Nesta terça-feira (17/10) o primeiro-ministro britânico, Tony Blair (foto), mergulhou em um debate acalorado e cada vez mais controvertido a respeito dos véus que cobrem a face inteira, usados por certas mulheres muçulmanas britânicas, afirmando que eles são uma “marca de separação”.

Essa foi a primeira vez em que Blair apoiou de forma tão explícita Jack Straw, o líder da Câmara dos Comuns, que despertou a ira muçulmana neste mês ao afirmar que não acredita que as mulheres devam usar o véu que cobre a face inteira, uma peça na qual só há uma estreita abertura para os olhos. Straw pediu às mulheres muçulmanas que se reuniram com ele que removessem os véus, argumentando que o vestuário impede a comunicação e isola quem o usa.

“Isso é uma marca de separação, e é por isso que ele faz com que as pessoas de fora da comunidade islâmica se sintam desconfortáveis”, afirmou Blair em uma reunião com a imprensa, ecoando alguns dos sentimentos manifestados por Straw.

Os seus comentários refletem uma sensação de que a sociedade britânica caminha rumo a fissuras ainda mais profundas entre a minoria muçulmana e a maioria não muçulmana, o que faz com que se duvide de que a nação esteja preparada para assimilar os muçulmanos, e também de que os muçulmanos estejam dispostos a se adaptar aos valores britânicos.

A discussão se assemelha a polêmicas públicas ocorridas na França, na Turquia e em outros países sobre os véus, embora no Reino Unido a discussão se limite praticamente ao uso do véu de face inteira, ou niqab.

“Ninguém aqui quer dizer que as pessoas não têm o direito de usar o véu”, afirmou Blair. “Isso seria demais. Mas creio que precisamos enfrentar o problema relativo à forma de integrarmos as pessoas apropriadamente à nossa sociedade”.

Há sinais de que a polêmica se disseminou ainda mais pela Europa. Em uma entrevista na Itália, o primeiro-ministro Romano Prodi disse na terça-feira que as mulheres não deveriam se esconder por trás de véus.

“A mulher não pode cobrir a face; Ela precisa ser vista”, disse Prodi a Reuters. “Creio que isso é uma questão de bom senso. É algo importante para a nossa sociedade”.

Nas sociedades muçulmanas, o véu de face inteira é usado às vezes para ocultar a mulher dos olhares de homens que não pertencem a sua família. O debate sobre o seu uso por um pequeno grupo de muçulmanas britânicas se cristalizou em torno de Aishah Azmi, uma assistente de ensino que foi suspensa por um conselho local por se recusar a remover o véu de face inteira durante a aula em presença de professores do sexo masculino.

Blair disse ser capaz de “entender a razão” pela qual Azmi foi suspensa do seu emprego em uma escola da Igreja Anglicana em Dewsbury, Yorkshire, onde existe uma substancial minoria muçulmana. Poucas horas depois, os advogados da mulher divulgaram uma declaração acusando Blair de interferir em um caso da justiça trabalhista e exigindo uma retratação.

“Temos que lidar com o debate”, disse Blair. “As pessoas precisam ter certeza que a comunidade muçulmana em particular, mas na verdade todas as comunidades de minorias, adota o equilíbrio correto entre integração e multiculturalismo”.

Esse debate é visto pelos muçulmanos como um símbolo do estigma que eles enfrentam em meio à maioria não muçulmana.

Muhammad Abdul Bari, o secretário-geral do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, disse em uma carta pública que alguns muçulmanos pensam em mudar de nome “para evitar observações anti-islâmicas”.

“É isso o que acontece quando uma comunidade é tratada de forma diferenciada por aqueles que detêm o poder”, reclamou ele.

Os não muçulmanos afirmam que isso demonstra uma relutância dos cerca de 1,6 milhão de muçulmanos – 3% da população – em cederem pelo bem da harmonia social. David Davis, o porta-voz da oposição conservadora na questão de assuntos internos, afirmou no último final de semana que os muçulmanos britânicos se arriscam a enfrentar um “apartheid voluntário” ao exibirem símbolos de separação como o véu de face inteira.

Esse fosso entre as duas culturas vem se ampliando desde os atentados a bomba perpetrados em Londres em 7 de julho de 2005 por quatro muçulmanos britânicos, mas a discussão ficou mais ácida nas últimas semanas. Depois que Straw questionou o uso do niqab no início de outubro, um ministro da Educação do governo, Phil Woolas, foi mais longe na semana passada, pedindo que Azmi fosse demitida. Outros ministros do governo, incluindo agora Blair, também entraram no debate.

A discussão transborda para a questão mais ampla do envolvimento do Reino Unido com a campanha contra o terrorismo e a guerra no Iraque. Blair e outros políticos dizem que os muçulmanos precisam se empenhar mais para policiar as suas próprias fileiras, enquanto alguns muçulmanos afirmam que a participação militar britânica no Iraque e no Afeganistão acelera a radicalização de jovens muçulmanos como aqueles que realizaram os ataques a bomba em Londres.

Na semana passada, o novo comandante do exército britânico, general sir Richard Dannatt, declarou que as tropas britânicas deveriam ser retiradas do Iraque “em algum momento próximo”.

Mas Blair disse na terça-feira: “Se nos retirarmos de qualquer dos dois países antes que a tarefa seja concluída, deixaremos para trás uma situação na qual os indivíduos que estamos combatendo em todos os lugares, incluindo os extremistas no nosso próprio país, ficarão encorajados e fortalecidos, e não podemos permitir que tal coisa aconteça. Portanto, temos que garantir que a tarefa seja terminada”.

Fonte: The New York Times

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