O que começou como escândalo local em Berlim se alastrou pela Alemanha. Tabu do abuso sexual por parte de padres desperta entre políticos e religiosos a reivindicação por maior esclarecimento sexual dentro da Igreja.
A Conferência dos Bispos da Alemanha acredita que o número de denúncias sobre casos de abuso sexual por parte de religiosos católicos venha a crescer no país. No entanto, a instituição alertou neste sábado (07/02) para a necessidade de avaliar a veracidade das denúncias, reagindo assim a relatos do semanário Der Spiegel, segundo os quais quase cem religiosos e funcionários leigos da Igreja Católica foram acusados de abuso nos últimos 15 anos na Alemanha.
De acordo com uma enquete divulgada pela revista, desde 1995 foram abertos 97 inquéritos contra padres e funcionários leigos de instituições católicas, todos acusados de abuso sexual.
Trinta pessoas foram condenadas. Em muitos casos, no entanto, os crimes só vieram à tona após sua prescrição. Atualmente, dez religiosos estariam sendo investigados por essa mesma razão.
O escândalo que se alastra pela Alemanha começou com a divulgação de denúncias contra a ordem dos jesuítas no final de janeiro. Desde então, aumentou para 30 o número de acusações por parte de ex-alunos da escola jesuíta berlinense Canisius-Kolleg, todos vítimas de abuso sexual durante os anos 1970 e 1980.
Apesar do escândalo, o secretário de Educação Fundamental e Média da cidade-estado de Berlim, Jürgen Zöllner (SPD), ainda não considera necessária a convocação de um encarregado especial para abuso sexual. “Esse âmbito é tão sensível que não pode ser regulamentado com formalidades ou com a nomeação de um encarregado”, justificou o secretário ao diário berlinense Tagesspiegel. O político social-democrata favorece, em vez disso, a indicação de interlocutores para cada escola, “pois a relação de confiança pessoal nesse contexto tem uma importância que não deve ser subestimada”.
Políticos verdes exigiram da Conferência dos Bispos da Alemanha medidas concretas para prevenir e esclarecer casos de abuso sexual dentro da Igreja. Importante também seria a Igreja pensar em como lidar com as vítimas, considerando a insuficiência de meras palavras amigáveis e expressões de arrependimento.
Teólogo pede psicólogos em seminários
Em reação ao escândalo envolvendo instituições católicas, a Conferência dos Bispos da Alemanha declarou que está cogitando mudanças na formação e no acompanhamento dos padres. “Precisamos nos perguntar se as diretrizes sobre o procedimento em caso de abuso sexual por parte de religiosos, criada em 2002, está sendo realmente posta em prática”, declarou o secretário da conferência, Hans Langendörfer, ao diário Frankfurter Rundschau.
A arquidiocese de Berlim comunicou que está cogitando criar uma comissão permanente encarregada de apurar denúncias de abuso sexual.
Após o escândalo, o teólogo pastoral católico Hanspeter Heinz exigiu mudanças estruturais na forma de a Igreja lidar com abuso sexual por parte de sacerdotes. Para ele, as diretrizes vigentes na Alemanha desde 2002 não são suficientes.
Embora cada diocese tenha nomeado um interlocutor para esses casos, Heinz lembra que as vítimas precisam de pessoas especializadas e independentes, a fim de superar o bloqueio do medo. Quase a metade das dioceses teria nomeado autoridades eclesiásticas para essa função, o que intimidaria as vítimas.
O teólogo também defende uma presença maior de psicólogos e de terapeutas nos seminários de formação sacerdotal. Heinz afirma que a vida celibatária atrai pessoas que não refletiram suficientemente sobre sua sexualidade ou querem esconder sua inclinação sexual. Essas pessoas se equivocam ao pensar que, como celibatários, não precisariam mais prestar contas de suas inclinações, diz o teólogo de 70 anos.
Vaticano criticado por fixação em moral sexual
Heinz também fez críticas drásticas ao Vaticano e a diversas autoridades eclesiásticas, condenado sua forma de lidar com o homossexualismo. Em importantes documentos recentes da Igreja católica, o homossexualismo é visto como uma doença e apontado como causa de abuso sexual infantil.
“Isso não corresponde de forma alguma aos conhecimentos científicos modernos”, alerta Heinz, segundo os quais a causa de abuso sexual seria a imaturidade psicossexual e a falta de reflexão sobre a própria sexualidade. “Isso se aplica tanto a homossexuais como a heterossexuais.”
Já o padre jesuíta Friedhelm Mennekes exigiu que se reflita sobre o papel do sacerdote. Todo padre corre o risco de “ser idealizado, até no âmbito erótico”, declarou ele ao Frankfurter Rundschau. Para Mannekes, os padres se encontram sob uma “pressão inacreditável”. Eles teriam que se conscientizar de que são pessoas totalmente comuns, com todos os erros, estados de espírito e tensões de uma pessoa normal. “A Igreja não merece mais confiança que outras instituições”, apontou ele.
O padre de 69 anos também acusou o Vaticano de “fixação” em sua moral sexual. A alta hierarquia em Roma bloqueia um tratamento aberto e livre dos problemas dentro da Igreja, acusou ele. O “sistema eclesiástico” não está em condições de conciliar uma personalidade eroticamente madura com um não maduro à sexualidade vivida, argumenta ele.
Após o escândalo de abuso sexual em escolas jesuítas na Alemanha, o Vaticano considerou “amplo” o pedido de desculpa da ordem na Alemanha, segundo um porta-voz. Por isso Roma não se posicionaria sobre o assunto, já que concorda com as declarações oficiais dos jesuítas alemães.
Segundo a imprensa alemã, o Vaticano apoia o esclarecimento dos casos de abuso, mas atribui a responsabilidade da apuração às autoridades católicas alemãs. Roma declarou “não dispor de informações especiais sobre incidentes como esses”, alegando ter obtido conhecimento do assunto através da imprensa.
Fonte: DW World