Agentes de segurança do governo, de uniforme preto e com armas automáticas, montavam guarda na entrada desta pequena cidade. Uma fila de veículos blindados e caminhões de tropas estava estacionada ao longo da estrada principal. A polícia local e a polícia secreta patrulhavam quase todo o quarteirão, a pé e de van.
As pessoas estavam assustadas e a polícia inquieta. “Queremos que vocês saiam daqui, é preciso ter permissão especial para estar aqui”, disse o general Mahmoud Gohar, chefe de segurança da região, enquanto batia as mãos e exigia que os repórteres deixassem a cidade imediatamente.
Há três semanas, no dia em que os cristãos cópticos celebram a noite de Natal, um atirador muçulmano abriu fogo contra os fiéis enquanto eles saíam na igreja, matando 7 pessoas, ferindo dez e gerando a pior violência sectária entre muçulmanos e cristãos no Egito em anos. Nos dias que se seguiram, houve confrontos e conflitos. Lojas foram destruídas e casas incendiadas.
O governo respondeu enviando policiais fortemente armados, proibindo a mídia e insistido que o ataque do dia 6 de janeiro havia sido uma retaliação por um estupro.
“Há indicações iniciais relacionando este incidente à denúncia de que um jovem cristão estuprou uma garota muçulmana em uma das aldeias do Estado”, disse o Ministério do Interior após o ataque.
A única coisa que o governo não fez foi admitir o óbvio: o Egito estava testemunhando um dos seus piores surtos de violência sectária. Em vez disso, declarou que qualquer menção de conflito sectária seria considerada sedição.
Contudo, as evidências fornecidas pelos jornais eram irrefutáveis: foram presos 14 muçulmanos e 28 cristãos; lojas cristãs e casas muçulmanas foram incendiadas.
“Estamos agora enfrentando uma sociedade sectária”, escreveu Armt el-Shoubky, analista político e colunista, sob a manchete: “O novo sectarismo: a alienação dos cristãos”, no jornal “Al Masry Al-Youm”.
Ao longo dos anos, o Egito teve muitos conflitos entre sua maioria muçulmana e sua minoria cristã e sempre insistiu que eram movidos por algo -qualquer coisa- diferente da divisão sectária: uma disputa de terras, uma disputa pessoal, um crime visando lucro. Pelo discurso oficial, são crimes singulares e não estão relacionados.
Tem sido assim neste caso recente. Três pessoas foram presas pelo ataque que matou seis cristãos ao deixarem a igreja (os cristãos cópticos celebram o Natal no dia 7 de janeiro) e um guarda muçulmano.
“O crime de Nag Hammadi é apenas um crime individual sem motivos religiosos, assim como o crime de estuprar a menina”, disse o presidente do parlamento Ahmed Fathi Sorour, no “Al Ahram”, jornal do governo.
Contudo, as pessoas, mercadores, membros do parlamento, cristãos e muçulmanos dizem que essa visão estreita do governo do caso ignora a tensão subjacente que está enervando a sociedade no Egito, onde se estima que 10% da população de 80 milhões é cristã. Não importa o motivo do atirador, o ataque e os conflitos decorrentes marcaram a divisão religiosa.
“Quem está chamando isso de crime individual não consegue explicar por que atiraram contra um grupo de pessoas que deixava a igreja, após uma grande celebração religiosa, nem qual seria o verdadeiro motivo, já que o homem que cometeu o estupro não era um extremista religioso e sim um garoto violento”, escreveu Salam Ahmed Salama, responsável pelo editorial do jornal independente “Shorouk”.
Nag Hammadi tem cerca de 50.000 habitantes, fica a aproximadamente 60 quilômetros ao norte de Luxor, local do famoso Vale dos Reis. É um centro comercial que abraça o Nilo, em um ponto onde o rio é amplo e o horizonte é cercado de morros cor de areia. As ruas estão cheias de táxis, charretes e vendedores de frutas. A cidade é cravada de minaretes e torres de igrejas. Cerca de 10% de seus habitantes são cristãos.
“Todo mundo vive junto aqui; não temos problemas”, disse Korashi Ali Mahram, 22, funcionário de uma empresa farmacêutica que tem um depósito na rua Central. Ele e 11 colegas estavam descansando do lado de fora certa tarde. Metade deles era muçulmana, a outra era cristã. “Eu pessoalmente tenho amigos cristãos”, disse Mahram, sorrindo para Sami Haroon, um cristão ao lado dele. “Não tenho medo. Peço a ele que traga comida para nós, e comemos juntos.”
Todos os homens concordaram e sorriram.
O que ele quis dizer é que, pela superstição, muitas pessoas têm medo de comer com alguém de outra fé, como se aquilo pudesse levá-las a se converterem. É um rumor disseminado com a mais forte seriedade.
Na vida diária, as divisões seculares podem ser sutis. As pessoas trabalham juntas, estudam juntas, mas têm vidas separadas. Os bairros são integrados, mas as vidas privadas são segregadas. A tensão cresce quando falam de vídeos de telefone celular mostrando garotas muçulmanas com garotos cristãos, ou quando pais cristãos reclamam que os filhos são forçados a estudar o Alcorão nas escolas públicas.
O grupo diante do depósito, pouco a pouco admitiu que não havia muita mistura em Nag Hammadi. “Estamos separados”, disse Essam Atef, 32, cristão que dirige a empresa farmacêutica. “Quando há um casamento, você oferece suas congratulações e, se alguém fica doente, você talvez visite, mas vivemos separados aqui”.
Todos os homens concordaram.
O ataque a tiros ocorreu em uma rua próxima de onde esses homens trabalham, uma área agora cheia de policiais, agentes de segurança e vigias com rádios.
Muitos dizem que essa abordagem do governo –que trata todas as crises como um problema de segurança- tende a agravar as tensões.
Um grupo de cristãos e muçulmanos concordou em conversar com o repórter sobre a vida aqui, sobre as relações entre as religiões e sobre seu governo. Mas eles preferiram se reunir em um local privado fora dos limites da cidade.
Havia cinco cristãos e três muçulmanos. Todos concordaram que as relações entre as fés ia bem em uma base diária. Um advogado cristão, Tharwat Shaker, disse que seus clientes eram na maioria muçulmanos. Um empresário cristão, Maged Tobya, disse que a maior parte seus funcionários era muçulmana. Uma mulher muçulmana, Wafaa Rashad, disse que uma de suas melhores amigas era cristã.
Contudo eles também disseram que havia uma tensão entre as religiões, especialmente entre os jovens, e falaram da responsabilidade do governo na questão.
“Os corpos do governo não deveriam dizer que um cristão violentou uma muçulmana, deviam dizer que um homem estuprou uma mulher. A religião no Egito não é como era antes. Costumava ser um elemento unificador”, disse Rashad, assistente social que dirige uma organização de mulheres na cidade.
Michael Slackman
Em Nag Hammadi (Egito)
Fonte: The New York Times