O governo da Síria tem pedido aos imãs as gravações de seus sermões de sexta-feira e começou a monitorar rigidamente as escolas religiosas.

Este país, que buscava demonstrar solidariedade com os grupos islâmicos e permitir às figuras religiosas um maior papel na vida pública, recentemente mudou de curso, buscando coibir fortemente a influência dos muçulmanos conservadores em suas mesquitas, universidades públicas e caridades.

O governo tem pedido aos imãs as gravações de seus sermões de sexta-feira e começou a monitorar rigidamente as escolas religiosas. As integrantes de um influente grupo de mulheres muçulmanas foram instruídas a reduzir suas atividades, como a pregação ou ensinamento da lei islâmica. E neste verão, mais de 1.000 professoras que usavam o niqab, o véu facial, foram transferidas para funções administrativas.

A repressão, que teve início em 2008, mas ganhou força nos últimos meses, é um esforço do presidente Bashar Assad de reafirmar o secularismo tradicional da Síria diante das crescentes ameaças dos grupos radicais na região, disseram autoridades sírias.

A política representa uma forte reversão para a Síria, que por anos tolerou a ascensão dos conservadores. E coloca o governo em um caminho aparentemente contraditório, ao agir contra os radicais islâmicos em casa, apesar de apoiar movimentos como o Hamas e o Hizbollah no exterior.

As autoridades sírias insistem que as mudanças ocorreram devido a tendências domésticas alarmantes e não afetam o apoio a esses grupos, aliados na luta contra Israel. Ao mesmo tempo, eles falaram com orgulho sobre sua campanha de secularização. Alguns analistas sírios veem isso como uma abertura aos Estados Unidos e aos países europeus, que têm cortejado a Síria como parte da estratégia para isolar o Irã e coibir a influência do Hamas e do Hizbollah.

Defensores de direitos humanos dizem que a política exacerba preocupações urgentes: a prisão arbitrária de muçulmanos praticantes, assim como o fracasso contínuo de integrá-los na vida política.

A pressão sobre os conservadores islâmicos na Síria teve início após um poderoso carro-bomba ter explodido na capital síria em setembro de 2008, matando 17 pessoas. O governo culpou o grupo radical Fatah al-Islam.

“O atentado foi o gatilho, mas a pressão vinha crescendo”, disse Peter Harling, um analista sênior do Grupo Internacional de Crises. Após um período de acomodação com os grupos islâmicos, o regime entrou em um modo bem mais pró-ativo e repressivo. “Ele percebeu o desafio que a islamização da sociedade síria representa.”

A campanha do governo atraiu maior atenção nos últimos meses, quando uma decisão de proibir estudantes usando niqab de assistirem aulas na universidade foi comparada à proibição semelhante na França. A medida parecia ressaltar uma tolerância reduzida à observância rígida por parte dos muçulmanos na vida pública. As autoridades sírias colocaram de forma diferente, dizendo que o niqab é “estranho” na sociedade síria.

A campanha traz riscos para um governo secular que travou repetidas batalhas violentas com os muçulmanos conservadores no passado, principalmente nos anos 80, quando dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Por ora não há nenhuma reação doméstica negativa visível, mas um clérigo, que disse ter sido afastado sem motivo há dois anos, sugeriu que isso pode mudar.

“Os radicais agora têm um forte argumento de que o regime está antagonizando os muçulmanos”, ele disse.

Os analistas sírios disseram que o governo tem motivações complexas. Eles apontam que ele cortejou os conservadores religiosos quando a Síria estava isolada internacionalmente, em meio às acusações de que estava por trás do assassinato do ex-primeiro-ministro libanês, Rafik Hariri. O governo nomeou um xeque em vez de um membro do partido baathista do governo para chefiar o Ministério dos Assuntos Religiosos e permitiu, pela primeira vez, que atividades religiosas ocorressem no estádio da Universidade de Damasco.

À medida que o país saía do isolamento, ele começou a se concentrar nas ameaças domésticas do sectarismo nos países vizinhos e na crescente influência dos radicais islâmicos.

“Aquilo que eles nutriram, eles sentiram que precisavam quebrar”, disse Hassan Abbas, um pesquisador sírio que estuda tendências culturais.

Os detalhes da campanha permanecem nebulosos, apesar das autoridades sírias não terem medo de divulgar suas metas, inclusive em órgãos de mídia estrangeiros. Em uma entrevista para o apresentador americano de talk show, Charlie Rose, foi perguntado a Assad qual era seu maior desafio.

“Mantermos nossa sociedade tão secular quanto é hoje” ele disse. “O desafio é o extremismo nesta região.”Assad apontou no passado o norte do Líbano como fonte desse extremismo.

“Nós não nos esquecemos de Nahr al Bared”, disse Mohammed al Habash, um legislador sírio, se referindo às batalhas naquela região há três anos, entre as forças de segurança libanesas e o Fatah al-Islam. “Nós temos que levar isso a sério.”

O governo deu início à nova posição em 2008, quando demitiu alguns imãs juntamente com administradores de várias caridades islâmicas, segundo um ex-clérigo, que falou sob a condição de anonimato porque temia represália do governo.

Após um período de calmaria durante a guerra de Israel com Gaza, a repressão se intensificou nos últimos meses. No primeiro semestre, o Qubaisiate, um grupo de oração feminino que estava ganhando proeminência, foi proibido de se reunir em mesquitas, segundo suas integrantes.

Há poucos meses, altos funcionários da província de Damasco foram demitidos por causa de sua inclinação religiosa, segundo vários analistas sírios.

Outras medidas ressaltam o quanto a campanha de Assad é delicada. Uma conferência sobre secularismo, planejada para o início deste ano e inicialmente aprovada pelo governo, foi abruptamente cancelada sem nenhum motivo, segundo Abbas.

Outro episódio pode ser visto como uma concessão aos muçulmanos conservadores, ou um sinal de quão à vontade eles se tornaram. Uma alteração na lei da Síria que rege assuntos civis, como casamento e divórcio, vazou no ano passado. Ela mantinha artigos legalizando o casamento de homens com meninas de até 13 anos. Sob pressão, inclusive de grupos femininos, os legisladores abandonaram a proposta.

“Há limites para o que podem fazer”, disse Harling sobre o governo sírio. “Eles tentam coisas e recuam se as coisas vão longe demais. Isso diz muito sobre quão difícil é – mesmo para um regime que é profundamente secular e cuja sobrevivência está ligada à natureza secular da sociedade síria.”

[b]Fonte: The New York Times[/b]

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