morrer. A costureira cristã foi levada à força para Turakin Dutse, um conselheiro do emir (líder muçulmano) de Dutse.
Segundo Yusuf, mandaram Jummai sair de Dutse em dois dias, caso contrário, que ela se preparasse para morrer. Yusuf lidera um comitê cristão que está investigando esse incidente.
Mas os líderes cristãos contatados pelo Compass ignoram o paradeiro de Jummai. Alguns dizem que, antes que Jummai pudesse deixar a cidade, ela foi detida pelo policial Isa, sob acusações de causar “tensão religiosa”, e teria sido levada para a delegacia, onde ainda está presa.
“Outros dizem que ela saiu da cidade, como lhe ordenaram, mas não sabemos onde ela está”, disse o bispo Yusuf.
A maioria dos líderes da igreja ignorava a suposta blasfêmia de Jummai até o tumulto começar em 20 de setembro. Quando os clérigos apelaram para que as autoridades policiais impedissem os ataques, que duraram exatamente seis horas, eles foram ignorados.
Falhas do comissário de polícia
O bispo Yusuf disse que foi preocupante ver a polícia ficar por perto, apenas assistindo à destruição das igrejas e o saque ao comércio e às casas dos cristãos.
“Em um país que fala de liberdade religiosa, igrejas foram destruídas por fanáticos muçulmanos com a plena aprovação do comissário de polícia do Estado de Jigawa e dos líderes muçulmanos.”
Conforme o pastor Hamidu Samaila Gimba, da Igreja Evangélica do Leste Africano, alguns dos pastores relataram ao comissário que suas igrejas haviam sido queimadas, mas ele se escusou de ajudá-los.
Ainda segundo Hamidu, os poucos policiais cristãos que tentaram ajudar os cristãos foram ameaçados pelo comissário Abubakar Sardauna. Para Hamidu, “nesse caso, o comissário é partidário dos muçulmanos”.
Quando os cristãos fugitivos chegaram à delegacia, Yusuf disse: “Todos os líderes eclesiásticos apelaram às autoridades, pedindo que elas impedissem seus homens de destruir nossas igrejas, mas foi em vão”.
Um inspetor de polícia cristão, identificado apenas como Yakubu, prendeu um dos líderes do grupo muçulmano por queimar as igrejas. O comissário Abubakar deteve Yakubu e o entregou aos militantes enraivecidos.
A vida de Yakubu só foi poupada quando ele se ajoelhou e realizou o ritual de oração muçulmano, com seus captores, na casa do emir. E, só depois que alguns policiais cristãos ameaçaram responsabilizar Abubakar pela vida de Yakubu, eles foram autorizados a libertá-lo da multidão.
O bispo Yusuf disse que foi um milagre que ele e sua família tenham sobrevivido aos ataques.
“Sem ninguém pedir, um grupo de oito policiais cristãos retiraram minha família e eu, e mais15 alunos de nossa escola. Minutos depois de nos retirarem de lá, fanáticos muçulmanos vieram e queimaram a catedral, a casa do bispo e a casa de um padre, que ficava ali por perto”, Yusuf disse.
Igrejas afastadas da cidade
Na onda do ataque de Dutse, os líderes cristãos da cidade foram informados pessoalmente pelo governador de Jiwaga, Ibrahim Saminu Turaki, de que o governo planeja situar todas as suas igrejas fora de Dutse.
Ele ainda disse que os cristãos de Dutse também deveriam sair da cidade para viver na terra desocupada que lhes será dada.
Os líderes cristãos protestaram, dizendo que essa é uma política de apartheid. Eles declararam que isso violava o direito, como cidadãos nigerianos, de praticarem sua fé sem discriminação, como a Constituição garante.
O bispo Yusuf vê a mudança forçada como uma forma da guerra santa contra os cristãos. “A jihad não se trata só de guerrear. Ela também inclui o boicote dos prédios das congregações, a destruição das igrejas e a perseguição aos cristãos, feita de qualquer maneira.”
Para o reverendo Hamidu, os cristãos são considerados cidadãos de segunda classe.
O reverendo comentou que, com a implementação da sharia (lei islâmica) no norte da Nigéria há seis anos, os cristãos têm sofrido uma séria pressão do governo islâmico do Estado de Jigawa. “A sharia agravou a relação já tensa entre os muçulmanos e os cristãos, pois, sob esse sistema, o governo reprime o cristianismo e a Igreja, promovendo o islamismo.”
Desde que a lei islâmica foi implementada em 2000, o Estado de Jigawa proibiu a construção de novas igrejas e também impede que alunos cristãos freqüentem as escolas públicas, a menos que se convertam ao islamismo.
Yusuf disse que seus filhos são proibidos de se matricular nas escolas públicas. “Para seu filho ser matriculado, ele deve se converter. O nome das crianças deve ser mudado de José para Abdullah. Caso contrário, essa criança não será aceita. E, uma vez que o nome é alterado, a criança é automaticamente considerada muçulmana e forçada a se tornar muçulmana, quer os pais aceitem, quer não. Isso é a sharia.”
Conforme uma reportagem de 29 de setembro, feita pela Portas Abertas, os cristãos de Dutse acreditam que o ataque contra eles foi inflamado pelas “observações provocativas contra o cristianismo”, transmitidas por rádios há três semanas. O autor delas seria o xeque Yusha’u Abubakar, diretor do Comitê de Assuntos Religiosos de Jigawa. Zombando do conceito cristão de trindade, Yusha’u disse para os muçulmanos “se prepararem para combater os judeus [i.e., cristãos] nigerianos”.
Fonte: Portas Abertas