A polícia prendeu quatro evangelistas cristãos em Istambul por envolvimento com “atividades missionárias” na semana passada, apesar da defesa aberta de oficiais do governo em favor do direito de que todos os grupos religiosos mantenham seus trabalhos evangelísticos na Turquia.

O cidadão norte-americano David Byle, 38 anos, foi solto, depois de passar mais de 48 horas preso. A prisão aconteceu junto com a de um cristão coreano e de dois cristãos turcos, informou a esposa de David.

Fontes cristãs no país asseguraram que a Turquia tem planos para deportar o cristão coreano, apesar da falta de detalhes.

Os quatro homens foram presos no dia 25 de abril enquanto compartilhavam a fé cristã com pessoas que passavam por um parque em Istambul, no distrito de Taksim.

Em entrevista ao Compass, ainda na cela de uma prisão para estrangeiros, ligada à polícia secreta turca, em Kumkapi, David Byle contou que soube por um oficial da polícia que a acusação alegada contra eles seria de atividades missionárias, distúrbio da ordem pública e insulto ao islã.

Um representante do Consulado dos Estados Unidos em Istambul confirmou as acusações depois de visitar o posto policial em que David Byle estava preso. “A terceira acusação é de atividade missionária, mas não é contra a lei, então eu não sei como é que eles vão trabalhar com esse quesito”, disse um representante do Consulado.

David Byle contou que a acusação de insulto ao Islã foi baseada em um livro evangelístico que eles estavam distribuindo, em que estava escrito, de forma polida, que os cristãos não aceitam o Alcorão porque este contradiz alguns ensinamentos no Novo Testamento.

“Essas coisas não vão produzir efeito na Corte”, disse David. “A única acusação que pode valer é a de distúrbio da ordem pública e que pode nos levar a um julgamento”, completou.

Ele admite que o caso passou das proporções, apesar de os policiais saberem que os cristãos não estavam fazendo nada ilegal. “Eles pensam: ‘Pelo menos pudemos transtornar a vida dele por alguns dias, dentro do nosso sistema’”, disse Byle.

Dois dos quatro cristãos foram soltos horas depois da prisão. David contou que ele e o coreano não foram visitados pelo promotor público, como prevê a lei, e nem foram oficialmente acusados dentro das primeiras 24 horas de prisão.

Pai de cinco filhos, David Byle, mora na Turquia desde 1999. O evangelista coreano, de 26 anos, chegou a Istambul há três meses.

Os quatro homens foram presos depois que uma moça se queixou deles à polícia. Ela ficou irritada com o fato de seu acompanhante estar discutindo o cristianismo com os evangelistas.

“Com aproximadamente 40 pessoas na minha frente, eu disse que tinha acabado de chegar para os funerais em Malataya e Izmir para encontrar as viúvas dos cristãos mortos no dia 18 de abril em uma editora cristã em Malatya”, explicou David Byle. “Eu disse que estava surpreso em como elas foram gentis e perdoaram os assassinos dos maridos”.

David contou que a multidão entendeu quando ele disse que o perdão era a única esperança do mundo. Foi a partir disso, nas conversas subseqüentes, que a polícia chegou.

“A moça que deu queixa à polícia parecia ligada a um grupo de extrema-direita”, disse David ainda na prisão.

Preso também com ele estava Muharrem Kavak e um outro cristão turco que pediu para não ser identificado. Ele e Muharrem foram soltos na noite de 25 de abril.

Tensão e debate nacional

Essas prisões aconteceram em meio à crise que abriu um debate nacional sobre a legitimidade da atividade missionária cristã, desencadeada pelo horrível assassinato de três cristãos no sudoeste da Turquia, na semana anterior.

Um alemão e outros dois cristãos turcos que trabalhavam em uma editora e livraria cristã foram torturados e mortos na cidade de Malatya, no dia 18 de abril. Cinco jovens muçulmanos suspeitos assumiram a autoria do ataque e justificaram os assassinatos como forma de proteger a fé e o país.

A atividade evangelística está protegida sob o Código Penal da Turquia, mas o debate sobre missionários e cristãos floresceu entre oficiais do governo e a mídia local, principalmente nos últimos dois anos.

A “cristofobia” se tornou um dos espectros políticos – não apenas por parte dos islâmicos, mas também de setores da extrema direita e extrema esquerda, como foi descrito por Mustafa Akyol, editorialista do “Turkish Daily News”, no dia 20 de abril.

“Quase todos os dias temos novas matérias na televisão e nos jornais sobre missionários, planos de traição e como eles compram as pessoas com dinheiro”, disse o presidente da Aliança das Igrejas Protestantes da Turquia, Ihsan Ozbek, durante uma coletiva de imprensa em Malatya, após os assassinatos.

Troca de acusações

Oficiais do governo foram rápidos em condenar os assassinos, mas alguns declararam que os cristãos e missionários deveriam assumir a culpa.

“Os missionários são mais perigosos que organizações terroristas”, disse o ministro da Justiça do país, Niyazi Guney, apenas alguns dias depois do ataque à livraria cristã, segundo o jornal diário “Milliyet”.

Até o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, enquanto condenou os assassinatos, repreendeu um líder protestante por ter falado em “caça às bruxas” contra os cristãos e outras minorias na Turquia.

“Eu os vejo colocando lenha na fogueira”, disse Erdogan num artigo publicado no dia 21 de abril pelo “Today’s Zaman”. “Eu os alertei, não está certo agir dessa forma”, disse o primeiro-ministro.

“Nós já estamos no fogo”, respondeu o presidente da Aliança das Igrejas Protestantes da Turquia, Ihsan Ozbek, no funeral de um dos cristãos mortos, Necati Aydin, em Izmir, no sábado, dia 21 de abril.

Apesar disso, logo após os assassinatos, muitos jornalistas e políticos começaram a defender a atividade missionária como um direito básico dentro do escopo da liberdade religiosa.

O mais notável foi uma declaração sem precedentes dada pelo diretor para Assuntos Religiosos, Ali Bardakoglu, que deu seu apoio pessoal à liberdade de culto e ao compartilhamento de crenças.

“Isso é um direito natural”, disse Ali Bardakoglu , de acordo com reportagem publicada no dia 21 de abril no “ Hurriyet “, ao ser questionado se o trabalho missionário corria risco na Turquia. “Nós devemos aprender a respeitar as escolhas pessoais e deixar em paz seja um ateu ou alguém de outra religião”, disse o diretor.

Ataques e perseguições

A prisão de David Byle e dos outros pregadores mostra que os decretos sobre liberdade de evangelização e culto ainda não convencem.

“David nunca havia sido acusado antes”, disse a esposa dele ao Compass. “Mas ele foi parado pela polícia diversas vezes, nem me lembro com que freqüência isso acontecia”.

Segundo ela, “os encontros com a polícia foram até positivos, pois eles perceberam que o trabalho do David era apolítico, mas ele não era sempre advertido dos problemas de pregar a quem passasse na rua”.

Em setembro de 2006, ele e sua equipe de cinco evangelistas foram fisicamente atacados enquanto compartilhavam a sua fé no distrito de Kadikoy. Os agressores escaparam depois de algumas escoriações e a polícia local os ajudou a receber tratamento médico no hospital mais próximo.

“Nossos filhos estão felizes porque o pai voltou para casa”, contou a esposa de David Byle.

Fonte: Portas Abertas

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