Cada vez mais, em muitos países do Ocidente, a celebração do nascimento do Cristo é substituída por votos de festas “politicamente corretos”, para não incomodar fiéis de outras religiões.
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Quem já não se deu conta da substituição de linguagem que, de um ano para outro, sobre as fachadas das prefeituras e dos edifícios públicos, transformou os tradicionais votos de “Feliz Natal” em “Felizes festas de fim de ano”, ou ainda em “Boas festas”, sem mais nem menos?
Não se trata de uma mera fantasia semântica. Será que o nome de Natal, que evoca o nascimento do Cristo, o evento fundador da história e da fé cristãs, acabou se tornando politicamente incorreto na sociedade multicultural de hoje, a tal ponto que seja necessário evitar pronunciá-lo?
Mais ainda do que na França, à medida que se aproxima o dia 25 de dezembro, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Espanha, na Alemanha, foram tomadas iniciativas que visam a impedir chamadas, anúncios ou cartazes que chamem por demais as atenções para a festa de Natal; isso para não correr o risco de chocar a sensibilidade dos fiéis das outras religiões.
Na Inglaterra em particular, uma “guerra de Natal”, conforme esta foi chamada pela imprensa, foi declarada. Os símbolos da festa, quer estes tenham um vínculo com o rito cristão (o presépio), quer eles não tenham nenhum (o pinheiro-silvestre ou o abeto), estão desaparecendo aos poucos da paisagem.
Segundo o jornal-tablóide “The Sun”, em mais dos três quartos dos escritórios londrinos, as decorações de Natal teriam sido desaconselhadas, e até mesmo proibidas. Na comuna de Luton, Natal recebeu o novo nome de “Luminous” (luminoso, brilhante). Em Birmingham, o nome foi substituído nos documentos administrativos por aquele de “Festa do Inverno”. Nos correios britânicos, nos selos de fim de ano, no lugar do presépio, da estrela dos pastores e dos três reis magos, foram impressas ilustrações com homenzinhos de neve e renas.
Contudo, esta supressão do “nome de batismo” do Natal não deixa de provocar reações por parte da população britânica. Neste país, associações cristãs se insurgem contra “as perdas de rumo que estão demolindo a festa cristã a mais amada”.
Além disso, Dom John Sentamu, o arcebispo de York, que é o número dois na hierarquia da Igreja anglicana, acusou “os ateus e os secularistas agressivos de quererem varrer os símbolos cristãos da vida pública” para criar esta “situação absurda”: eles tentam fazer acreditar que a festa de Natal ofende as outras tradições, principalmente a hindu ou a muçulmana, cujas comunidades estão presentes em solo britânico.
Na Espanha, em Saragoza, um estabelecimento escolar proibiu a recitação de poemas e o canto de cânticos de Natal. Assim como na Grã-Bretanha, trata-se de não indispor as crianças das outras religiões. Esta atitude “anti-Natal politicamente correta” teria sido inspirada num manifesto do Partido Socialista no poder, segundo o qual “o laicismo é o único garante da liberdade e da igualdade”.
Dom Fernando Sebastian Aguilar, o arcebispo de Pamplona (Navarra), reagiu duramente contra “esta visão empobrecida e desfigurada que faz da religião uma atividade perigosa ou uma fonte de intolerância”.
Em Munique também, no coração da Bavária católica, onde os tradicionais “Weihnachtsmärkten” (“mercados de Natal”) são, com freqüência, rebatizados, desde o ano de 2000, de “Milleniummärkten” (“mercados do milênio”), a imprensa chamou a atenção para o fato de que, nos bairros onde há uma forte proporção de imigrantes, as Weihnachstfesten (“festas de Natal”) vêm se tornando menos numerosas e mais discretas.
A própria Itália não escapa desta onda de laicismo e, em Bolzano (Trentino-Alto Adige), numa escola-maternidade, as docentes decidiram neste ano evitar todo canto de Natal.
Nos Estados Unidos, a polêmica está no auge. Em Chicago, a prefeitura proibiu a difusão de trailers do filme “A Natividade” nos telões do mercado de Natal da cidade. Em Riverside, na Califórnia, durante um espetáculo-exibição sobre gelo, um coral de crianças que estava interpretando cantos de Natal foi interrompido sob pretexto de que a estrela convidada, Sasha Cohen, de confissão judaica, ganhadora de uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Turim em 2006, estava se apresentando no gelo. A patinadora não tinha pedido nada e mostrou-se espantada com a iniciativa.
“As cenas da Natividade e as decorações de Natal se tornaram tabus nos Estados Unidos”, deplora a associação Family Research Council (Conselho de Estudos da Família). Atendendo às pressões de grupos cristãos, companhias de distribuição do setor alimentício restauraram o “Feliz Natal” em sua comunicação promocional. Além disso, a Alliance Defense Fund (ADF), uma outra associação cristã, mobilizou os seus advogados para escrever para 11.500 diretores de estabelecimentos escolares e lembrar-lhes de que o Natal cristão ainda era plenamente aceito na maioria das comunidades do país.
“É ridículo ver que os americanos ainda estejam hesitando para decidir se é ou não conveniente dizer ‘Feliz Natal’!”, afirmou um responsável da ADF. “A guerra de Natal é uma invenção de pessoas amargas que não aceitam que a América não se assemelhe à imagem que elas têm do país”, replicou Leonard Steinhorn, um professor da American University de Washington. “Nós vivemos numa sociedade plural, e nós precisamos celebrar esta diversidade”.
Sem dúvida seria exagerado superestimar esses indícios de uma vontade de esconder os símbolos de uma festa tão tipicamente religiosa como esta de Natal, que foi recuperada e desfigurada, já faz muito tempo, aos olhos dos fiéis cristãos, pela sociedade mercantil.
Mas, querendo ou não, a questão subjacente está mesmo presente, recorrente nas polêmicas que surgiram nos últimos anos em torno do traje do véu islâmico ou de qualquer outro sinal religioso, na escola, principalmente. Em nome do “viver juntos” na sociedade multicultural de hoje, será que a ostentação de símbolos, e a prática de ritos, de festas próprias de uma tradição religiosa devem ser consideradas como inoportunas, e até mesmo de natureza a incentivar os comunitarismos e os sinais de crispação identitários?
“Em nome do politicamente correto”
É legítimo pensar que a expressão de “Felizes festas” (happy hollidays) permite englobar a Hanoukka dos judeus, o Natal dos cristãos, ou ainda o Aïd el-Kébir dos muçulmanos que, neste ano, é celebrado em 31 de dezembro, e as festas de fim de ano como um todo.
Mas será que, por causa disso, nós deveríamos esconder ou mudar o nome das festas religiosas consideradas como ostensivas e que o crescimento do laicismo na sociedade já está substituindo essas festas por outros ritos coletivos, tais como, na França, a Festa da Música, a Festa do Patrimônio ou a Noite Branca? Será este o meio mais adequado para dar conta da pluralidade cultural e incentivar a tolerância?
“Em nome do politicamente correto, será que nós vamos ser obrigados um dia a mudar o nome de todas as cidades que levam o nome de um santo e, em vez do Natal, retornar à festa pagã do Sol?”, pergunta Dom Hippolyte Simon, o arcebispo de Clermont-Ferrand (centro-sul), autor em 2001 do livro intitulado “A França Pagã”.
É verdade que a Europa deixou de ser de cultura cristã, ainda que muitos sejam aqueles que acham que ela nunca o foi completamente. Mas a ignorância do seu patrimônio histórico de valores, de referências e de festas religiosas vai de encontro a uma prática apaziguada do laicismo e do diálogo entre as etnias, as culturas, as confissões.
Um laicismo esclarecido passa necessariamente pelo direito de todo cidadão de professar suas convicções, inclusive religiosas, e contribui da mesma forma para a vontade de vivermos juntos.
Fonte: Le Monde
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