As religiões precisam ampliar sua participação no debate político para ajudar o país a sair da crise. Mas é preciso que façam uma autocrítica para evitar que os discursos sejam apropriados para fins eleitorais antiéticos. A afirmação é do reverendo Davi Charles Gomes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, feita no debate “O Papel das Religiões na Crise do Brasil”, promovido pela Folha de São Paulo nesta terça (29), no teatro Eva Herz.
Para os religiosos, a crise política brasileira tem origem na ausência de limites éticos. Por isso, as instituições religiosas deveriam agir para promover um resgate dos princípios morais.
A mesa-redonda reuniu, além do reverendo, o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, o xeque Houssam el Boustani, do Instituto Futuro da Comunidade Muçulmana, e o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista. A conversa foi mediada por Reinaldo José Lopes, da Folha.
“Omitir-se da participação na política é um grande equívoco e até um pecado, porque faltamos com nosso dever”, disse o cardeal Scherer.
ESTADO LAICO
Para ele, é importante que essa participação não seja uma interferência direta, pois seria um retrocesso ferir a laicidade do Estado.
“Existem franjas na Igreja Católica que gostariam que a igreja assumisse o poder civil, o poder maior, mas esse não é o entendimento da instituição”, disse.
O xeque el Boustani apontou que o islã tem pleno respeito pela decisão do povo. “O mundo está avançando. Isso não deve afastar a participação dos nossos religiosos”, disse.
Para o rabino Schlesinger, é preciso conciliar um Estado laico, que foi “uma conquista preciosa”, com a ampliação da participação das instituições no debate político atual.
“Não deveríamos ser chamados para o debate somente quando o assunto é eutanásia, aborto ou células-tronco. Nós, religiosos, temos não só o direito, mas o dever de participar do debate”, disse. “Precisamos fazer com que nossas vozes sejam ouvidas também no campo da ética.”
Durante a mesa, a plateia perguntou sobre políticos que utilizam discursos religiosos como o ex-deputado Eduardo Cunha, preso desde outubro do ano passado pela Lava Jato.
Segundo o reverendo Gomes, Cunha é um exemplo de como a mistura entre igreja e Estado pode ter um impacto negativo na sociedade. “Se o uso da religião é uma deturpação da própria religião, da ética, ele precisa ser denunciado”.
Fonte: Folha de São Paulo