Toda vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga os resultados do censo nota-se uma mudança constante na esfera religiosa. Nesse movimento das almas, a Igreja Católica tem sido a principal prejudicada. A cada cinco anos, ela está encolhendo, em média, 5%.
Em 1950, de acordo com o censo, o rebanho católico reinava absoluto. Cerca de 93% da população se declarava católica apostólica romana. De lá para cá, esse índice tem caído constantemente.
E o rumo tomado por ex-católicos é o mais variado. A maior parte tem procurado refúgio nas igrejas evangélicas, principalmente nas pentecostais. Mas outras religiões, como o espiritismo, por exemplo, também têm lucrado com o êxodo no catolicismo.
De acordo com o Censo 2000, o último divulgado pelo IBGE, a proporção de católicos havia caído 20% em comparação aos dados de 1950. No entanto, pesquisa divulgada no ano passado pela própria Igreja Católica, apontou que o percentual havia caído de 73,6% (Censo 2000) para 67,2%. E que o número de evangélicos havia saltado para 18% contra os 15,5% do IBGE. Os que se declararam sem religião passaram de 7,4% para 7,8%, de acordo com a pesquisa do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris).
Mas o que leva as pessoas a mudarem de religião? O que elas buscam de diferente? Na opinião do antropólogo Cláudio Bertolli Filho, muitas dessas pessoas estão em busca do imediatismo, de respostas para o seu dia-a-dia, como a conquista de um emprego ou a cura de uma doença. Segundo ele, é exatamente isso que as igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, exploram e por isso atraem tantos fiéis. Para Bertolli, as religiões tradicionais, como o catolicismo e parte do protestantismo, estão em decadência porque são mais racionais.
Mas existem também inúmeros casos de ovelhas que trocam de rebanho por motivos sentimentais. Por causa de uma namorada ou namorado, elas começam a freqüentar uma igreja diferente daquela que estavam acostumadas e acabam se identificando com a nova doutrina.
Foi o que aconteceu com o bancário aposentado Erik José Braga das Neves, 61 anos. Até os 16 anos, ele freqüentou a Igreja Católica. Chegou até mesmo a ser coroinha durante cinco anos, em Piratininga. A mãe era católica praticante e a irmã foi presidente da Cruzada Eucarística.
Insatisfeito com a doutrina católica, Erik começou a buscar “algo mais”. Foi apresentado ao espiritismo, mas achou a doutrina “um pouco vazia”. Nesse tempo, começou a namorar uma garota de família evangélica (com quem viria a se casar mais tarde) e passou a estudar a Bíblia. Segundo ele, durante esses estudos descobriu “falhas” nos pilares de sustentação do catolicismo e do espiritismo.
“Descobri que aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo. Ou seja, não há reencarnação. E que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens e não Maria ou os santos”, sustenta Erik.
A decisão de abandonar o catolicismo e se tornar um evangélico não foi bem aceita pela família. Entretanto, Erik conta que, 14 anos mais tarde, a mãe e a irmã também tornaram-se evangélicas.
A história do médico Daniel Ditzel Santos, 32 anos, é quase idêntica. Ele nasceu e cresceu dentro de uma família católica. O pai estudou para ser padre, mas não chegou a concluir o seminário. Uma namorada evangélica e a vontade de ter um relacionamento mais profundo com Deus o levou a ler a Bíblia e, mais tarde, a freqüentar uma igreja protestante. Até hoje, a família ainda não concorda com a mudança. Para o médico, será preciso um trabalho gradativo de convencimento dos pais.
Para antropólogo, os fiéis querem resposta imediata
Toda religião tem uma eficácia simbólica. As pessoas mudam tanto de igreja porque elas estão buscando um grau ótimo dessa eficácia. Elas buscam respostas para questões que vão desde de onde vieram e para onde vão até como resolver seus problemas mais imediatos de saúde, familiares ou como conseguir um emprego. As pessoas vão tentando, até achar essas respostas.
Na avaliação do professor e antropólogo Cláudio Bertolli Filho, esse é um dos motivos que levam as pessoas a mudar tanto de religião. Segundo ele, religiões tradicionais como o catolicismo e parte do protestantismo, estão em decadência porque buscaram um racionalismo cada vez maior, sendo que a eficácia simbólica exige uma irracionalidade.
Enquanto isso, outras igrejas procuraram levar a religião para mais perto do povo. “Quer algo mais próximo do povo do que a igreja prometer emprego, prosperidade ou alguém dizer que a vizinha botou olho-gordo e que isso está prejudicando a vida dela?”, cita Bertolli.
“A vida após a morte pode ter um significado para as pessoas, mas não a importância sobre o que vou comer amanhã, como vou sobreviver. Elas estão atrás de respostas imediatas para seus problemas”, complementa.
Bertolli sustenta que a abertura política, iniciada em meados dos anos 80, também ajudou na transformação da sociedade.
“Tinha gente que tinha vergonha de falar que era protestante”, relembra o antropólogo. Hoje, segundo ele, muitos evangélicos falam de sua opção religiosa com orgulho. “Isso está ligado à abertura política. Nós nos sentimos muito mais livres para assumir nossas escolhas e dizer ‘eu sou homossexual, sou umbandista, sou espírita’”, exemplifica.
Espíritas são mais escolarizados
Entre os maiores grupos religiosos pesquisados pelo IBGE, os espíritas são os mais escolarizados, atingindo, em 2002, 9,6 anos de estudo. Depois vêm os adeptos de umbanda e candomblé, com 7,2 anos de estudo.
Os evangélicos pentecostais têm o nível escolar mais baixo (5,3 anos de estudo), o que mostra o avanço dessas igrejas entre pessoas de nível social de menor poder aquisitivo. São consideradas pentecostais igrejas como Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, que valorizam cura e profecia.
Entre os evangélicos tradicionais (como batistas e presbiterianos), a média é de 6,9 anos de estudo. Entre os católicos, a média é de 5,6 anos.
De acordo com o IBGE, os espíritas têm uma prática religiosa muito ligada à leitura, à filosofia. Esse dado é confirmado pelo presidente da União das Sociedades Espíritas de Bauru, Edgar Miguel.
Segundo ele, o espiritismo tem como base três grandes pilares: o religioso, o científico e o filosófico. Edgar diz que isso explica a presença de tantas livrarias espíritas. Os adeptos estão sempre se aprimorando no conhecimento da doutrina.
Foi através da leitura de livros espíritas que Edgar encontrou as respostas que procurava. “Comecei a questionar alguns dogmas (do catolicismo) e as respostas não me deixaram satisfeito. Obtive isso na doutrina (espírita)”, comenta ele. Três anos depois de ter aceitado convite para ser coroinha da igreja que freqüentava, Edgar deixou o catolicismo para se aprofundar no espiritismo. “Hoje, as perguntas fundamentais foram todas respondidas.”
“Não tenho críticas ao catolicismo, apenas ele deixou de me satisfazer. (No espiritismo) minha vida melhorou muito”, afirma.
Fonte: Jornal da Cidade de Bauru