O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu ontem, na terceira audiência realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), que seja liberado o aborto de fetos com anencefalia, procedimento que ele prefere chamar de antecipação de parto. A anencefalia é uma má-formação do cérebro e do crânio causada por problemas genéticos e fatores externos .

“O Ministério da Saúde defende essa garantia, fundamentado, entre outras razões, na dolorosa experiência de situações em que mães são obrigadas a levar sua gestação, mesmo sabendo que o feto não sobreviverá após o parto”, afirmou Temporão durante apresentação feita no STF. No mesmo evento, o médico Dernival da Silva Brandão, que trabalha há 50 anos como obstetra, contrapôs o ministro, afirmando que as mulheres que abortam ficam com remorso.

Segundo Temporão, o diagnóstico da anencefalia é facilmente obtido por meio de exame de ultra-sonografia, que está disponível tanto na rede particular como na pública de saúde. Ele concordou que bebês com anencefalia não têm chances de sobreviver, como defenderam médicos que participaram da segunda audiência, na semana passada. Para o ministro, isso é “uma certeza médica e científica atestada pela Organização Mundial da Saúde”. “Há certeza absoluta de morte (dos fetos com anencefalia)”, completou.

Já Brandão disse que manter uma gravidez de feto com a anomalia “aumenta a dignidade da mãe”. “A mãe não pode ser chamada de caixão ambulante, como dizem por aí. Pelo contrário, ela tem sua dignidade aumentada por respeitar a vida do seu filho”, afirmou.

Relator da ação que tramita no Supremo para decidir se as mulheres têm direito ou não ao aborto de anencéfalos, o ministro Marco Aurélio Mello questionou o médico sobre ele tem convicção de que o sofrimento purificaria o ser humano. Brandão disse acreditar nisso. “Como podemos qualificar o valor da vida humana? O doente não é menos digno de viver”, disse o médico.

Temporão citou que quase todos os países democráticos do mundo autorizam a antecipação do parto em caso de anencefalia. Para ele, não há sentido manter gestações de fetos anencéfalos, quando a mãe não quer se submeter a uma gravidez que em 100% dos casos resultará em morte. Ele ressaltou ainda que, se a antecipação dos partos for permitida pelo STF, a mulher poderá escolher entre interromper a gestação ou ter o bebê.

O ministro fez questão de deixar claro que, ao contrário do que afirmam alguns setores, a anencefalia não é deficiência. “Deficiência que leva à morte minutos após nascer?”, indagou.

A socióloga e cientista política Jacqueline Pitanguy também defendeu que as mulheres tenham o direito de decidir se querem ou não manter a gravidez nesses casos. “O direito de escolha é um ato de proteção e solidariedade à dor e ao sofrimento das mulheres que vivenciam uma gravidez de feto anencéfalo, anomalia incompatível com a vida em 100% dos casos”, disse ela.

Contrária à interrupção da gravidez, a representante da Associação para o Desenvolvimento da Família (Adef), Ieda Therezinha Verreschi, defendeu que há vida humana no feto anencéfalo e, por isso, retirá-lo do útero antes do momento do parto seria “um retorno da sociedade à barbárie”. Para ela, há risco de se avaliar o ser humano pela sua eficiência. “Na intolerância diante do imperfeito perderíamos a capacidade de amar, o que diminui o ser humano.”

As duas primeiras audiências, realizadas na semana passada, também foram marcadas pelo debate entre os contrários e favoráveis ao aborto de anencéfalos, inclusive com divergências entre religiosos. Enquanto católicos, por exemplo, se colocaram contra, o representante da Igreja Universal do Reino de Deus se mostrou favorável ao direito de a mulher decidir.

O ministro Marco Aurélio Mello decidiu convocar uma nova audiência pública, para o próximo dia 16. A expectativa do Supremo é de que a ação seja julgada pelo plenário do tribunal até o final deste ano, possivelmente em novembro.

Fonte: Estadão

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