O papa Bento 16 pediu aos bispos irlandeses, nesta terça-feira (16), que mostrassem “determinação e firmeza” ao confrontarem o escândalo de abuso sexual que estarrece a Igreja Católica Romana na Irlanda, mas não fez nenhum apelo explícito pela punição daqueles que perpetraram no que ele chamou de “crime abominável”.

Após dois dias de conversas a portas fechadas entre o papa e os bispos irlandeses, o Vaticano enviou um comunicado que dizia que o escândalo havia iniciado uma “crise séria”, que “levou a uma quebra de confiança na liderança da Igreja”.

Mas o comunicado provavelmente não satisfez as vítimas de abuso que pediram por mais renúncias de clérigos sêniores envolvidos em acobertar décadas de abuso sexual de crianças e jovens cometido por padres.

Mesmo com as conversas no Vaticano em andamento, John Kelly, fundador de um grupo de vítimas chamado Irish Survivors of Child Abuse, escreveu em uma carta ao papa, divulgada em Londres: “Os poderes seculares na Irlanda parecem não conseguir trazer à justiça civil alguns daqueles que cometeram atos de desprezível abuso, bem como aqueles que ajudaram com atos de omissão, ou até de conivência direta após o fato”.

“Além disso, as ordens religiosas às quais essas pessoas pertencem permanecem intactas e continuam a operar dentro e fora do Estado”, disse a carta.

Quatro bispos irlandeses apresentaram sua renúncia após o escândalo, mas o papa aceitou somente uma. Um porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi, disse que o assunto de outras renúncias de bispos “não foi abordado” nas conversas no Vaticano, relatou a The Associated Press.

O papa se encontrou individualmente com 24 bispos irlandeses após um relatório de novembro do ano passado afirmar que a igreja na Irlanda escondeu o abuso infantil em Dublin durante quase 30 anos até 2004. Um relatório independente lançado em maio descrevia décadas de abuso sexual e físico contra crianças que estudavam em internatos dirigidos pela Igreja no país.

As conversas foram um prelúdio para a publicação de uma carta pastoral do papa para os católicos irlandeses que, segundo o comunicado, seria divulgada nas próximas semanas. O documento será a primeira declaração papal do tipo que trata especificamente de pedofilia, disseram especialistas em Vaticano.

Nas conversas com o papa, “os bispos falaram de forma franca sobre seus sentimentos de dor e raiva, traição, escândalo e vergonha manifestados a eles em diversas ocasiões por aqueles que sofreram abusos”, disse o comunicado.

Mas os bispos insistiram que “ainda que não houvesse dúvida de que erros de julgamento e omissões estejam no cerne da crise, medidas significativas foram tomadas para garantir a segurança de crianças e jovens”.

Os bispos também prometeram “seu comprometimento com a cooperação junto às autoridades legais” na República da Irlanda e na Irlanda do Norte “para garantir que os padrões, políticas e procedimentos da igreja representem as melhores das práticas nessa área”.

O comunicado dizia ainda: “sua Santidade observou que o abuso sexual de crianças e jovens não só é um crime abominável, como também um grave pecado que ofende a Deus e fere a dignidade do ser humano criado à sua imagem e semelhança”.

“Ainda que perceba que a penosa situação atual não será resolvida rapidamente”, disse o comunicado, o papa “desafiou os bispos a abordarem os problemas do passado com determinação e firmeza, e a encarar a crise atual com honestidade e coragem”.

O relatório divulgado em novembro passado horrorizou muitas pessoas, com revelações de graves abusos cometidos por padres.

Grupos que representam as vítimas manifestaram revolta pelo fato de o abuso ter continuado por tanto tempo, e eles pressionaram o papa para que ele ajudasse a levar os acusados a julgamento em cortes civis. O comunicado desta terça-feira não fazia referência direta a tais ações.

A revelação de décadas de abuso mostra uma igreja irlandesa com uma crise de fé que também poderia se tornar uma crise financeira, caso as vítimas busquem uma reparação financeira pelo que o comunicado chamou de “falha das autoridades da Igreja da Irlanda, durante muitos anos, em agir de forma eficaz ao lidar com casos envolvendo o abuso sexual de jovens”.

De acordo com a agência de notícias italiana ANSA, Lombardi, o porta-voz do Vaticano, disse em uma coletiva de imprensa que o comunicado mostrava uma indicação de “sincera autocrítica sobre o que aconteceu”.

Ele disse também que duvidava que a carta pastoral do papa trataria da questão de relatar casos de abuso sexual para autoridades judiciais por causa de diferenças na legislação nacional.

Falando na mesma coletiva de imprensa, o arcebispo Sean Brady, líder da Igreja Católica da Irlanda, disse que o papa havia confrontado a questão irlandesa com “indignação e preocupação, mas também nos incentivava a renovar nossa fé e continuar nossa missão”.

Fonte: The New York Times

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