Wanderley Preite Sobrinho Do UOL, em São Paulo
Enquanto os índices de suicídio caem em todo o mundo, a taxa entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras aumentou 24% entre 2006 e 2015, informa pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O estudo, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, indica que o suicídio é até três vezes maior entre jovens do sexo masculino.
Os sete pesquisadores da Unifesp utilizaram dados do SUS (Sistema Único de Saúde), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Coeficiente Gini (que mede desigualdade) para chegar às conclusões.
Eles apontam a popularização da internet, as mudanças sociais no país e a falta de políticas públicas de combate ao suicídio como as principais razões para esse aumento.
De acordo com o estudo, a taxa entre jovens entre 10 e 19 anos aumentou 24% nas seis maiores cidades brasileiras: Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto cresceu 13% no interior do país.
O aumento contrasta com a evolução dos índices de suicídios no resto do mundo, que caíram 17% no mesmo período.
“Estamos na contramão”, avalia Elson Asevedo, um dos autores do estudo e psiquiatra da EPM (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp.
“Em 2013, a OMS (Organização Mundial de Saúde) definiu como imperativo global que seus signatários reduzissem essas taxas em até 10% até 2020.”
Em fevereiro, o projeto Global Burden of Disease informou que o índice de suicídio caiu de 16,6 para 12 mortes por 100 mil pessoas no mundo nas últimas três décadas, uma redução de 32,7%.
Por aqui, a cidade com maior taxa de suicídio é Belo Horizonte: 3,13 para cada 100 mil habitantes em 2015. É seguido por Porto Alegre (2,93), São Paulo (2,44), Rio de Janeiro (1,52), Recife (1,23) e Salvador (0,23).
Na média, o aumento do índice foi de 24%, ao subir de 1,60 para 1,99 entre 2006 e 2015. Ao todo, 20.445 adolescentes tiraram a própria vida naquele ano.
A pesquisa indica que a chance de um adolescente do sexo masculino tirar a própria vida é até três vezes maior do que uma adolescente mulher.
“Até 13 anos de idade, as taxas são iguais. A partir daí, começa a diferenciação”, diz Asevedo. “As garotas tentam se matar mais, mas as tentativas dos meninos são mais letais.”
Eles se matam mais por enforcamento e armas de fogo, enquanto elas utilizam pesticidas e drogas ou se jogam de lugares altos.
Para outro autor do estudo, o professor de psiquiatria da EPM Jair de Jesus Mari, “os meninos têm menos habilidade em lidar com o sofrimento emocional causado pela depressão”.
“Eles tendem a ser mais impulsivos, apresentam mais agressividade, estão mais expostos ao uso de álcool e drogas e buscam métodos mais letais.” Além disso, diz Asevedo, as meninas procuram ajuda mais cedo e com mais frequência.
A internet mata?
Um dos novos riscos para o suicídio adolescente é o uso da internet.
Mari afirma que “Facebook, WhatsApp e Instagram aumentam a exposição ao ciberbullying assim como o compartilhamento de comportamentos disfuncionais, como divulgação de métodos de suicídio e minimização dos perigos da anorexia”.
Asevedo lembra casos como o jogo da baleia azul, uma fake news que fez sucesso em 2017 ao estimular comportamentos como automutilação e suicídio.
“Quando fomos analisar as buscas no Google, notamos aumento nas pesquisas sobre como se matar. O efeito é muito maior que as campanhas de internet para prevenção ao suicídio.”.
Mudanças sociais
O estudo também relaciona as mudanças sociais no Brasil entre 2006 e 2015 e o aumento nos suicídios. A pesquisa afirma que, “apesar do aumento do PIB (Produto Interno Bruto) e da redução da desigualdade, a taxa de suicídio entre adolescentes cresceu.
Embora esse achado tenha sido surpreendente, estudos anteriores demonstraram que os países com maior PIB tendem a apresentar maiores taxas de transtornos mentais, como a depressão, que está associada ao suicídio subsequente”.
“Por exemplo”, continuam os autores, “entre os adolescentes do sexo masculino, as melhores condições econômicas podem facilitar o acesso a drogas e álcool, ambos reconhecidos como fatores de risco para o suicídio”.
Além disso, a “menor religiosidade, mudanças na estrutura familiar, maior acesso à internet, isolamento e influência comportamental da mídia social” podem contribuir.
A homogeneização dos povos provocada pelo enriquecimento de países pobres também pode aumentar esses indicadores. “Isso acontece em países como Brasil e México e nações da África. É como as altíssimas taxas de suicídio em tribos indígenas que, engolfadas por uma comunidade branca, perdem seus valores e tradição cultural”, diz.
Estigma atrapalha prevenção e ações do governo
Para os autores, o Estado também é responsável pelo aumento dos suicídios no Brasil em um tempo em que as taxas caem ao redor no mundo.
“A ciência sabe como reduzir as taxas. A questão é implementar”, acredita Asevedo.
No Brasil isso não foi identificado como prioridade porque ainda há muito estigma quanto à saúde mental. ‘Ah, depressão é fraqueza, falta de caráter, de fé. Vai trabalhar’, é o que dizem. Esse estigma não permite que as ações de prevenção sejam amplamente realizadas pelos gestores, o que dificulta a alocação de recursos.
Para o pesquisador, o estudo acende um alerta: “Nossa pesquisa analisou o suicídio apenas dos adolescentes, mas a tendência é que os índices estejam crescendo nas faixas etárias seguintes porque os suicídios vão aumentando com a idade. Os idosos são os que mais se matam. Solidão e pobreza vitimam principalmente os homens viúvos e desempregados”, conclui.
No Brasil há diversas instituições de rede de apoio a pessoas com depressão. O Centro de Valorização da Vida é uma das instituições que dão apoio emocional e trabalham para prevenir o suicídio.
Para pedir ajuda, ligue para o número 188 ou acesse o site do CVV.
Fonte: UOL