Em 28 de agosto, o Supremo Tribunal do México considerou constitucional a lei do aborto. Desde que o poder legislativo votou a favor da lei, em abril de 2007, 85% dos ginecologistas dos hospitais públicos da Cidade do México declararam ser escrupulosamente contra.
Quando o governo da Cidade do México tornou o aborto legal ano passado, também começou a oferecer esse procedimento a todas as mulheres que o solicitavam. Isso inclui as mulheres mais pobres da cidade, que por anos recorriam a clínicas ilegais e parteiras, enquanto mulheres ricas freqüentavam consultórios médicos particulares para acabar, sem alardes, com uma gravidez indesejada.
No entanto, ajudar as mulheres pobres a ter o mesmo tipo de acesso a esse procedimento se tornou quase tão complicado quanto aprovar a lei, um divisor de águas nesse país católico e em uma região onde quase todos os países restringem severamente o aborto.
Desde que o poder legislativo da cidade votou a favor da lei, em abril de 2007, 85% dos ginecologistas dos hospitais públicos da cidade declararam ser escrupulosamente contra. E mulheres reclamam que, mesmo nesses hospitais que realizam abortos, a equipe é geralmente hostil, humilhando-as e colocando barreiras burocráticas.
“Tivemos que resolver como oferecer o serviço nas pressas”, disse o secretário de saúde da cidade, Dr. Armando Ahued. “Fomos aprendendo o andar da carruagem”.
Recentemente, mesmo com a ala esquerdista do governo da cidade modernizando seus serviços de aborto, a lei enfrentou seu maior desafio – nos tribunais.
Em 28 de agosto, o Supremo Tribunal do México considerou constitucional a lei do aborto. A Corte rejeitou o recurso de inconstitucionalidade da norma apresentado pelo governo federal conservador e respaldado por grupos anti-aborto.
Mais debates
O debate provavelmente não deve acabar com uma decisão judicial. Grupos anti-aborto já disseram que irão pressionar para a realização de um referendo, caso o tribunal decida contra os ideais deles, argumentando que essa é uma forma melhor de decidir sobre uma questão de tamanha importância.
“É um debate sobre verdades absolutas”, disse Armando Martinez, presidente do Colégio de Advogados Católicos do México. “Esse tema não está sujeito a debates”.
No resto do México, os estados permitem abortos somente em circunstâncias limitadas, como estupro e incesto, e a organização Human Rights Watch relata que, na prática, esses abortos são praticamente impossíveis de se obter.
A Cidade do México ignorou a batalha filosófica, realizando planos que, oficiais afirmam, irão ajudá-los a alcançar as expectativas do espírito da lei. “Para as pessoas que têm dinheiro, isso não era um problema”, disse Ahued, que enxerga a lei como uma correção de um erro que colocou muitas mulheres pobres em risco. “Mas para nossa gente sem recursos, o que podiam fazer? Apelavam para clínicas clandestinas”.
Depois que vários médicos se recusaram a realizar abortos, a cidade contratou quatro novos médicos para ajudar a administrar a demanda em 14 hospitais públicos onde a cidade inicialmente oferecia abortos. Agora, 35 médicos realizam esse procedimento em instalações médicas públicas.
Pelo fato de a cidade ter determinado que seus serviços não eram rápidos o suficiente, médicos foram treinados para administrar pílulas abortivas quando possível e realizar procedimentos cirúrgicos mais rápidos.
Ainda não está claro quantas mulheres podem ter decidido não praticar o aborto nos já superlotados hospitais públicos devido à demora para marcação de consultas ou porque elas teriam que esperar tempo demais para a ultra-som exigida.
Números
Desde que abortos em geral deixaram de ser ilegais, em abril de 2007, médicos realizaram (ou supervisionaram, no caso do uso de pílulas), cerca de 12.500 dos procedimentos abortivos em clínicas e hospitais públicos, segundo o Ministério da Saúde.
Mas pelo menos algumas mulheres tentaram outros métodos.
Alejandra, 24 anos, que trabalha para o instituto da mulher da cidade, disse que quando foi realizar um aborto no ano passado em um hospital público, uma assistente social de lá disse que ela teria que pagar pela ultra-sonografia, que deveria ser gratuita, e que ela deveria estar acompanhada por um membro da família. Assustada com a descrição dos riscos e do procedimento em si, ela deixou o hospital correndo.
Alejandra acabou tomando pílulas para induzir o aborto, sem consultar um médico, e desenvolveu uma infecção grave. Ela pediu para ser identificada somente com seu primeiro nome, pois, segundo a jovem, foi recentemente ameaçada de morte por falar em um evento na cidade que comemorava a nova lei.
Outra mulher, uma professora de literatura de 27 anos, que se pronunciou em anonimato, disse que suas amigas lhe contaram que foram tratadas como prostitutas nos hospitais públicos. Ela também tomou pílulas abortivas, mas disse que não fizeram efeito, o que exigiu uma visita ao médico para completar o procedimento.
Para acelerar o tratamento, agentes do governo estão removendo casos de aborto de baixo risco dos superlotados hospitais públicos para três clínicas públicas menores – baseados, em parte, nos modelos do Reúno Unido e dos Estados Unidos. A equipe menor desses lugares deveria dar mais apoio às mulheres, esperam os agentes do governo.
Há poucos dias, em uma dessas clínicas, chamada Beatriz Velasco de Alemán, em um bairro de operários, as mulheres esperavam com amigas, maridos e namorados em um pequeno pátio, conversando, jogando com o celular ou olhando para o nada.
Religião x aborto
Uma mulher de 27 anos, casada e mãe de dois filhos, que veio à clínica para abortar afirmou não ver nenhuma contradição entre sua religião e o aborto. “Sou católica, mas agora a lei foi aprovada”, ela disse, enquanto entrava na clínica para sua consulta.
Mas existe um sinal de oposição na clínica. Brenda Vélez e dois assistentes do grupo anti-aborto Pro Vida chegam todos os dias às 11h da manhã para rezar o rosário e distribuir panfletos.
No entanto, os dois lados dessa história confinam seus argumentos aos tribunais. Até mesmo a poderosa Igreja Católica, que ameaçou legisladores com a excomunhão ano passado se eles aprovassem a lei, calou sua retórica política. No fim, a igreja não expulsou nenhum legislador que votou a favor.
Tem havido alguns poucos protestos públicos à medida que se aproxima a decisão judicial, mas nenhum lado mobiliza grandes forças massivas. Sãos os próprios médicos que se vêem na linha de frente quando é hora de tomar partido.
Uma ginecologista que trabalha em um hospital público e que é mãe afirmou ser contra a legalização do aborto porque não se sentia confortável em interromper uma vida. Algumas mulheres, ela disse, “são irresponsáveis, porque existem métodos contraceptivos”. Ela pediu para não ser identificada.
Aqueles que decidem realizar o aborto dizem que não tem sido fácil. Dr. Laura García foi a única de 13 ginecologistas de seu hospital que concordou em praticar abortos ano passado. Alguns dias, ela conta, ela chega a realizar até sete ou oito cirurgias abortivas.
“Tornei-me uma guerreira, defendendo minhas convicções”, disse García, que se mudou para um novo hospital em maio, onde o governo planeja realizar abortos para garotas.
Ela disse que foi insultada por colegas e perseguida nas ruas por pessoas contra o aborto. Porém, disse que o fato de ter testemunhado o que acontecia às mulheres antes da legalização do aborto – ela viu casos de choque séptico e hemorragia descontrolada devido a abortos mal-feitos – a ajuda a continuar.
“Estou contribuindo para o resgate dos direitos das mulheres”, disse García. “No México, as mulheres sempre foram marginalizadas”.
“Sou católica, mas tenho minhas convicções”, acrescentou. “Não acho que vou para o inferno. Se eu for, vai ser por outro motivo, não esse.”
Fonte: G1