Em um interrogatório de três horas, o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) Fernando Aparecido da Silva negou ontem envolvimento no homicídio do adolescente Lucas Terra. Ele chamou de “mentiroso” o ex-pastor Sílvio Roberto Galiza – já condenado pelo crime –, que o acusou de participação no assassinato ocorrido em 21 de março de 2001.
Contudo, o promotor Davi Gallo Barouh apontou contradições no depoimento do acusado ao juiz Vilebaldo Freitas, titular da 2ª Vara do Júri, no Salão do Júri do Fórum Ruy Barbosa (Nazaré). Uma acareação entre os dois está marcada para terça-feira.
Os advogados de defesa de Aparecido devem impetrar hoje um pedido de habeas-corpus no Tribunal de Justiça do estado. Preso no último sábado, em Jaboatão dos Guararapes (PE), o pastor regional da instituição religiosa (em juízo, ele negou ser bispo) na cidade pernambucana continua detido na carceragem da Polinter, no bairro da Piedade.
A prometida acareação entre Galiza e Aparecido será na próxima terça, a partir das 9h no Fórum Ruy Barbosa. Antes disso, o ex-pastor, que cumpre pena de 15 anos na Penitenciária Lemos Brito, prestará novo depoimento amanhã ao magistrado. A depender da extensão do interrogatório, outras testemunhas de acusação também poderão ser ouvidas.
“Sou inocente. Este Galiza é um mentiroso. Ele tem algum problema mental. Peço à Justiça que o submeta a um exame psiquiátrico”, disse Fernando Aparecido, após o interrogatório. Durante suas falas, ele questionou o fato de um auxiliar de pastor identificado como Luciano Miranda não ter sido investigado pela polícia. Ele teria estado com Lucas e Galiza na noite do crime.
Fernando negou também que tivesse relações íntimas com Lucas Terra, que diz ter conhecido num templo da Universal no bairro de Copacabana, no ano de 1999. Declarou ainda nunca ter prometido uma gravata à vítima (o que na Iurd significa uma gradação a obreiro). “Nunca saí com ele. Nosso contato era restrito à igreja e só tomei conhecimento de sua morte através da mídia”. Ele afirma ter mudado de Salvador por força do sistema de rodízio imposto aos pastores.
O pastor Fernando é casado e tem uma filha de 6 anos. Declarou que mora no Recife, mas trabalha em duas emissoras de televisão e uma rádio em Jaboatão dos Guararapes, município distante 18km da capital de Pernambuco. Seus rendimentos são de R$2.003. Ele afirmou que não tinha condições de arcar com viagens a Salvador para responder ao inquérito na capital baiana. Essa situação mudaria com o fato de a direção da Iurd ter concordado em arcar com as despesas, além da contratação da defesa. “Eu já tinha comprado as passagens aéreas com as datas anteriores às audiência marcadas”, tentou se justificar.
Interferência – Pouco após Davi Gallo iniciar sua série de questionamentos a Fernando, o advogado do ex-pastor Sílvio Galiza, Sérgio Habib, interrompeu o promotor por considerar sua conduta indevida. “Sua postura estava equivocada. Ele (David Gallo) estava reiterando as perguntas feitas pelo magistrado”, disse Habib.
A interferência causou espécie e foi criticada tanto pelo promotor quanto pela defesa de Fernando Aparecido. “Em 30 anos de atuação, eu nunca vi uma coisa desta acontecer num tribunal”, afirmou o advogado do pastor, Mário de Oliveira Filho. “A atitude dele foi inconveniente e antiética”, complementou Gallo. Como não representava nenhuma das duas partes, Habib foi proibido pelo juiz Vilebaldo Freitas de se manifestar durante o interrogatório.
Após o incidente, o depoimento seguiu com o acusado a insistir nas suas negativas. Mas o promotor David Gallo diz ter encontrado diversas contradições no depoimento do pastor. Uma delas seria o fato de ele ter “defendido” Galiza em seus depoimentos à polícia e agora tê-lo chamado de “maluco”. “Se antes eu já sabia que ele estava envolvido, com o interrogatório de hoje eu tenho completa certeza”.
Já o defensor Mário Filho considerou o depoimento do seu cliente satisfatório e reafirmou que a detenção foi arbitrária. Ele declara que o religioso tinha endereço de trabalho e residencial conhecidos pela Justiça, o que não justificaria sua prisão preventiva.
O outro pastor apontado por Galiza de participar da morte de Lucas Terra, Joel Miranda, continua foragido. As buscas continuam no estado do Rio de Janeiro, principalmente na região de Cabo Frio, onde o acusado mantinha endereço. No Rio, a diligência está sendo coordenada pelo diretor do Comando de Operações Especiais da Polícia Civil (COE), Jardel Perez.
Pai do adolescente acusa segurança
Após o interrogatório, o pai de Lucas, Carlos Terra, afirmou já saber quem é o quarto envolvido no assassinato do filho. Ele revelou ter certeza que é um dos seguranças do pastor Fernando Aparecido da Silva à época do crime. “O que eu quero é apenas justiça. Desde a morte de Lucas até o início deste interrogatório, se passaram 2.622 dias e 62.928 horas. Eu só vou parar quando todos os responsáveis pela sua morte forem condenados”.
O promotor do caso, David Gallo, também declarou ter conhecimento sobre o suposto quarto elemento que teria participado na ocultação e desova do cadáver. Disse apenas que não se trata do auxiliar de pastor Luciano Miranda, cujo nome foi citado na audiência de ontem. “Nós vamos fazer diligência para tentar arrolar este Luciano como testemunha”.
Galiza pode ir para regime semi-aberto
O ex-pastor Sílvio Galiza compareceu ontem ao Fórum Ruy Barbosa, mas como não teve acareação, não foi ouvido. No final do ano, segundo seus advogados, ele terá direito à progressão de pena e poderá cumprir em regime semi-aberto. “Após a conclusão da situação dos outros dois acusados, nós entraremos na Justiça com o pedido de revisão criminal para que também sua pena seja reduzida”, afirma o advogado Sérgio Habib.
Galiza foi julgado em junho de 2004 e condenado a 23 anos e cinco meses de prisão em regime fechado. Em agosto do ano seguinte, o julgamento e a condenação foram anulados, mas três meses depois, Galiza voltou a júri e foi condenado a 18 anos.
Pouco depois, o ex-pastor conseguiu, junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, reduzir sua pena de 18 para 15 anos. O Ministério Público Estadual tenta reverter a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. O mérito será julgado pelo ministro Paulo Gallotti.
Relembre o caso
21 de março de 2001 – De acordo com os autos do processo que tramita na 2ª Vara do Júri, Lucas Terra, então com 14 anos, sofreu abuso sexual e foi estrangulado no templo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) no Rio Vermelho. Imaginando que o garoto estivesse morto, os criminosos incendiaram o corpo em um terreno baldio às margens da Avenida Vasco da Gama. O cadáver só foi identificado 12 dias depois.
Junho de 2004 – Após o caso ganhar repercussão internacional, o pastor auxiliar da Iurd, Sílvio Roberto Galiza, é condenado a 23 anos e cinco meses de prisão. Segundo testemunhas, ele sentia uma atração pela vítima. No ano seguinte, em um novo julgamento, sua pena foi reduzida para 18 anos. Pouco depois, um recurso no Tribunal de Justiça do Estado reduz novamente a condenação para 15 anos.
Março de 2006 – Galiza passa a acusar os pastores Fernando Aparecido e Joel Miranda. Segundo seu novo relato, ele teria encontrado a vítima momentos antes da morte, no templo de Santa Cruz, de onde teriam seguido de ônibus para o bairro do Rio Vermelho, sede da igreja à qual estava ligado. Lucas teria descido num outro ponto, alegando que iria à Iurd da Pituba. Momentos após ter chegado ao templo, ele se surpreendeu com a chegada de Fernando acompanhado de Lucas. O religioso teria pedido a Galiza para que levasse o adolescente para fazer um lanche numa loja de conveniência no Largo da Mariquita, momento em que a vítima ligou para o pai avisando que demoraria. Após levá-lo pela segunda vez ao encontro do pastor, o adolescente teria deixado a igreja no carro de Fernando, não mais sendo visto.
Maio 2008 – Por três vezes, Fernando Aparecido e Joel Miranda não comparecem ao Fórum Ruy Barbosa, para a sessão de acareação com Sílvio Galizza, sob alegação de que não tinham condições financeiras para arcar com os custos da viagem a Salvador. A prisão preventiva dos dois é decretada.
Fonte: Aqui Salvador