No Líbano, os cristãos não escondem que estão divididos. Uma parte ressalta o papel de Israel na extensão do atual conflito e a importância do Hezbollah como uma força de resistência. A outra argumenta que o pior inimigo é a Síria e demonstra temer a criação de uma república islâmica no Líbano.
“A culpa do Hezbollah é de três centímetros. Já a de Israel tem 3 mil quilômetros”, diz o médico Mounir Rahmé, debaixo do caramanchão de seu jardim depois de dar as últimas ordens aos pedreiros que reformam o pátio de sua casa de veraneio na cidade de Hrajel, na região cristã de Monte Líbano.
Horas antes, a alguns quilômetros dali, em Baabdat, também nas montanhas, o general reformado do Exército Kamal Karam perguntou: “Por que a Síria, que está por trás do Hezbollah e teve as Colinas do Golan invadidas por Israel, não mexe um dedo para entrar nessa guerra?”
Até agora nenhuma pesquisa de opinião tentou medir o tamanho de cada grupo.
Na verdade, a divisão dos cristãos já vem de antes do início da guerra. As Forças Libanesas, com cinco deputados, estão ao lado do grupo da família Hariri, que é sunita. Já o general Michel Aoun, líder cristão histórico com 14 deputados e o apoio de outros 7 independentes, decidiu se juntar ao bloco dos xiitas, composto pelo Hezbollah e a Amal.
Nos últimos dias, Aoun tem tentado deixar claro que não foi consultado nem aprovou a decisão do Hezbollah de capturar soldados israelenses, o que acabou sendo o estopim do atual conflito.
“Desconfio que o grupo majoritário entre os cristãos é o que critica a ação do Hezbollah. É difícil saber se o general Aoun será punido nas urnas por ter se aproximado dos xiitas”, diz Boutros Labaki, presidente do Instituto para o Desenvolvimento Econômico e Social Libanês.
Os xiitas foram unificados por Hezbollah e Amal na base da força. No sul, durante a ocupação israelense, o Hezbollah acabou com as outras facções que faziam parte da resistência, como a dos comunistas. Os sunitas, nos últimos anos, caíram sob a influência da família Hariri.
O único grande grupo libanês a se manter dividido é o cristão. “A educação cristã no Líbano tem forte influência européia. Por isso, discordar e respeitar as diferenças é mais comum entre esse grupo religioso”, diz Labaki.
Nos últimos meses, a comunidade cristã se sentiu, pelo menos uma vez, ameaçada pelos xiitas, que são cerca de 40% da população e a base de apoio do Hezbollah.
No começo de fevereiro, milhares de xiitas invadiram o bairro cristão de Beirute onde está o consulado da Dinamarca. Antes de atacar o prédio para protestar contra a publicação das charges do profeta Maomé, incendiaram carros, atacaram uma igreja cristã maronita e brigaram com jovens cristãos, o que trouxe de volta lembranças da guerra civil.
“Eles querem fundar uma república fundamentalista”, diz Karam, o general reformado.
Há várias décadas o Líbano não faz um censo com classificação por religião justamente para evitar problemas. Estima-se que os cristãos sejam por volta de 30% da população, ou cerca de 1,4 milhão de pessoas. No começo do século 20, já foram mais da metade. Com a guerra civil, muitos emigraram e os que ficaram perderam a corrida da taxa de natalidade, muito maior entre os xiitas.
Ainda assim, o Líbano continua sendo o país árabe com a maior proporção de cristãos. Eles são, na sua maioria, católicos das igrejas orientais e, assim como os xiitas, sunitas e drusos, levam vidas segregadas para os padrões brasileiros. Moram em bairros cristãos, estudam em escolas cristãs e casam entre si.
Bush e Blair propõem força de paz
O presidente dos EUA, George W. Bush, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, chegaram a um acordo ontem para propor à ONU o envio de uma força multinacional ao sul do Líbano, como parte de um conjunto de medidas para pôr fim ao conflito entre Israel e o grupo xiita Hezbollah. Ontem a guerra completou 17 dias. A proposta consiste no retorno, hoje, da secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, ao Oriente Médio; reuniões na ONU, a partir de segunda-feira, para discutir a formação de uma força multinacional para envio ao sul do Líbano; e apresentação de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU, no fim da próxima semana, definindo os termos para o fim das hostilidades.
Condoleezza se reunirá com o governo israelense e o libanês (do qual o Hezbollah faz parte). Sua missão será buscar um acordo para o texto da resolução que EUA e Grã-Bretanha pretendem propor, com base num capítulo da Carta da ONU que prevê sanções ou uso da força se não for cumprida.
Ao lhe perguntarem se a força de paz iria “impor” ou “policiar” o cessar-fogo, Blair admitiu que a propsota só funcionará se o Hezbollah o aceitar. “O Hezbollah tem de avaliar. Se forem contra, não estarão só prestando um desserviço ao povo do Líbano, mas novamente ficarão diante do fato de que uma ação terá de ser tomada contra eles”, respondeu Blair. Ficou claro mais uma vez que Blair e Bush endossam a posição de Israel e não pressionarão por um cessar-fogo incondicional, como defendem líderes europeus e árabes. Seu objetivo principal é fazer com que o Exército libanês passe a patrulhar o sul, fronteira com Israel – hoje controlado pelo Hezbollah -, e que o grupo seja desarmado, conforme resolução do Conselho de Segurança de 2004.
O Washington Post observou que a proposta não responde às perguntas “como fazer isso, quando e com que tropas estrangeiras”. Além disso, Israel insiste que só porá fim aos bombardeios e a seu plano de criar uma zona de segurança no sul do Líbano se o Hezbollah libertar os dois soldados israelenses que capturou no dia 12, recuar da fronteira e for desarmado.
Já o Hezbollah – que deu origem ao conflito ao invadir Israel e capturar os dois militares – é taxativo: só vai soltá-los se os israelenses libertarem os libaneses capturados em 18 anos de ocupação no Líbano (encerrada em 2000). Diplomatas europeus avaliam que é mínima a perspectiva de trégua próxima.
Condoleezza no Líbano
O Hezbollah aceitou na semana passada que o governo do país negocie a questão. Ontem o gabinete libanês se reuniu para definir um pacote de propostas a ser entregue a Condoleezza. Segundo funcionários, o Hezbollah aceitou uma força de paz no sul e a promessa de desarmar-se no futuro. Mas o pacote também incluiria trégua imediata, troca de prisioneiros com Israel e retirada israelense de Fazendas de Shebaa, pequena área síria cedida ao Líbano e ocupada por Israel desde 1967.
Blair e Bush disseram que qualquer plano de paz duradouro tem de contemplar “antigas disputas regionais” e seu objetivo é aproveitar a oportunidad para uma mudança ampla na região. Eles voltaram a acusar a Síria e o Irã de patrocinar o terrorismo internacional. “Minha mensagem para a Síria é: torne-se um participante ativo pela paz na vizinhança.”
ONU pede trégua para envio de ajuda humanitária no Líbano. Israel nega
A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu uma trégua de três dias entre Israel e o Hezbollah para levar ajuda humanitária e remoção de feridos.
O coordenador de ajuda humanitária da ONU, Jan Egeland, disse que crianças, idosos e mulheres estão indefesos depois de duas semanas de combate no sul do país, ao completar uma visita ao Líbano, Israel e à Faixa de Gaza.
Egeland afirmou que um terço das 600 pessoas mortas pelos ataques israelense sao Líbano são crianças.
“É uma coisa horrível. Há algo fundamentalmente errado com uma guerra onde morrem mais crianças do que homens armados”, disse Egeland.
O coordenador da Onu pediu que os dois lados cessassem as agressões por pelo menos “72 horas para que seja possível a evacuação de mulheres, crianças, feridos e idosos” do sul do Líbano.
Segundo Egeland, os atuais corredores por onde passa a ajuda humanitária não são suficientes para atender as imensas necessidades dos atingidos pelo conflito,
Mark Malloch-Brown, vice-secretário-geral das Nações Unidas, disse que a ONU não se sente impotente depois que quatro observadores da entidade foram mortos por um bombardeio israelense, mas sim “preocupada e frustrada”.
Segundo o governo israelense, não há necessidade para uma trégua, pois o Exército israelense já mantém um corredor aberto para a passagem de ajuda humanitária.
Ele disse que o Hezbollah é que estava criando problemas para a passagem dos medicamentos e alimentos para criar uma crise humanitária – e depois culpar Israel.
Envio de tropas
O presidente americano, George W. Bush, voltou a repudiar novos pedidos por uma trégua, argumentando que uma força de paz internacional deveria ser enviada para a região.
A secretária de estado americana, Condoleezza Rice, está voltando ao Oriente Médio neste sábado, para se encontrar com líderes de países da região.
Bush disse que a secretária de estado “trabalharia com os líderes de Israel e Líbano para chegar a uma solução que traga a paz de maneira definitiva”.
O presidente americano disse que seu país e a Grã-Bretanha pressionariam por uma “resolução que delimitasse claramente as condições de um cessar-fogo imediato e o envio de uma força internacional”.
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que se encontrou com Bush em Washington nesta sexta-feira, disse que o envio de tropas à região seria discutido em um encontro nas Nações Unidas, na próxima segunda-feira.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que os países em condições de enviar tropas à região tomariam parte no encontro.
“Por hora, são discussões preliminares, porque nós não temos uma determinação do Conselho de Segurança”, afirmou Annan.
Ataques continuam
O chefe do Exército israelense, Dan Halutz, afirmou que Israel matou 26 militantes do Hezbollah em Bint Jbeil, causando “enormes perdas” para o grupo radical xiita.
Pelo menos dez civis, incluindo um jordaniano, morreram durante os ataques israelenses ao sul do Líbano nesta sexta-feira.
Em Rmeish, cidade próxima à fronteira com Israel, um comboio que evacuava civis foi atingido por um ataque, ferindo dois passageiros do carro de uma estação de TV alemã.
Relatos de refugiados da cidade dão conta de que a situação em Rmeish está se deteriorando rapidamente.
Fonte: Estadão e BBC Brasil