A Espanha foi condenada a indenizar um pastor que não conseguiu se aposentar, pois, até 1999 os ministros evangélicos não podiam contribuir para a Seguridade Social, apenas os padres.
A Espanha resistiu durante anos de democracia a reconhecer a pluralidade religiosa, em benefício da igreja Católica, que até 1976 foi a única legal. Os oito magistrados que formam a terceira sala do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo (França), assim o estabeleceram em uma sentença na qual condenam o Estado a pagar 9 mil euros ao pastor da igreja Evangélica Francisco Manzanas Martín, porque o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) o “discriminou” com relação aos padres católicos, ao lhe negar uma pensão por aposentadoria de 398,44 euros [cerca de R$ 900,00].
A legislação espanhola, destaca a decisão, prevê por diversas vias que os sacerdotes que desempenharam a atividade antes de sua integração ao regime da Seguridade Social podem, ao contrário dos pastores evangélicos, contabilizar aqueles anos de ministério para o cálculo da aposentadoria. “A diferença de tratamento entre situações similares se baseia unicamente em razões de confissão religiosa.”
A decisão não exclui a possibilidade de um acordo entre o Estado e o demandante sobre a pensão e abre uma porta para indenizar 150 pastores que, como ele, não tinham anos suficientes de contribuição devido a sua situação peculiar.
O pastor Manzanas recorreu à justiça e o Juizado Social 33 de Barcelona lhe deu razão em 2005, argumentando que a diferença de tratamento infringia “o caráter aconfessional do Estado espanhol estabelecido pela Constituição de 1978”. O INSS recorreu diante do Superior Tribunal de Justiça da Catalunha, que anulou o julgado em primeira instância com o argumento de que a inclusão dos pastores protestantes no regime geral da Seguridade Social só ficou estabelecida em 1999, mediante um acordo de cooperação entre o Estado e a Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede) e que, por outro lado, os privilégios ou pensões das hierarquias católicas procediam de um convênio anterior, os chamados Acordos de 1976 e 1979 entre a Espanha e o Vaticano. O afetado recorreu sem êxito ao Tribunal Constitucional.
Francisco Manzanas Martín nasceu em 1926 e vive em Barcelona. Entre novembro de 1952 e junho de 1991, exerceu como pastor da igreja Evangélica e durante esses anos recebeu uma retribuição econômica de sua igreja, mas não pôde contribuir para a Seguridade Social porque essa possibilidade estava vedada pela legislação vigente. Manzanas também havia trabalhado e cotizado como assalariado entre março de 1974 e setembro de 1978, sem abandonar seu ministério pastoral.
Em seu litígio contra a Espanha no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Manzanas, além de se queixar da “maneira diferenciada e discriminatória” com que foi tratado diante dos padres católicos, denunciava que não lhe permitiram completar o período de contribuição mínima exigido para ter direito à pensão, como se havia feito com milhares de padres católicos secularizados e deixados pelos bispos nas mãos de Deus. Como o pastor Manzanas há outros 150 pastores evangélicos, na maioria em idade muito avançada. Outros 30 ou 40 morreram sem ver resolvida sua reclamação.
Pelo menos três ministros da Justiça no governo de Zapatero tiveram em mãos relatórios de seus assessores religiosos advertindo que a Espanha perderia esse longo litígio e que, portanto, se deveria encontrar um acordo satisfatório para as partes. Os pastores evangélicos mais jovens puderam se cotizar ao INSS desde 1999, por um acordo do ano anterior plenamente vigente.
O tribunal recorda que antes que fosse promulgada a Constituição o real decreto 2398/1977 que regulamenta a Seguridade Social do clero “integrou de maneira imediata” os padres católicos, e só em 1999, 22 anos depois, os evangélicos. O legislador espanhol “demorou muito para integrar os pastores evangélicos ao regime da Seguridade Social e reconhecer seu direito de receber as mesmas prestações que os sacerdotes católicos”. “A diferença de tratamento entre situações semelhantes se baseia unicamente em razões de confissão religiosa”, conclui o tribunal.
“Nenhum governo reparou o agravo”
Francisco Manzanas tem 85 anos e recebe a notícia feliz, mas com um toque de desencanto que não consegue dissimular. Muito doente há vários anos, resiste com coragem a um câncer. Seu filho David, de 56 anos, também pastor da igreja Evangélica, diz: “Hoje é um dia de alegria para minha família, especialmente para meu pai. O tribunal de Estrasburgo lhe deu razão. Hoje também é um dia importante para a igreja Evangélica espanhola, que vê esse agravo histórico resolvido pelo tribunal diante da incapacidade dos governos desde a reinstauração da democracia. Nem os governos da UCD, nem os do PSOE, nem os do PP foram capazes de reparar essa discriminação dos pastores protestantes frente os sacerdotes católicos. Agora só falta que, em meio a uma onda de cortes, o governo atenda às exigências de Estrasburgo. Esperamos que sim.”
Até 1999 não se permitiu que os ministros evangélicos contribuíssem para a Seguridade Social. No entanto, o clero católico diocesano contribui desde 1977 e também pode fazê-lo retroativamente por períodos anteriores a essa data, para alcançar o direito de obter pensões ou outras prestações da Seguridade Social. Aos ministros evangélicos ainda não se reconhece esse direito de contribuir nem computar os períodos anteriores a 1999, e por isso os pastores que exerceram na época da ditadura se veem prejudicados. Esse é o caso do pastor Manzanas.
A explicação que o governo deu para justificar o atraso aponta que esses 22 anos (de 1977 até 1999) foram necessários para conduzir as negociações com as igrejas evangélicas que não estavam arraigadas na Espanha. Mariano Blázquez, secretário-executivo da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha, rejeita essa explicação: “As negociações ocorreram ao mesmo tempo que com o clero diocesano, mas a Espanha dilatou sem razão por anos e anos esse assunto porque não quis incorporar esse coletivo, ou pretendeu realizá-lo em condições injustas”. E acrescenta: “É triste que o governo tenha que se ver obrigado por uma sentença. Espero que agora se possa desbloquear a situação”.
[b]Fonte: El País[/b]