Os cristãos dizem temer que uma mudança de poder possa provocar uma tirania da maioria muçulmana sunita.

Abu Elias se sentou sob a escadaria elevada que leva até o Convento de Nossa Senhora de Saydnaya, uma igreja no alto das montanhas fora de Damasco, onde os cristãos rezam há 1.400 anos.

“Nós todos tememos o que virá a seguir”, ele disse, se voltando para um homem sentado ao lado dele, Robert, um refugiado iraquiano que escapou do conflito sectário em sua terra natal.

“Ele fugiu do Iraque e veio para cá”, disse Abu Elias, olhando para seu amigo, que chegou há um ano. “Em breve nós poderemos estar fazendo o mesmo.”

A turbulência na Síria se aprofunda a cada dia. Na terça-feira, tropas do governo atacaram a cidade rebelde de Rastan com tanques e metralhadoras, ferindo pelo menos 20 pessoas. Com o aumento do caos, os cristãos que visitavam Saydnaya em um domingo recente disseram temer que uma mudança de poder possa provocar uma tirania da maioria muçulmana sunita, os privando da suposta proteção que a família Assad fornece há quatro décadas.

A minoria cristã da Síria tem um tamanho considerável, aproximadamente 10% da população, embora alguns aqui dizerem que o percentual atualmente é menor. Apesar dos sentimentos deles estarem longe de monolíticos –os cristãos estão representados na oposição e a lealdade ao governo frequentemente ser movida mais pelo medo do que pelo fervor– o temor do grupo ajuda a explicar como o presidente Bashar Assad mantém o apoio entre segmentos da população, apesar da repressão brutal visando esmagar o levante popular. Para muitos cristãos sírios, Assad permanece previsível em uma região onde a imprevisibilidade expulsou seus irmãos de lugares atingidos pela guerra como o Iraque e o Líbano, e onde outros se sentem ameaçados, como no Egito pós-revolucionário.

Eles temem que em caso da queda do presidente, eles possam ser vítimas de represálias nas mãos de uma liderança sunita conservadora, devido ao apoio cristão à família Assad. Eles temem que a luta para derrubar Assad possa se transformar em uma guerra civil, provocando derramamento de sangue sectário em um país onde minorias, étnicas e religiosas, encontraram uma forma de coexistir.

A ansiedade é tão profunda que muitos ignoram o contra-argumento da oposição: o governo na verdade piorou essas divisões, como parte da estratégia para assegurar o governo da família Assad, que vem de uma minoria muçulmana, os alauitas.

“Eu estou intrigada pelos seus pedidos de liberdade e derrubada do regime”, escreveu uma mulher cristã síria em sua página do Facebook, se dirigindo a mulheres manifestantes cristãs. “O que significa liberdade? Cada uma de vocês faz o quer e é livre para dizer o que quer. Vocês acham que se o regime cair (Deus não permita) vocês ganharão liberdade? Na verdade cada uma de vocês terminará trancada em sua casa, lamentando esses dias.”

O destino das minorias em uma região mais diversa do que muitos reconhecem está entre as principais questões diante de um mundo árabe em turbulência. Com seu mosaico de seitas cristãs e muçulmanas, a Síria apresentou a questão em seus termos mais claros: é necessário um homem forte para proteger a comunidade das correntes mais perigosas, mais intolerantes, na sociedade?

O apuro dos cristãos na Síria repercute entre as minorias religiosas por todo o Oriente Médio, muitas das quais se veem diante de um destino compartilhado. No Iraque, o número de cristãos encolheu até a insignificância desde a queda de Saddam Hussein, afugentados pelo derramamento de sangue e pelo chauvinismo. Os cristãos no Egito temem a ascensão dos islamitas.

Os cristãos no Líbano, que representam a maior minoria por percentual no mundo árabe, temem a respeito de seu próprio futuro, em um país onde despontaram como os maiores perdedores de uma guerra civil de 15 anos.

Neste mês, o patriarca católico maronita do Líbano pediu aos maronitas, a maior comunidade cristã no país, para darem a Assad outra chance e lhe dar tempo suficiente para implantar uma longa lista de reformas que ele prometeu, mas nunca implantou.

Os comentários do patriarca, Bishara Boutros al Rai, provocaram um debate acalorado no Líbano, que viveu sob domínio sírio por 29 anos. Uma proeminente figura da oposição síria (e cristão) rebateu em Damasco. Mas Rai, que descreveu Assad como “um pobre homem que não consegue realizar milagres”, defendeu seus comentários, alertando que a queda do governo na Síria ameaça os cristãos por todo o Oriente Médio.

“Nós suportamos o governo do regime sírio. Eu não esqueci isso”, disse Rai. “Nós não estamos ao lado do regime, mas tememos a transição que pode se seguir. Nós temos que defender a comunidade cristã. Nós, também, temos que resistir.”

É um vislumbre notável do poder e persuasão do medo o fato do status quo na Síria permanecer preferível para muitos. A Organização das Nações Unidas estima que mais de 2.600 pessoas morreram desde o início do levante, em meados de março em Dara, uma cidade pobre no sul, e, dado o desespero de alguns, até mesmo os ativistas alertam que os manifestantes podem ter que recorrer às armas. As estimativas de prisões chegam a dezenas de milhares.

Alguns cristãos se juntaram aos levantes, e intelectuais cristãos como Michel Kilo e Fayez Sara integram as fileiras da oposição.
A fórmula frequentemente oferecida da divisão síria –minorias religiosas do lado de Assad, a maioria muçulmana sunita alinhada contra ele– nunca captura os nuances de uma luta que pode definir a Síria por gerações. Até mesmo alguns alauitas, a seita muçulmana de onde Assad tira grande parte de sua liderança, se juntaram aos protestos. Quando alguns poucos foram à cidade de Hama, na região central da Síria, para se juntar às imensas manifestações no verão, eles foram recebidos pelos muçulmanos sunitas com canções e poesia.

Mas apesar da promessa das revoltas árabes ser uma nova ordem, livre de repressão e desigualdade, persistem as preocupações de que os islamitas, a força mais organizada na região, ganhem maior influência e que as sociedades se tornem mais conservadoras e, talvez, intolerantes.

“O medo está se espalhando entre nós e entre qualquer um que seja diferente”, disse Abu Elias, ao saudar os fiéis que subiam as centenas de degraus de pedra desgastados ao longo dos séculos. “Hoje nós estamos aqui. Amanhã, quem sabe onde estaremos?”

[b]Fonte: The New York Times[/b]

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