Pode estar nas mãos dos três ministros indicados por Lula e sabatinados na quarta (28/5) pelo Senado a decisão do processo que corre no STJ (Superior Tribunal Justiça) de reconhecimento da união civil homossexual sob a ótica do direito de família.
Os desembargadores Luís Felipe Salomão e Geraldo Og Niceas Marques e o procurador-geral de Justiça Mauro Luiz Campbell vão ser responsáveis por definir se a Justiça pode apreciar a questão sob a perspectiva do direito de família e não do Patrimonial.
Segundo o STJ, até hoje, todos os casos julgados referentes aos direitos dos homossexuais trataram do Direito Patrimonial. A questão em debate na Quarta Turma do STJ dispõe sobre o caso de um agrônomo brasileiro e um professor canadense que buscam a declaração de união estável para obter visto permanente no país.
O caso está empatado. Uma corrente, formada pelo relator, ministro Antônio de Pádua Ribeiro, e pelo ministro Massami Uyeda, entende só haver impossibilidade jurídica de um pedido quando houver expressa proibição legal. No Brasil, a legislação não traz nenhuma proibição ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, só se referindo a casais de sexo oposto.
A outra corrente expõe o pensamento dos ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior, para quem a Constituição é bem clara quando se refere ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar.
Jurisprudência
Várias questões patrimoniais —pensão, partilha de bens etc.— envolvendo casais homossexuais já integram a jurisprudência do Tribunal. O primeiro caso apreciado no STJ (Resp 148897) foi relatado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, hoje aposentado. Em 1998, o ministro decidiu que, em caso de separação de casal homossexual, o parceiro teria direito de receber metade do patrimônio obtido pelo esforço comum. Segundo o ministro, a decisão foi feita pelo ângulo da redistribuição societária patrimonial quando houve um esforço comum e reformou o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. “O tema ainda é muito controverso e há pouca legislação específica. O juiz se vê obrigado a enfrentar as questões que lhe são apresentadas e acabam inovando o ordenamento jurídico”, admitiu.
Para o magistrado aposentado, seria interessante que o Legislativo tratasse com mais atenção da questão. “O Legislativo tem uma certa reserva em discutir temas novos, que dependem de uma certa estratificação da população. Não há grande interesse na matéria pelas próprias polêmicas que a cercam”, comenta.
Também já foi reconhecido pela Sexta Turma do STJ o direito de o parceiro (Resp 395804) receber a pensão por morte do companheiro falecido. O entendimento, iniciado pelo ministro Hélio Quaglia Barbosa quando integrava aquele colegiado, é que o legislador, ao elaborar a Constituição Federal, não excluiu os relacionamentos homoafetivos da produção de efeitos no campo do direito previdenciário, que se trata, na verdade, de mera lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
Em uma decisão mais recente (Resp 773136), o ministro Humberto Gomes de Barros, atual presidente do STJ, negou um recurso da Caixa Econômica Federal que pretendia impedir que um homossexual colocasse seu companheiro como dependente no plano de saúde. O ministro considerou que o casal atendia as exigências básicas para a concessão do benefício, como uma relação estável de mais de sete anos e divisão de despesas.
“A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica”, destacou.
Para o ministro Gomes de Barros, o avanço da jurisprudência tem indicado uma maior tolerância e reconhecimento dos direitos do homossexual. “O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana”, completou.
O advogado e consultor jurídico do Grupo Estruturação, ONG de apoio a gays, lésbicas, travestis e transexuais do Distrito Federal, Ábiner Augusto Mendes, reconhece que houve grandes avanços na área patrimonial, mas ainda há grandes problemas no respeito aos homossexuais. “O reconhecimento da união homoafetiva como análoga à união estável ou de fato é positiva, mas não privilegia todos os aspectos”, comenta. Ábiner Augusto cita como exemplo os casos de homofobia associadas com violência física e verbal que continuam muito comuns.
Ele explica que, na maioria dos casos, tudo acaba sendo decidido em juizados especiais e apenas os casos mais graves de agressão chegam a ter um processo criminal. “O ideal seria haver uma lei contra a homofobia nos mesmos moldes da lei contra o racismo, isso garantiria que agressões verbais tivessem um tratamento criminal mais adequado”, comentou. O advogado conta que já há uma lei dessas em discussão no Senado Federal, já tendo sido aprovada na Câmara dos Deputados. Para mostrar a urgência da questão, Ábiner Augusto cita uma pesquisa do Grupo Estruturação em 2007 segundo a qual pelo menos 60% dos gays no Distrito Federal já sofreram algum tipo de agressão, seja física ou verbal.
Fonte: Última Instância