Alguns membros do clero na Califórnia passaram a terça-feira oficiando casamentos de mesmo sexo legalizados por uma decisão da Suprema Corte estadual, que entrou em vigor na noite de segunda-feira. Outros passaram o dia se manifestando contra o casamento de mesmo sexo.

E alguns passaram o dia em angústia, divididos entre as leis de seu Estado e as leis de sua Igreja.

A reverenda Kimberly A. Willis disse que ainda não se decidiu sobre o que fazer, porque deseja poder ministrar a todos seus fiéis da Igreja Metodista Unida, em Santa Rosa, já que 10% deles são gays. Mas se ela oficiar um casamento de mesmo sexo, ela poderia ser acusada de violar o Livro de Disciplina da Igreja Metodista Unida, ser julgada e afastada do ministério.

Assim, Willis passou o domingo de lado em um serviço religioso no qual vários casais de mesmo sexo celebravam seus casamentos iminentes. Willis espiou um casal gay na primeira fila que freqüenta sua igreja, e disse que se sentia ultrajada por não poder se juntar aos outros pastores que realizavam a cerimônia para abençoá-los.

“Era surreal assistir isto e pensar, como não posso abençoar estas pessoas?”, disse Willis. “Eu posso abençoar um carro e já o fiz. Já me pediram para abençoar animais, crianças, casas, pães, suco de uva, mas não posso abençoar um casal gay e lésbico. Isso é irreal para mim.”

A Suprema Corte da Califórnia se manifestou sobre o casamento de mesmo sexo, mas as questões religiosas estão longe de resolvidas.

A tensão podia ser vista em Bakersfield, onde o reverendo Tim Vivian da Igreja Episcopal Grace e cerca de uma dúzia de seus paroquianos se sentaram à margem de um pátio do cartório de Kern County, onde casais de mesmo sexo se casavam. Vivian disse que se solidarizava com os casais, mas que não participaria das cerimônias porque sua diocese estava em turbulência em torno da questão gay e seus superiores lhe pediram para que se abstivesse.

Os membros do clero compareceram ao pátio em grande número para casar os casais, porque a escrivã do condado se recusou a permitir casamentos -de mesmo sexo ou não- em seus escritórios (apesar de ter emitido as licenças de casamento).

Quando perguntado se esperava um dia casar casais de mesmo sexo em sua igreja, Vivian disse: “Certamente”.

Não apenas algumas seitas estão divididas internamente, mas agora líderes religiosos da Califórnia em ambos os lados do debate estão se preparando para a luta em torno de um plebiscito em novembro, promovido pelos conservadores, que busca aprovar uma emenda à Constituição estadual e assim derrubar a decisão da Justiça sobre casamento de mesmo sexo.

O pastor Jack Hibbs, da Capela do Calvário de Chino Hills, disse: “Estes juízes atravessaram do campo dos poderes judiciais ou legislativos para o campo da igreja. Eles invadiram nossas igrejas, nossos púlpitos, nossa Bíblia e redefiniram casamento para nós”.

Ele disse que ao longo dos próximos meses, ele e outros ministros que se opõem ao casamento de mesmo sexo realizarão comícios por todo Estado convocando os fiéis a votarem. Eles argumentarão que os países europeus que permitiram o casamento de mesmo sexo agora estão exibindo uma série de tendências econômicas e sociais negativas como resultado.

Mas diferente das guerras culturais anteriores em torno da homossexualidade, que freqüentemente colocavam ministros conservadores contra líderes seculares de direitos dos gays, na Califórnia os membros liberais do clero planejam sair em defesa do casamento de mesmo sexo, usando argumentos religiosos.

“Nós veremos não apenas um tipo de voz religiosa, que é o que estamos acostumados”, disse o reverendo Jay E. Johnson, diretor de pesquisa acadêmica do Centro para Estudos Gays e Lésbicos em Religião e Ministério, da Pacific School of Religion, em Berkeley. “Nós veremos figuras religiosas, e comunidades religiosas e do clero em ambos os lados desta questão, recebendo muita atenção da mídia.”

A pastora Byrd Tetzlaff da Sociedade Universalista Unitária de Kern County realizou oito casamentos até as 10h20 da manhã. Tetzlaff disse que muitos casais estavam apenas retirando licenças de casamento e realizariam seus casamentos posteriormente, em igrejas e outros locais.

Ela disse que até mesmo na considerada conservadora Bakersfield, ela não ouviu nada negativo sobre casamentos de mesmo sexo. Quanto ao plebiscito, ela disse: “A população da Califórnia é sensível e vai derrotá-lo”.

Em San Francisco na terça-feira, a reverenda Lea D. Brown, ministra da Igreja Comunitária Metropolitana de San Francisco, uma denominação fundada para atender aos cristãos gays, disse que sua igreja já marcou 14 casamentos de mesmo sexo. “Pedidos estão chegando diariamente para mais”, disse Brown. “Minha igreja está honrada e empolgada em apoiar estes casamentos.”

Mas nas igrejas que ainda não decidiram sua posição a respeito da homossexualidade e casamento de mesmo sexo, a decisão judicial certamente provocará ainda mais confusão. Na Igreja Episcopal, bispos de diferentes partes do Estado emitiram diretrizes diferentes para seus membros do clero.

O bispo J. Jon Bruno de Los Angeles autorizou os membros do clero a realizarem casamentos de mesmo sexo, disse a reverenda Susan Russell, pastora associada da Igreja de Todos os Santos e presidente da Integrity, um grupo de defesa de gays e lésbicos na Igreja Episcopal.

O bispo Marc Handley Andrus da Diocese Episcopal da Califórnia, que cobre a Área da Baía de San Francisco, está pedindo a todos os casais, heterossexuais e homossexuais, a primeiro se casarem no civil e depois virem à igreja para uma bênção. Como a Igreja Episcopal não permite ritos matrimoniais de mesmo sexo, ele disse, esta é uma forma de tratar todos os casais igualmente.

“Às vezes a igreja não acompanha a sociedade civil, e este é um desses casos”, disse Andrus.

Fonte: The New York times

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