A quebra de confiança decorrente de um crime não afeta apenas o responsável pelo ato, mas também a organização que ele representa, se esse for o caso. Isso porque algumas instituições, por exemplo as religiosas, têm das pessoas uma expectativa de pureza e auxílio espiritual.
[img align=left width=300]http://campos24horas.com.br/portal/wp-content/uploads/2017/03/Viol%C3%AAncia-contra-Mulher.jpg[/img]Assim entendeu o juiz Océlio Nobre da Silva, da 1ª Vara Cível de Guaraí (TO), ao obrigar uma igreja evangélica a indenizar uma fiel em R$ 300 mil por ela ter sido estuprada por um auxiliar de pastor. O processo foi movido pela mãe da menina depois que ela fugiu com o agressor por acreditar que os dois teriam um relacionamento amoroso.
Mas isso não aconteceu. Ele fez sexo com ela a partir dessa promessa e, depois do ato, não cumpriu com o combinado, fazendo com que a vítima voltasse para casa. A igreja evangélica alegou na ação que não poderia ser responsabilizada pelo ato do auxiliar porque ele não era diretamente ligado à instituição, sendo um fiel com intenções de se tornar pastor.
Porém, o juiz disse na decisão que a estrutura da entidade religiosa mostrava o posto do agressor como uma espécie de período probatório para que se tornasse um pregador daquela fé. Para o magistrado, a ré mentiu ao usar esse argumento.
“Apesar de admitir que [o agressor] é um auxiliar de pastor, a ré tentou dar-lhe a definição de obreiro, ou seja, usando o conceito de um cargo para definir outro. Uma coisa é o pastor auxiliar e, outra, o obreiro. Assim, o autor do ilícito era um pastor auxiliar a que foi chamado, dentro deste processo, de auxiliar de pastor.”
Ele destacou que, além da questão puramente institucional, incide no caso a visão que a sociedade tinha do agressor, ou seja, de auxiliar daquele que pregava a fé defendida pela instituição. “É certo que, aquele que auxilia o Pastor não desfruta, no plano jurídico, da mesma autoridade, hierarquia e status , mas aos olhos do leigo a conclusão é outra.”
“O prestígio e a respeitabilidade social, aos olhos do leigo, de forma consciente ou não, é inevitavelmente compartilhada entre o Pastor e seu Auxiliar, como o é em relação à esposa do Pastor, aos filhos etc. O auxiliar é um homem que desfruta de prestígio dentro da Igreja, exatamente por ser ele o homem próximo ao líder religioso, desfrutando de uma carga maior de confiança em relação aos demais, tudo por projeção da estrutura organizacional da igreja a que serve”, detalhou.
O magistrado também destacou que a igreja não contribuiu, em momento algum, para esclarecer o caso e encontrar a menina, limitando-se a a sugerir e fazer orações para que a vítima voltasse sã e salva. “Se tinha o poder de trazer de volta a criança, através da oração, não o tinha para manter seus membros no caminho do bem? Coisa estranha!”
De acordo com o magistrado, a igreja deve ser condenada pela frustração da confiança gerada pelo caso. Ele explicou que essa quebra de cumplicidade entre o fiel e a instituição também é definida por vários dispositivos legais, por exemplo, o Código Penal ao impor agrantes em homicídios, furtos e apropriação indébita. Também citou o Código Civil, destacando que “a confiança é protegida através dos institutos da surressio, supressio, proibicao do venire contra factum proprio”.
Apesar de destacar que a igreja, em momento algum, compactuou com o ato do agressor, o julgador ponderou que foi por meio da instituição que o fato ocorreu, por meio de contatos prolongados entre vítima e agressor que resultaram em relações mais íntimas. “Quando o pai da vítima entregou sua filha para educação religosa foi à Igreja que entregou, não ao pastor ou seu auxiliar. A confiança depositada não era no homem, mas na igreja, no sereno ambiente divino que iniciaria sua filha nos caminhos do Pai.”
Segundo o relator, agrava a situação a violação de confiança da família da vítima e sociedade, que acredita na lisura das relações entre a igreja e fiéis. Ao condenar a instituição, ele explicou que, além do estupro, que é crime hediondo, “pois rouba da mulher o que há de mais seu, a sua liberdade sexual”, há o dano resultante da quebra da afetividade pela ilusão de um relacionamento que jamais aconteceria e o uso da estrutura de uma instituição social para o crime.
“O estupro causa dano moral indenizável, causa sofrimento, seqüelas psicológicas, danos que transcendem de um mero aborrecimento. Por ser a vítima, à época dos fatos, uma adolescente, o valor deve ser elevado, dado que as sequelas são mais notáveis e, considerando, ainda, o fato de o delinquente tê-la raptado, mantendo-a sob seu poder por vários dias”, finalizou.
O número do processo não é divulgado por estar em segredo de Justiça.
[b]Fonte: Consultor Jurídico[/b]