Dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas em cidades da Indonésia para se manifestar contra a tramitação de uma reforma do Código Penal do país.

A mais polêmica das 628 mudanças propostas é a proibição do sexo entre pessoas que não são casadas.

O plano inclui também punições a insultos ao presidente, à maioria dos casos de aborto e à disseminação da ideologia marxista-leninista, entre outros pontos.

A reação negativa levou o presidente Joko Widodo a negociar o adiamento da votação do plano, mas os atos de rua não cessaram.

“A proposta foi adiada para que pudéssemos melhorá-la, acrescentar conteúdo em acordo com o que o povo quer”, afirmou o mandatário a jornalistas.

Os protestos diários, que ganham força desde segunda-feira (23), começam pacíficos, mas acabam em confronto entre policiais e manifestantes, na maioria estudantes.

As autoridades usaram gás lacrimogêneo e canhões de água contra manifestantes reunidos nas proximidades do Parlamento ? parte deles lançou pedras contra agentes de segurança.

Para o governo, um grupo se apropriou dos protestos para desestabilizar o Parlamento e a posse do presidente em seu novo mandato, em 20 de outubro. Widodo já havia enfrentado protestos violentos quando se reelegeu em maio ? oito pessoas morreram e mais de 900 ficaram feridas em atos de apoiadores do candidato rival.

Nas mobilizações desta semana, diversas pessoas ficaram feridas, uma delas em estado grave. Mais de 200 pessoas já foram detidas nas maiores manifestações desde 1998, quando o líder Suharto foi derrubado.

Jornalistas também foram agredidos e intimidados durante a cobertura dos protestos, segundo a Aliança de Jornalistas Independentes (AIJ, na sigla em inglês).

O que prevê o novo Código Penal?

Ao todo, a proposta de revisão do Código Penal tem 628 artigos, substituindo uma série de normas do período em que o país era uma colônia holandesa, há um século. O debate em torno dessas mudanças ocorre desde a independência indonésia, nos anos 1940.

O plano, apoiado por fortemente por grupos religiosos conservadores, havia sido apresentado pelo presidente indonésio ao Legislativo em 2015, mas a ideia ganhou força com a reeleição dele neste ano e o fim da atual legislatura do Parlamento.

Sexo entre pessoas que não são casadas passaria a ser criminalizado, com pena prevista de um ano de prisão. Hoje, essa prática é passível de punição em caso de denúncia dos cônjuges ou filhos às autoridades.

Para ativistas, por extensão, a proposta proibiria também o sexo entre pessoas do mesmo gênero, já que o casamento entre elas não é permitido no país.

Outro artigo da proposta afirma que quem viver junto sem casar também pode ser preso por até seis meses. A denúncia poderia ser feita pelo chefe da vila onde vivem os casais, por exemplo.

Abortos poderiam levar a uma pena de até quatro anos de prisão, exceto nos casos de estupro ou de risco à vida.

Além de endurecer o crime de blasfêmia, o polêmico texto também propõe tornar ilegal insultos ao presidente, ao vice, a instituições públicas e a símbolos nacionais, como a bandeira e o hino.

Há punições previstas também contra uma corrente política específica. A disseminação de ideologia marxista-leninista pode levar a até quatro anos de prisão e a associação com grupos desse segmento “com o objetivo de mudar políticas do governo”.

Grupos islâmicos, entre eles o majoritário Nahdlatul Ulama, afirmam que as mudanças refletem “o caráter e a personalidade do povo indonésio e da nação”. O país tem 261 milhões de habitantes, a maioria islâmica.

Mas críticos argumentam que o projeto viola a liberdade de expressão e discrimina minorias religiosas, mulheres e a população LGBT.

“A proposta de Código Penal da Indonésia é desastrosa não apenas para mulheres e minorias religiosas e de gênero, mas para todos os indonésios”, afirmou Andreas Harsono, pesquisador da Human Rights Watch. “Os parlamentares deveriam retirar todos os artigos abusivos antes de levá-la à votação.”

Os críticos à proposta, na maioria estudantes, temem que ela ainda possa ser aprovado no Parlamento. Eles também criticam uma nova lei que enfraquece a Comissão de Erradicação da Corrupção, um importante órgão de combate ao crime que atua com autonomia e conseguiu levar diversos políticos à prisão.

Fonte: BBC Brasil via UOL

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