Ao abrir o 11. Congresso Internacional de Pesquisa de Lutero, reunido no campus Canoas da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) de 22 a 27 de julho, o presidente do evento, pastor Gottfried Brakemeier, disse que a nova onda religiosa, com o retorno ao sagrado, passa ao largo das instituições eclesiásticas.

Nesse movimento igrejas históricas se ressentem da perda de fiéis. O futuro, disse Brakemeir, parece reservado a uma espiritualidade de índole carismática, mística, orientada em sucesso e auto-realização. Ele entende, contudo, que à igreja luterana foi confiado ministério semelhante ao que João Batista recebeu: o de preparar o caminho do Senhor.

Assim, a igreja luterana “deveria assumir esta mesma função com coragem e determinação, para o que necessita de um claro perfil. Somente uma igreja com identidade inequívoca terá força de persuasão num contexto multireligioso como o do Brasil”, apontou.

Brakemeier lembrou que os luteranos não passam de “irrisória minoria” no Brasil, somando menos de 1% da população (de 180 milhões). Lutero é um personagem “incógnito”, um “exilado em nosso contexto e no debate público”, e uma das causas disso foi, até há pouco tempo, a falta de acesso aos escritos do reformador em português.

Daí o esforço da Comissão Interluterana de Literatura (CIL), envolvida na tradução dos 14 volumes das obras de Lutero, trabalho iniciado em 1987 e que contabiliza, até o momento, nove tomos traduzidos. A tradução e publicação do último volume estão previstos para 2015. A CIL é um grupo de trabalho conjunto da Igreja Evangélica Luterana do Braisl (IELB) e da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

Mesmo com esse esforço literário, a ocupação com Lutero nessa parte do mundo “acontece sob as condições do que se chamou ‘o esgotamento do projeto protestante para a sociedade brasileira’”, admitiu o ex-presidente da Federação Luterana Mundial.

A religião, afirmou, emancipou-se das instituições eclesiásticas para transformar-se em assunto privado e particular. As mudanças no cenário religioso apontam que da religião se espera, de modo predominante, ajuda nas lides diárias, orientação de vida e solução de problemas. Assim, o suposto esgotamento do projeto protestante deve ser debitado, na visão do palestrante, a um déficit de qualidade terapêutica, diaconal e poimênica da práxis eclesial.

“Será indispensável atentar novamente para a boca do povo, como dizia Martim Lutero, o que inclui o esforço por diagnosticar as necessidades das pessoas e detectar seus anseios e suas esperanças. Não se trata de renunciar à própria identidade”, frisou Brakemeier, mas de traçar correções e ações para a igreja luterana.

O presidente do Congresso comentou as “teologias da prosperidade”, que, disse, se dirigem prioritariamente aos perdedores na ciranda da concorrência global. Tais teologias não questionam o sistema econômico vigente nem insistem em reformas sociais, mas atribuem pobreza, doença, desemprego e outros flagelos a forças demoníacas que “estariam bloqueando a ascensão social” e que, portanto, devem se exorcizadas.

“A promessa de riqueza e felicidade se encaixa perfeitamente numa cultura hedônica (o hedonismo valoriza o prazer individual e imediato), que faz depender o sucesso exclusivamente da competência individual. A novidade do esquema reside na preconização de recursos religiosos na consecução do objetivo”, avaliou.

O mundo do século XXI está em crise e já não sabe em que crer e depositar confiança. A religião, assinalou Brakemeier, não deverá se esgotar nem em emocionalismo nem em obediência cega a leis e estruturas divinas, muito menos em consumo acrítico de produtos religiosos ofertados no mercado. Ele defendeu uma nova Reforma, que não é produto humano, mas obra do Espírito Santo.

Ao saudar os participantes do Congresso na terça-feira, 23, na Escola Superior de Teologia (EST), que recebeu a visita dos pesquisadores, o reitor da instituição, pastor Oneide Bobsin, disse que suspeita de que luteranos estão “com algumas dívidas para o nosso contexto”. Ele mencionou que o Brasil é um país com uma vitalidade mágico-religiosa e muitas contradições sociais, onde miséria, pobreza e religião se alimentam mutuamente.

Bobsin pediu, numa espécie de prece, para que luteranos não caíam na tentação de dar respostas a perguntas que o povo brasileiro, tão sofrido por viver num país rico, mas injusto, não tenha formulado. Ele frisou que a presença desse grupo de pesquisadores no Morro do Espelho, sede da instituição, “faz renovar o ânimo na pesquisa sobre Lutero em nossa Escola de Teologia”.

O pastor presidente da IECLB e moderador do Conselho Mundial de Igrejas, Walter Altmann, saudou os visitantes e enfatizou que a igreja brasileira tem um compromisso com a confessionalidade, a missão e a sustentabilidade, mas sem esquecer o compromisso com o ecumenismo num contexto de intenso pluralismo religioso.

O coordenador do Congresso, Scott Hendrix, dos Estados Unidos, agradeceu a recepção da EST, disse que muitos participantes do evento estão pela primeira vez num país do hemisfério Sul e que esse é um momento de ver e aprender como vivem e quais são os desafios das igrejas num contexto religioso multicolorido.

O 11. Congresso Internacional de Pesquisa de Lutero reúne 94 pesquisadores, de 18 países das Américas, Europa e África, sob o tema “A ética de Lutero nos reinos da igreja, lar e política”.

Fonte: ALC

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