A escola primária Macias Picavea não parece um foco de revolução. Mas o despretensioso edifício de tijolos na sonolenta cidade industrial de Valladolid se tornou um campo de batalha na guerra cada vez mais intensa que opõe Igreja e Estado na Espanha.
Em uma decisão sem precedentes no país, um juiz decidiu em novembro que a escola pública deve remover os crucifixos das paredes de suas salas de aula, porque elas violam a natureza “laica” do Estado espanhol.
Embora a Igreja não estivesse entre as partes envolvidas no processo, criticou a decisão como ataque “injusto” contra um símbolo histórico e cultural – e um sinal do secularismo cada vez mais militante do Estado na Espanha.
Se a decisão do juiz representa o mais recente revés para o domínio um dia férreo que a Igreja exercia sobre a vida espanhola, a resposta da hierarquia católica dá ao país a posição de polo na definição do futuro relacionamento entre Igreja e Estado na Europa.
Para o Papa Bento XVI, que apostou seu pontificado iniciado três anos atrás na empreitada de manter a Europa como região cristã, a Espanha, com sua população 90% católica e rica História religiosa representava uma última esperança em um continente no qual a religião tem cada vez menos importância.
Mas essa esperança está rapidamente desaparecendo. Desde 2004, o governo socialista do primeiro-ministro Jose Luis Rodriguez Zapatero legalizou o casamento homossexual e o divórcio acelerado, e está tentando afrouxar as leis que restringem aborto e eutanásia.
Mas, em resposta, a Igreja e os católicos mais praticantes vêm pressionando por maior participação na vida pública. O resultado é uma guerra aberta entre Igreja e governo.
A Espanha representa a um só tempo o passado da Igreja Católica na Europa e um possível futuro: um país cada vez mais laico em que atua uma oposição católica vigorosa, definida pelo Papa como “uma minoria criativa”, superada em número mas ardorosa em sua fé.
O que está em jogo é uma visão do país: a Espanha aderirá ao resto da Europa laica ou se manterá como último baluarte do catolicismo? “Eu diria que certamente existe preocupação e seria ingênuo negá-la”, disse o porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi, sobre a Espanha. “Estamos em um momento crítico do confronto entre a Igreja e a secularização da Europa e do mundo ocidental”.
Em 28 de dezembro, na festa da Sagrada Família, um total estimado em 158 mil pessoas compareceu a uma missa-comício em Madri, “em defesa da família”.
A marcha parece ter sido mais discreta do que eventos recentes do mesmo gênero. Antes da eleição de 2007, a Igreja encontrou dificuldades quando alguns dos eventos de massa que promove foram vistos como favoráveis à oposição de direita, derrotada por Zapatero.
Hoje, os prelados espanhois estão tentando ao máximo ser “pró-família”, e não antigoverno, mas a situação é delicada.
Caso a Igreja se torne hostil demais ao governo, poderia comprometer a logística e o financiamento público requerido para que Madri sedie o Dia Mundial da Juventude, evento bienal da Igreja, em 2011. A escolha da capital espanhola para sediar o evento serve como prova do interesse da Igreja pela Espanha.
Em recente entrevista em Madri, o secretário geral da Conferência dos Bispos Espanhóis, monsenhor Juan Antonio Martinez Camino, disse que era importante para a Igreja “usar todos os meios de que dispõe para promover e defender seus direitos fundamentais”.
Ele classificou a lei que legalizou o casamento e adoção homossexual em 2005 como “muito estranha, muito irracional e muito injusta”.
As implicações são mais amplas, porque a Espanha, que abriga 42 milhões de católicos, continua a ser um ponto de referência para a América Latina, onde vivem 563 milhões de católicos, a maior concentração mundial dos fiéis dessa religião.
A Igreja também está preocupada com a possibilidade de que a Espanha estabeleça um precedente para legislação da União Européia. O Vaticano anunciou na semana passada que reavaliaria seu relacionamento com a lei italiana, a fim de evitar aderir a normas sociais italianas e da União Européia às quais se opõe.
A Igreja também ocupa um vácuo na direita política espanhola. O Partido Popular, de centro-direita, é fraco e jamais se envolveu muito em assuntos religiosos.
Hoje, um dos mais fortes e persuasivos oponentes de Zapatero à direita é um apresentador de rádio, Federico Jimenez Losantos, ex-comunista que se tornou direitista; o apresentador, que se professa ateu, tem um programa matinal na La Cope, a segunda mais ouvida das rádios espanholas – e rádio é propriedade da Conferência dos Bispos Espanhóis.
Com suas pesadas críticas a Zapatero, Jimenez é visto como um promotor de tensões entre Igreja e governo.
Ele admite que seu programa “cria problemas” entre os bispos e o governo. “Mas ao mesmo tempo, muita gente fica feliz porque a Cope existe e porque pelo menos existe alguma oposição”.
Fonte: The New York Times