Discurso é recebido como aproximação a setores conservadores da igreja. Pontífice vinha sendo acusado de privilegiar causas sociais em detrimento da doutrina tradicional católica.

O papa Francisco fez ontem sua declaração mais dura até agora contra a prática do aborto, na mensagem de início de ano aos diplomatas que servem de embaixadores de seus países no Vaticano.

O pontífice disse que “causa horror o simples pensamento de que existam crianças que jamais poderão ver a luz do dia, vítimas do aborto” e do que descreveu como uma “cultura do descarte”.

“Infelizmente, objetos de descarte não são apenas os alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres humanos”, afirmou Francisco.

A mensagem reafirma seu compromisso com a doutrina tradicional católica sobre questões de bioética e moralidade sexual, embora ele tivesse criticado o excesso de ênfase sobre esses temas por parte da igreja.

Para os setores mais conservadores, o aborto tem sido o calcanhar de aquiles de Francisco, em especial quando comparado a João Paulo 2º, que transformou a luta contra a prática num dos grandes temas de seu pontificado. Até mesmo um bispo, o americano Thomas Tobin, o criticou por não abordar diretamente a questão.

Os católicos conservadores se mostraram descontentes em outros aspectos, como a relutância de Francisco em se referir a si mesmo como papa (preferia “bispo de Roma”) e a criação de restrições à celebração da missa em latim.

Também chocou certas alas da igreja ao dizer que “Deus não é católico” e a dar a entender que, ao menos em certos casos, católicos divorciados poderiam voltar a receber a comunhão.

Nos últimos meses, porém, o papa tem reafirmado os ensinamentos tradicionais. A Congregação para a Doutrina da Fé, órgão máximo do Vaticano nessa área, declarou que não havia mudanças no horizonte para católicos divorciados.

Além disso, em seu principal documento doutrinário até agora, a exortação apostólica “Evangelii Gaudium” (alegria do Evangelho), divulgada em novembro, Francisco afirmou que “a defesa da vida por nascer está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano”.

[b]DIREITOS HUMANOS
[/b]
A questão dos direitos humanos talvez seja a chave para entender a mudança de ênfase do magistério do papa.

Quando apontou a “obsessão” do catolicismo com as questões de moral sexual e pediu um olhar mais focado nas questões sociais, Francisco não estaria negando a doutrina tradicional, mas apresentando todas as mazelas da “cultura do descarte”.

De fato, a menção ao “horror” do aborto é apenas uma frase em meio a um parágrafo do discurso no qual Francisco também chama a atenção dos diplomatas para as crianças que passam fome, são forçadas a se tornarem soldados, morrem em conflitos ou são vítimas do tráfico internacional de pessoas.

No discurso de ontem, outro tema que interessa diretamente à igreja foi lembrado: a liberdade de culto. O papa tem ressaltado os “mártires modernos” –cristãos perseguidos e mortos por sua crença na África e na Ásia, principalmente.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

Comentários