Seguindo o exemplo da revista satírica francesa “Charlie Hebdo”, a revista alemã “Titanic” também está planejando uma capa com Maomé neste mês.

O editor-chefe Leo Fischer fala à “Spiegel Online” sobre o humor ocidental e o risco de atrair apoio da extrema- direita.

Como se não bastasse o ultraje contra o filme antimuçulmano “Innocence of Muslims” (inocência dos muçulmanos), a revista satírica francesa “Charlie Hebdo” publicou na quarta-feira (19) uma edição contendo várias caricaturas do Profeta Maomé. A decisão provavelmente inflamará ainda mais as paixões incitadas neste mês no mundo muçulmano, com o lançamento de um trailer de um filme claramente islamofóbico nos Estados Unidos.

Sem querer ficar para trás, a principal revista satírica alemã, a “Titanic”, igualmente entrará na briga com sua própria edição sobre o Islã, que será publicada ainda neste mês. A história de capa imagina como seria se a ex-primeira-dama criticada da Alemanha, Bettina Wulff, fizesse seu próprio filme de Maomé. Muitos estão preocupados que a publicação possa tornar a Alemanha um alvo da ira muçulmana mais do que já é.

A “Titanic” ganhou manchetes na Alemanha em julho com uma capa exibindo o papa Bento 16, sujo de urina e fezes na frente e atrás, acompanhado da chamada “O Vazamento Foi Encontrado”, uma brincadeira com o escândalo “Vatileaks”. A Igreja Católica inicialmente tomou medidas legais contra a publicação, mas depois recuou.

Diante da decisão de seguir em frente com a história de capa sobre o Islã, a “Spiegel Online” falou com o editor-chefe da “Titanic”, Leo Fischer, sobre a sátira e a linha-tênue entre humor e propaganda de direita.

Spiegel Online: O que você acha das caricaturas de Maomé na edição mais recente da “Charlie Hebdo”?

Fischer: Elas não são o tipo de caricatura que apareceria na “Titanic”. Elas são relativamente simplistas. Mas diante dos protestos no mundo muçulmano, durante os quais pessoas até mesmo foram mortas, a publicação dos desenhos é uma reação relativamente pacífica e inofensiva. Os editores da “Charlie Hebdo” não mataram ninguém.

Spiegel: É uma situação delicada. Por um lado, os satiristas da “Charlie Hebdo” apontam para a liberdade de imprensa. Por outro, eles estão dando força aos islamófobos.

Fischer: Ninguém deseja apoiar o lado errado. Se a sátira atrai simplesmente os extremistas em seu vácuo, então é uma sátira de extrema- direita. Além disso, insultos sem causa são tediosos. Quando fizemos a capa do papa…

Spiegel Online: …a edição de julho exibindo o papa Bento 16 sujo de urina e fezes, acompanhado pela manchete “O Vazamento Foi Encontrado”…

Fischer: Muitos zombaram que não teríamos a coragem de fazer uma capa semelhante com Maomé. Mas a capa satírica estava concretamente ligada ao caso “Vatileaks”. Agora, todos estão falando sobre Maomé e estamos reagindo. Provocações baratas como o filme “Innocence of Muslims” inflamam as pessoas ao redor do mundo –é possível imaginar que em uma situação semelhante, Bettina Wulff (mulher do ex-presidente alemão Christian Wulff, que publicou recentemente seu controverso livro de memórias) também poderia tentar atrair apoio com críticas baratas ao Islã. Nós consideramos isso condenável.

Spiegel: A imagem na sua capa exibe Maomé?

Fischer: Eu não sei ao certo. É uma cena de um filme.

Spiegel: Pode ser que nem todos os muçulmanos ao redor do mundo entendam seu humor.

Fischer: É possível. Mas estamos do lado dos manifestantes. Eu temo que Bettina Wulff possa fornecer mais força para os atuais distúrbios no mundo muçulmano.

Spiegel: Ou seria a própria “Titanic” fomentando os distúrbios?

Fischer: Nós nos vemos completamente do lado dos crentes.

Spiegel: Vocês também estão do lado daqueles que tentam aumentar sua circulação com piadas muçulmanas?

Fischer: A “Titanic” nunca teve um grande número de leitores muçulmanos alemães. Caso esta edição resulte em novos assinantes entre os fãs de sátira muçulmanos, eu não teria nada contra.

Spiegel: A capa da edição atual da “Charlie Hebdo” mostra um muçulmano em uma cadeira de rodas sendo empurrado por um judeu, sob uma chamada dizendo que não se pode fazer piada com nenhum deles. Esse não é o velho discurso da extrema direita, de que é impossível falar livremente sobre muçulmanos e judeus?

Fischer: Eu interpreto a capa de modo diferente. Eu acho que é uma referência ao filme “Intocáveis”.

Spiegel: Todavia, a “Titanic” não é particularmente conhecida por fazer piada sobre judeus.

Fischer: Você está errado. No auge do caso em torno do poema de Günter Grass sobre Israel, chamado “O Que Deve Ser Dito”, nós publicamos uma edição chamada “A Verdade Sobre os Judeus”.

Spiegel: Alguém pode imaginar que Grass possa até mesmo concordar com a “Charlie Hebdo” de que não é possível falar livremente sobre os judeus.

Fischer: Isso seria, é claro, completamente grotesco. As pessoas estão alegando constantemente que é tabu criticar Israel publicamente. Mas Grass publicou seu poema crítico a Israel no (jornal alemão) “Süddeutsche Zeitung”. Isso não é público?

Spiegel: A “Charlie Hebdo” agora recebe apoio da extrema- direita na França, inclusive da líder da Frente Nacional, Marine Le Pen.

Fischer: Eles estão apenas pegando carona alegremente na revista. É uma estratégia transparente.

Spiegel: Você se sente pessoalmente ameaçado pelos extremistas?

Fischer: Eu considero a visão de que os muçulmanos europeus não são nada mais que malucos empunhando espadas como sendo racista. E estou contando com a compreensão deles –e com a indiferença deles.

[b]Fonte: Der Spiegel[/b]

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