Governo estabelece renda mensal de R$ 70 como limite para definir pobreza extrema e orientar ações sociais.

O governo federal elegeu como alvo de seu plano de combate à miséria os 16,2 milhões de brasileiros que vivem com renda mensal de até R$ 70, um universo menor do que a presidente Dilma Rousseff indicou na campanha eleitoral do ano passado que poderia ajudar.

Dilma vai anunciar em breve ações para cumprir a promessa de erradicar a miséria até o fim de seu mandato, em 2014. Ao estabelecer os R$ 70 como a linha de extrema pobreza do país, ela definiu o alvo prioritário das medidas do governo.

Quando falou em combater a miséria durante a campanha, Dilma mencionou um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que sugeria a possibilidade de acabar com a pobreza extrema até 2016.

O estudo considerava miseráveis pessoas com renda mensal de até um quarto do salário mínimo, o que hoje equivaleria a R$ 136, e projetava uma fatia maior do que os 16,2 milhões de brasileiros nessa faixa de renda.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, que coordena o plano a ser anunciado pela presidente, o limite de R$ 70 poderá ser revisto até 2014 e foi definido com base em três parâmetros.

Primeiro, esse valor de R$ 70 já é usado para definir miséria no Bolsa Família. Segundo, ele é próximo da linha de pobreza extrema proposta pelo Banco Mundial de US$ 1,25 por dia.

O governo também levou em consideração o custo da alimentação em diferentes regiões do Brasil.

A pesquisadora Lena Lavinas, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio) e estudiosa do assunto, afirmou que a linha de pobreza anunciada ontem é, de certa forma, menor do que a do Bolsa Família, porque não leva em conta a inflação acumulada desde quando o governo decidiu usar o valor de R$ 70 no atual programa de transferência de renda.

“O valor nominal é o mesmo, mas o real é menor”, disse a pesquisadora. “Se fosse só para reajustar, seria de no mínimo R$ 75.”

[b]”DEFENSÁVEL”
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Sergei Soares, do próprio Ipea, disse ontem que a linha do governo é defensável, dentre outros motivos, por criar um critério oficial para a definição de miséria.

“Graças a Deus que o governo estabeleceu uma [linha]. Antes, era a lei da selva. Só no Ipea eram cinco ou seis [valores]”, afirmou.

O ministério disse que os cerca de 16,2 milhões de pessoas concentram-se no Nordeste e Norte. A informação foi obtida após cruzamento de dados do Censo de 2010. A pasta afirmou que críticas são normais e defendeu os critérios usados.

[b]Desigualdade é a menor em 50 anos, diz estudo[/b]

A melhoria na renda dos mais pobres verificada na década passada fez com que o Brasil retornasse em 2010 ao mesmo nível de desigualdade registrado em 1960. A conclusão é de um estudo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, divulgado ontem.

Programas de transferência de renda contribuíram para a queda da desigualdade nos últimos dez anos, mas, na análise de Neri, é a melhoria no acesso à educação o principal fator a explicar essa redução.

Olhando para os extremos, o economista verificou que, entre os 20% mais ricos da população, a escolaridade aumentou 8,1% e a renda cresceu 8,9%. No recorte dos 20% mais pobres, a escolaridade aumentou 55,6%, e foi acompanhada de um aumento de renda de 49,5%.

No entanto, como há mais brasileiros completando o nível médio ou o superior, o diferencial de salários daqueles que chegam ao topo educacional tende a ser menor.

A renda média desse grupo mais escolarizado caiu de R$ 2.743 em 2001 para R$ 2.262 em 2009. Isso porque, hoje, há mais gente que chega ao ensino superior. Em 2001, esse contingente era 11% da população; em 2009, chegou a 15%.

Neri explica que o fato de haver mais pessoas disputando uma vaga acaba reduzindo a renda do grupo.

Para ele, o Brasil está se tornando um país mais normal em termos de desigualdade, mas as diferenças ainda são grandes.

“A desigualdade verificada na década de 60 já era muito alta. Nós fizemos uma revolução de 360 graus, voltando ao mesmo ponto.”
Usando o índice de Gini -que mede a desigualdade numa escala de zero a um, sendo um o pior nível de concentração de riqueza, Neri calculou que, para 2010, o patamar do Brasil era de 0,530. Em 1960, estava em 0,537. O maior valor da série foi em 1990: 0,609.

Apesar da queda, um índice próximo de 0,5 ainda é, em comparações internacionais, ruim. O Japão, país rico menos desigual do mundo, tem índice de 0,249. A Namíbia, nação mais desigual do mundo segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 da ONU, tem Gini de 0,743.

[b]AJUSTES[/b]

Para comparar a desigualdade entre 1960 e 2010, Neri teve que fazer ajustes e lidar com algumas limitações. A principal é que, para 2010, há apenas dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, que é restrita às regiões metropolitanas.

Mas ele afirma que, em geral, as oscilações registradas primeiro pela PME têm sido, em geral, confirmadas depois por pesquisas de abrangência nacional.

“A PME trabalha apenas com regiões metropolitanas, e sabemos que essas áreas estão tendo recentemente desempenho econômico pior do que o resto do Brasil. A queda na desigualdade foi, provavelmente, maior.”

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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