Brajveer Singh não possui um chapéu de aba larga, botas de couro ou calça jeans. Ele nunca montou em um touro mecânico. Mas ele pode reivindicar o título de ser um verdadeiro caubói urbano. Singh está entre as dezenas de homens que passam o dia laçando gado nas ruas desta cidade, como parte da longa e frustrante batalha para livrar a capital da Índia das vacas desgarradas.

Talvez não haja maior estereótipo da Índia do que a imagem de uma vaca desgarrada vagando no meio de uma rua movimentada da cidade, aparentemente ignorando o tráfego ao seu redor.

Os hindus consideram as vacas animais sagrados, e seu abate é proibido em grande parte da Índia. As vacas são freqüentemente autorizadas a perambular por onde quer que queiram, mesmo nas cidades, onde os indianos tendem a vê-las da mesma forma que os americanos e europeus vêem os pombos -uma parte desagradável mas intratável da paisagem urbana.

Mas em Nova Déli, muitos moradores há muito perderam a paciência com os milhares de bois e vacas desgarrados. Em 2002, após os cidadãos terem recorrido à Justiça para que algo fosse feito a respeito dos animais, os juízes ordenaram que o gado fosse removido das ruas.

Seis anos depois, entretanto, as vacas ainda estão aqui. Em setembro, o governo perdeu o último de uma série de prazos estipulados pela Justiça para a remoção do gado, mas as autoridades dizem que a cidade está comprometida em solucionar o problema antes dos Jogos do Commonwealth, que serão realizados em Nova Déli em 2010.

Cumprir a meta é uma tarefa para Singh e outros 164 “apanhadores de vacas” da cidade.

Em uma manhã recente, Singh e sete outros homens de sua equipe se reuniram perto do caminhão deles em Velha Déli, o antigo centro da capital. Sete deles se espremeram dentro da cabine apertada, enquanto um ficou para raspar o esterco seco da longa plataforma do caminhão.

Eles partiram à procura de vacas.

Este é um trabalho perigoso. Apenas em raras ocasiões, quando um veterinário treinado os acompanha, é que os apanhadores de gado são autorizados a usar dardos tranqüilizantes ou uma arma para atordoar. Em vez disso, eles dependem de laços de corda e força bruta para capturar os animais, que freqüentemente investem contra o tráfego ou dão coice e resistem violentamente em uma tentativa de escapar.

Neste dia em particular, Singh literalmente pegou um touro jovem pelos chifres, lutando com ele para colocá-lo na posição para ser laçado.

“A chave é, assim que estiver com os chifres em suas mãos, se esforce para não soltá-los”, ele disse com um sorriso.

Ele e outros apanhadores de vacas têm histórias de ferimentos de trabalho, desde queimaduras provocadas pela corda até ossos fraturados. Um até mesmo perdeu um olho, que foi perfurado por um touro.

Mas bem mais perigosas do que o gado, segundo os caubóis, são as pessoas que eles encontram. Os apanhadores de gado já se envolveram em brigas com motoristas furiosos por eles bloquearem o tráfego enquanto estão tentando remover as vacas de uma rua movimentada. Os religiosos hindus, que alimentam os animais desgarrados encontrados próximos dos templos, em algumas raras ocasiões atiraram pedras contra os apanhadores de gado.

“É um risco ocupacional”, disse o mais antigo apanhador de gado da cidade, Virpal Singh, que não tem parentesco com Brajveer Singh.

Uma preocupação ainda maior são os milhares de laticínios ilegais que operam na cidade. O governo classifica as vacas que perambulam pelas ruas como “desgarradas”, mas muitos desses animais são na verdade de propriedade de laticínios sem licença de funcionamento. Os operadores dos laticínios -e os moradores de favelas que compram seu leite barato- freqüentemente reagem violentamente quando os apanhadores de gado chegam.

Neste dia, um jovem carregando tachos de leite em sua scooter apenas olhou com raiva para os apanhadores de gado enquanto usavam um elevador hidráulico para colocar na traseira do seu caminhão uma vaca que capturaram no meio de uma rua congestionada. Mas Brajveer Singh apontou para uma cicatriz no seu couro cabeludo -uma recordação dos sete pontos que levou no ano passado após um dono de laticínio o ter atingido na cabeça com um pau.

Em troca de suportar esses riscos, o apanhador de gado ganha cerca de 10 mil rúpias, ou US$ 250, por mês. Isso é menos do que ganha o funcionário municipal que dirige o caminhão que leva a vaca, mas a maioria dos apanhadores de vaca diz estar contente por ter um emprego público, o que fornece benefício e segurança no emprego.

Assim que os apanhadores de gado capturam sua cota diária de nove a 10 animais, eles os levam para um complexo municipal onde os trabalhadores usam uma longa pistola parecida com um cano para disparar um microchip pelo esôfago do animal. Então eles entregam os animais para um dos cinco santuários aprovados pela prefeitura nos arredores da cidade.

Esses abrigos, chamados gosadans, são administrados por caridades hindus, mas recebem centenas de milhares de dólares em fundos adicionais da prefeitura. Em teoria, os microchips supostamente servem para manter os abrigos honestos, impedindo que vendam os animais de volta aos laticínios ilegais ou os soltando.

Mas os apanhadores de gado dizem que não é incomum capturarem os mesmos animais duas vezes. Virpal Singh disse que os laticínios às vezes usam contatos políticos para forçar a prefeitura a soltar as vacas apreendidas. E Vijender Kumar Gupta, presidente do comitê municipal responsável pela supervisão da apreensão do gado desgarrado, disse que a influência desta “máfia do leite” é o maior obstáculo para que a prefeitura de Déli cumpra a ordem judicial.

Nos últimos dois anos, a prefeitura disse que retirou mais de 20 mil bois e vacas das ruas. Mas isso ainda deixa cerca de 5 mil a 12 mil animais desgarrados.

“Eu não acredito que Déli algum dia realmente se livrará das vacas”, disse Virpal Singh.

A maioria dos apanhadores de gado de Déli é recrutada em áreas rurais fora da cidade, e eles viajam diariamente de suas aldeias para a cidade de trem. Apesar de ser uma pequena fraternidade, os apanhadores de gado dizem que raramente se encontram fora do trabalho. Não há bares de caubóis em Déli.

“Após um dia inteiro tentando apanhar vacas, nós geralmente estamos cansados demais para qualquer coisa exceto voltar para casa e ir para a cama”, disse Brajveer Singh.

Fonte: The New York Times

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