Chamados de b’nei anussim – em hebraico, filhos dos “forçados” eles querem, além de viver como manda a lei religiosa judaica, é serem reconhecidos.

Na casa do contador Nilton Campelo e dos três filhos, Hugo, Olavo e Lucas, as regras são duras e a disciplina é grande. Eles não comem carne de porco nem alimentos fermentados e de trigo durante a Páscoa. Toda sexta à noite rezam, cantam músicas em hebraico e comem em família. No sábado, mais orações. Com o aparecimento das três primeiras estrelas no céu eles iniciam um ritual. Uma vela trançada é acesa e a oração da havdalá é cantada. Ela serve para abençoar o restante da semana e separar o sagrado (o sábado) do profano (os demais dias da semana).

[img align=left width=300]http://imgsapp.diariodepernambuco.com.br/app/noticia_127983242361/2014/01/18/484995/20140118041430895556i.jpg[/img]Os costumes praticados por eles são judaicos. Mas, oficialmente, eles não são considerados judeus pelos mais tradicionais e ortodoxos membros da comunidade Judaica organizada, embora seu filho Olavo tenha estudado o ensino médio na Yeshivá, uma escola rabínica em Israel. Chamados de b’nei anussim – em hebraico, filhos dos “forçados” – eles fazem parte de uma parcela da população recifense que, ao descobrir uma possível ancestralidade judaica, retornaram à Casa de Israel. E agora tudo que querem, além de viver como manda a lei religiosa judaica, é serem reconhecidos. Isso significa ter privilégios, como poder morar em Israel, poder entrar em qualquer sinagoga e ser enterrado em cemitério judaico.

Para Nilton Campelo, “a sede de judaísmo do retornado é muito maior do que a do judeu que cresceu na religião.” Criado no catolicismo mas tendo, estranhamente, aos oito anos de idade, se recusado a fazer primeira comunhão, sua inquietação espiritual levou-o a várias outras religiões. Mas nada o satisfazia até ser atraído pelo judaísmo há cerca de 13 anos.

“Procurei um conhecido judeu da cidade e fui parar em uma sinagoga. Na época, nem desconfiava de minha ancestralidade judaica. Hoje, meus filhos também seguem”, disse.

Pela lei judaica, o que define um judeu é a linhagem materna. Ou seja, para uma pessoa ser judia, a mãe também tem que ter nascido judia. Embora seja comprovado que houve uma grande contingente de judeus portugueses perseguidos pela inquisição e forçados a se converter ao catolicismo que aportou no Recife na época do descobrimento, a maior dificuldade dos marranos, como também são chamados, é comprovar sua ancestralidade. Alguns detalhes como o sobrenome (nomes de árvores e animais – Oliveira e Carvalho, por exemplo -, adotados para despistar os inquisidores) e costumes, como a crença de que apontar estrelas dá verrugas – As estrelas servem para iniciar e encerrar o Shabat, contá-las era perigoso no Século 17 – são formas que ajudam a identificá-los. Mas, mesmo seguindo a tradição e tendo esses sobrenomes, para ser considerado judeu é preciso passar pela conversão liberal ou ortodoxa.

Ambas são feitas através de um tribunal em que cada caso é avaliado. A diferença entre elas é que o ortodoxo tem “regras mais duras”. Outro problema é que a conversão ortodoxa no Brasil é muito rara e boa parte das comunidades ortodoxas e alguumas liberais não aceita os marranos como judeus.

No início do ano, o rabino moré Gilberto Ventura, da comunidade tradicional e ortodoxa de São Paulo, visitou estados como Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Paraíba, locais para onde migraram muitos judeus durante o Brasil colonial . O intuito foi levar ao conhecimento da comunidade paulista a existência dos marranos nordestinos e tentar diminuir a distância entre eles. Em Pernambuco, acredita-se que há pelo menos 200 pessoas dispostas a viver nos moldes da Lei Judaica. “Vim saber o nível de cumprimento de cada um e ajudá-los a se articularem entre si. É muito bonito ver a luta deles de buscar sua raiz”, afirmou Ventura.

Segundo a coordenadora do núcleo de pesquisa do museu sinagoga Kahal Zur Israel, Tania Kaufman, a comunidade judaica no Recife, em geral, é liberal. Ela destaca que é preciso questionar o conceito. “Nos tempos contemporâneos deve-se continuar achando que judeu é aquele de origem biologica ou é aquele que se sente judeu? Mas também é preciso viver de acordo com o Antigo Testamento, que acredita que o messias ainda virá”, pontuou.

[b]Fonte: Diário de Pernambuco[/b]

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