A ONG Brasil para Todos entrou com Representação na Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Ministério Público do Pará contra a “reverência do Judiciário à Virgem de Nazaré”. O argumento é o de que, como vivemos em um Estado laico, o Judiciário não poderia fazer comemorações religiosas.
A Representação foi protocolada, nesta segunda-feira (1º/10). O Tribunal de Justiça do Pará recebe, desde 28 de setembro, visitas da imagem peregrina da santa. Em cada local, uma missa é rezada.
O que acontece em Belém é o Círio de Nazaré — a festa religiosa e cultural mais importante da cidade. Tradicionalmente, a imagem é levada da Catedral de Belém à Basílica Santuário. No Judiciário, a imagem pára de circular na quinta-feira (4/10), em missa feita no TRF-1. Depois, segue para o Tribunal de Contas do Estado, Palácio do Governo, Assembléia Legislativa, Câmara de Vereadores, hospitais e universidades, todos órgãos públicos.
A ONG argumenta que poder público não pode estabelecer cultos religiosos, conforme o artigo 19 da Constituição Federal. Também afirma que o “direito à liberdade religiosa decorre a separação entre Igreja e Estado, sem o qual esse direito jamais é pleno.” Segundo a ONG, no Brasil, a separação foi efetivada em 1890 e consagrada em todas as nossas constituições a partir de 1891. Desde então, a bandeira brasileira não ostenta mais qualquer símbolo religioso.
“Ora, poucos eventos podem imiscuir de forma tão clara o Estado com a Igreja do que a promoção pelo Estado de ações que são típicas da Igreja, que à Igreja interessam, e que à Igreja dizem respeito. Promover eventos religiosos certamente não é mais política de Estado, e não é ação lícita para o Judiciário”, sustenta a entidade.
“Os membros do poder público têm direito certo de pôr em prática suas crenças, mas as atividades religiosas e de veneração pertencem à vida privada dos cidadãos, não à sua atuação como magistrados, juízes e demais servidores públicos. O Estado e suas repartições estão acima de convicções particulares e pertencem a todos. É fácil entender que seria errado promover eventos de caráter político partidário nas repartições públicas do Judiciário porque o Estado existe para homens e mulheres de todos os partidos, independentemente de quem foi designado para cada cargo, e tais eventos poriam em suspeição a fundamental isenção do judiciário”, concluiu a ONG.
Polêmica antiga
A ONG atua para impedir que órgãos públicos ostentem símbolos religiosos. A entidade já enviou representações ao Ministério Público e petições ao Conselho Nacional de Justiça pedindo a remoção de 13 símbolos religiosos presentes em tribunais e plenários de câmaras legislativas municipais e estaduais. Entre eles, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o TJ de Santa Catarina, do Ceará e o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Ainda existem símbolos religiosos no Supremo Tribunal Federal, no gabinete da presidência no Palácio do Planalto, no Plenário do Senado e da Câmara dos Deputados e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sempre que surge uma Representação, como a da ONG, instala-se a polêmica. Em outubro de 2005, foi apresentada pelo juiz Roberto Arriada Lorea proposta para retirar crucifixos das salas de audiência e julgamento. O juiz argumentou que a presença do crucifixo causa constrangimento aos seguidores de outras religiões.
Em um congresso de juízes estaduais no Rio Grande do Sul, foi decidido que os crucifixos poderiam continuar adornando as paredes das salas de audiências gaúchas. A decisão foi apertada: 25 votos pela manutenção e 24 contra.
Na ocasião, os juízes entenderam que a ostentação do crucifixo “está em consonância com a fé da grande maioria da população brasileira” e que “não há registro de usuário da Justiça que tenha acusado constrangimento em razão da presença do símbolo religioso em uma sala de audiência”.
De maneira geral, juízes podem optar livremente pela permanência de crucifixos nas paredes de suas salas de audiência. No Supremo Tribunal Federal, dois ministros já se manifestaram contra a manutenção do crucifixo localizado no plenário: Celso de Mello e Marco Aurélio.
Embora manifestem respeito à Igreja Católica, os dois ministros entendem que, desde que Igreja e Estado se separaram, não faz sentido projetar a idéia de que um tribunal que se pretende neutro em relação aos movimentos e manifestações sociais do país projete a noção de que se subordina a algum deles.
No mês de maio desse ano, o Conselho Nacional de Justiça afirmou que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Para a advogada Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, professora de Direito Constitucional e mestre em Direito e Estado pela USP, manter símbolos religiosos nas salas de Tribunais da Justiça, “colocam em preocupante situação de lesividade a separação Estado-Igreja”. De acordo com a advogada, o Estado não pode produzir qualquer promoção religiosa, simplesmente porque não lhe cabe esse papel. “Não se enquadra às funções das autoridades estatais a propagação de doutrinas e dogmas ou o desempenho do papel de ‘garoto propaganda’ ou de líder espiritual de seus cidadãos”, afirma.
Fonte: Consultor Jurídico