Em Fukushima, no Japão, os cristãos derrubaram os muros que os separavam uns dos outros e encontraram novas maneiras de amar ao próximo, servindo as pessoas que perderam tudo no tsunami de março de 2011.

Uma noite, durante o acidente nuclear de Fukushima Daiichi, em março de 2011, Jesus apareceu para o pastor Sumiyoshi em um sonho. “Eu vi Jesus se aproximar da usina nuclear, caminhando em sua direção. Ele me perguntou: ‘Você vai embora?'”

Em Fukushima, a usina foi severamente danificada devido a falhas que já vinham acontecendo há semanas, e estavam fora de controle após o terremoto e o tsunami. Esse tornou-se o mais grave acidente nuclear desde Chernobyl, em 1986. Cerca de 20 mil pessoas morreram e centenas de milhares ficaram desabrigadas.

A pergunta feita por Jesus ao pastor o fez lembrar-se de quando Jesus perguntou a seus discípulos, antes de ser crucificado, se eles o abandonariam. Sumiyoshi disse: “Essa lembrança me fez tomar a decisão de permanecer em minha comunidade”.

“As pessoas diziam: ‘A usina é muito perigosa’ ou: ‘Teremos outro tsunami’. Eu me perguntava a que voz deveria ouvir”. Ele disse que escolheu ouvir a voz de Deus, e não a dos homens. “Eu aprendi que é esse o desafio em relação à nossa fé”.

Os acontecimentos de março de 2011, chamados de “a catástrofe tripla” do Japão, marcaram a catástrofe mais cara dos registros históricos. As perdas chegaram a mais de 235 bilhões de dólares.
Quase um milhão de pessoas foram obrigadas a deixarem suas casas, incluindo quase 100 mil pessoas que em um piscar de olhos tiveram que se afastar para cerca de 13 quilômetros de distância da usina nuclear. O Japão, uma das maiores potências econômicas do mundo, se curvou diante do desastre. Os líderes declararam estado de crise pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.

[b]Um país enigmático
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Vinte e quatro horas depois do terremoto, igrejas locais, agências e grupos de assistência mobilizaram milhares de voluntários de mais de 80 nações.

Mais de dois anos após a catástrofe tripla, o nível de engajamento cristão na zona de desastre permanece significativo. Não há precedentes para esse tipo de esforço religioso após desastres naturais na história de 2.000 anos do Japão.

Depois do sonho, Sumiyoshi e sua mulher decidiram ficar e servir sua comunidade. Sua pequena igreja local, Nakoso Christ Church, começou a servir alguns milhares de pessoas em uma cidade remota, esquecida por grandes agências e serviços do governo.

O trabalho de assistência realizado pelas igrejas locais está acontecendo enquanto o governo responde às necessidades da população de maneira bastante lenta. Pelo menos 200 mil desabrigados, alguns expostos a níveis elevados de radiação, ainda estão morando em abrigos temporários.

O Japão é um país enigmático para o mundo que o observa, especialmente aos olhos de antropólogos, missiólogos, profissionais de desenvolvimento e líderes de agências humanitárias. É uma das nações mais ricas, com uma economia de quatro trilhões de dólares – e com uma das maiores taxas de suicídio. Apresenta grandes conquistas nas áreas de tecnologia e ciência. Mas Shinto, a tradicional religião japonesa que definiu o imperador como chefe de Estado e deus, ainda desempenha um papel cerimonial e cultural muito influente.

Apenas um por cento dos japoneses afirmam ser cristãos. Entre os líderes cristãos, o Japão tem o estigma de ser “um solo árido para plantar o evangelho”. Esse solo pode ter se tornado mais fértil depois do desastre. Atsuyoshi Fujiwara, teólogo e pastor fundador da Covenant of Grace Church, em Tóquio, acredita que os eventos de 2011 são o “quarto encontro do Japão com o cristianismo”.

Nos três primeiros encontros históricos, Fujiwara diz, os japoneses o rejeitaram. “Cada período foi diferente. No entanto, havia um padrão. O cristianismo sempre chegava em períodos caóticos, quando o Japão perdia a paz e a ordem. Inicialmente, o país aceitou o cristianismo, mas gradualmente passou a rejeitá-lo à medida que recuperava sua paz, ordem e confiança”. (Veja “Um novo encontro com Jesus”, p. 42).

A catástrofe tripla do Japão levou líderes de assistência e desenvolvimento cristãos a repensarem a maneira como trabalham em seus ministérios no país. Com base em minha pesquisa de campo em Fukushima com o Marketplace Institute, grupo de reflexão teológica público da Regent College, em Vancouver, questões complexas surgiram após o desastre: O que os cristãos podem trazer, com exclusividade, a uma nação riquíssima, atingida por grandes desastres naturais e hostil ao crescimento do cristianismo em seu solo? Qual é o papel adequado da assistência cristã em um momento de grande necessidade?

Embora essas questões sejam específicas para o Japão, as lições aprendidas são aplicáveis a todos os contextos de assistência. A catástrofe de Fukushima apenas aumentou a necessidade de mudanças na prática de assistência e desenvolvimento cristão.

De abril de 2011 a abril de 2012, o Marketplace Institute convocou reuniões, realizou pesquisas de campo e observou os trabalhos de assistência para explorar essas questões. O instituto fez parceria com a Food for the Hungry (EUA e Canadá), Disciple Nations Alliance (EUA e Coréia do Sul) e a Friends with the Voiceless International (Japão).
No campo, prestamos atenção especial em três aspectos negligenciados pelos trabalhos de apoio: espiritualidade, história e sustentabilidade.

[b]Motivos espirituais
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Há décadas, a assistência para desastres tem sido igualada a assistência física voltada à necessidade, sem dar muita atenção a fatores espirituais.

No entanto, ao longo do tempo, o trabalho de assistência tem ido além da recuperação física. Pesquisas sobre pessoas com graves deficiências devido a acidentes mostrou que uma perspectiva espiritual ajuda a aumentar a resistência e a recuperação das vítimas (resultados que são explorados no livro de 2012, Sacred Aid: Faith and Humanitarianism).

Como um ponto de vista espiritual pode ajudar os cristãos na formulação de uma resposta a desastres quando as crenças da maioria são hostis ao cristianismo? Na fase inicial de resposta a desastres, a Marketplace Institute visitou igrejas locais e comunidades dentro de um raio de 56 km da usina de Fukushima. O critério de discernimento era simplesmente este: “Ore, ouça, aja”. Nós descobrimos que muitos dos que decidiram ficar na região, em vez de sair, fizeram isso por causa de sonhos muito reais, como o do pastor Sumiyoshi, ou a partir de convicções decorrentes de textos bíblicos específicos.

Por exemplo, no verão de 2011, pastores japoneses se reuniram para o primeiro fórum sobre o futuro de Fukushima e se basearam em Lamentações 3:19-23. Um dos vários pastores que oraram em voz alta, disse: “Senhor, tu aceitas corações quebrantados e humildes. Destrua meu orgulho e santifique-me como um instrumento que possa ser usado por ti”. Antes do desastre, havia cerca de 100 igrejas em Fukushima. Apenas 20 delas, todas com 30 membros ou menos, permanecem no local.

No entanto, sonhos e convicções nem sempre contam no âmbito da assistência a desastres oferecida por profissionais pagos. Não existe um método simples para apreender motivos imateriais, ou uma estrutura para medir o sucesso ou fracasso das ações com base nos sonhos, confissões ou esperanças de um pastor. Nós descobrimos que muitos grupos de assistência e desenvolvimento carecem de uma capacidade para lidar com as dinâmicas espirituais de como as pessoas reagem após um grande desastre, como, por exemplo, as pessoas lidam com a culpa do sobrevivente ou com o estresse pós-traumático.

[b]Qual história é importante?
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Tempo e escala são muito importantes em operações de assistência. Eles costumam determinar quanto custará a entrega dos resultados. Mas quando essas operações de ajuda humanitária se concentram apenas em medidas práticas, o trabalho de salvar vidas é reduzido a alimentar os famintos, fornecer moradia aos desabrigados e dar água a quem tem sede.

A linguagem das organizações é o que conduz às necessidades mais importantes, ao tipo de ajuda que tem mais valor funcional, a como uma intervenção deve acontecer e como seu sucesso deve ser medido. A “história” de uma organização molda a maneira como ela fornece assistência e como mede resultados.

O paradigma que conduz e controla todo esse processo é o custo-benefício. É o paradigma do quanto mais rápido e maior, melhor. Eu chamo isso de “compaixão humana no estilo McDonald’s”: oferecer o máximo possível, o mais rápido possível, para o maior número de pessoas possível, com o custo mais baixo possível. (O sociólogo George Ritzer, em seu livro de 1993, “The McDonaldization of Society”, afirma que as metas de eficiência, a calculabilidade, a previsibilidade e o controle da indústria de fast-food se infiltraram em outros setores sociais e desumanizaram as pessoas).

[img align=left width=300]http://cristianismohoje.com.br/media/k2/items/cache/18ff4d910cedae8e6e6069cb21af4163_S.jpg[/img]No primeiro ano após o desastre de 2011, mais de cinco bilhões de dólares em assistência foram arrecadados, deixando os líderes locais da zona de desastre impressionados. Em retrospecto, especialistas em assistência perceberam que havia muitos casos de incompatibilidade entre a necessidade local e a assistência disponível, assim como os mesmos programas indesejáveis de sempre e um vazio na liderança.

Mas há exemplos populares que mostram o contrário e japoneses cristãos locais estão abrindo caminho para novas abordagens. Uma delas é da Grace Garden Chapel, em Koriyama, uma cidade de médio porte, 65 km a oeste de Fukushim Daiichi. O maior abrigo da região foi localizado perto dessa igreja.

Após as primeiras semanas de voluntariado no abrigo, os pastores decidiram ajudar um número limitado de famílias, apenas aquelas que eles poderiam ajudar mantendo relacionamentos pessoais. No processo de seleção, eles escolheram ajudar aos desabrigados que desejavam restabelecer suas vidas para sempre.

Essa era uma maneira “cara” de se proporcionar auxílio, mas os pastores queriam assegurar que as relações familiares estavam sendo respeitadas e que estavam sendo oferecidos cuidados pessoais e emocionais adequados. Ao longo de toda a operação do programa, a Grace Garden se agarrou a um princípio: mantenha-se motivado a amar ao próximo e não use bens materiais para ganhar convertidos.

A equipe pastoral marido-e-mulher foi convencida por Jeremias 29. (O nome de sua igreja veio do jardim dos judeus exilados na Babilônia, mencionado nos versículos 4-5). Essa passagem influenciou a maneira como os voluntários responderam às necessidades dos sobreviventes, física e espiritualmente.

Outros exemplos vêm de voluntários treinados que usaram a imaginação para o desenvolvimento de novos programas: sessões de massagem de mão para desabrigados idosos e lavagem de pés, criação de cafeterias móveis e de espaços seguros para aconselhamento, restauração de álbuns de fotos danificados pela inundação, descontaminação de terrenos agrícolas, organização de acampamentos pós-trauma para crianças e de um festival de beisebol. (Veja “A beleza de coisas danificadas”, p. 44).

Pode ser difícil resistir à tentação de uma abordagem utilitarista, como sabem muitos especialistas em assistência. Mas quando a atenção pessoal, e até criativa, é colocada de lado em favor da eficiência, as comunidades afetadas não podem experimentar uma restauração plena ou uma mudança duradoura após um desastre.

[b]Mantendo a esperança
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A rápida intervenção após desastres é excelente para a obtenção de resultados mensuráveis a curto prazo, salvando inúmeras vidas. Mas a recuperação e a sustentabilidade a longo prazo são muito mais difíceis.
O conceito de “assistência de desenvolvimento” surgiu do desejo de especialistas em desenvolvimento de estabelecer mudanças duradouras. Isso significa colocar as comunidades afetadas por desastres no caminho do desenvolvimento sustentável.

Mas em Fukushima, afetada por um acidente nuclear e um desastre, os cristãos perceberam que não bastava que programas de desenvolvimento apenas “apertassem o botão do reset”, fazendo o país voltar a ser o que era antes. Nossa pesquisa foi conduzida por uma pergunta: Como grupos de assistência humanitária podem ajudar as comunidades a saírem de uma situação caótica e promover o desenvolvimento humano, e não o sucesso econômico ou individual?
Nossa pesquisa nos levou a Usuiso, uma pequena vila de pescadores bastante danificada pelo tsunami. Cerca de 200 casas foram perdidas e muitos moradores morreram. Antes do desastre, Usuiso estava envelhecendo, se encontrava em declínio econômico e estava socialmente inativa. Após o tsunami, o único ponto de referência da vila era uma pilha de detritos radioativos, que se destacava como uma montanha em meio à paisagem plana do local.

Nesse contexto desolador, a liderança de uma igreja, a Global Mission Chapel, na cidade vizinha de Iwaki, trouxe visão e esperança aos sobreviventes locais. Embora o prefeito tenha ido embora após o desastre, os membros da igreja começaram a servir em toda a pequena cidade, apesar de muitos deles terem também perdido famílias.

Em contraste com a lenta ação das autoridades da cidade de Iwaki, a igreja conquistou rapidamente a confiança dos moradores. Ao servirem em áreas afetadas pelo desastre, os membros da igreja conheceram desabrigados de Usuiso. Voluntários cristãos começaram a visitar a vila para orar pelo que restou. Os presbíteros da igreja apresentaram um projeto para uma nova vila, com casas restauradas, empresas, instalações educacionais e culturais e centros comerciais.

Em resposta ao desastre, a Global Mission Chapel mudou seu nome para Global Mission Center, porque, segundo eles, “Uma igreja é formada por pessoas, e não prédios”. Os membros comprometeram-se a mudar para Usuiso quando fosse apropriado e a ficar com os moradores para as gerações vindouras. Dois anos depois, havia um novo impulso para a restauração de Usuiso. Os membros da Global Mission Center tiveram essa visão de um novo Japão se levantando a partir de suas orações pelas pessoas que enfrentavam sofrimento.

De onde surge a esperança para sobreviventes de uma catástrofe? De onde vem o poder para restaurar e manter uma comunidade e uma nação? Talvez o segredo para a sustentabilidade e o impacto duradouro venha de uma comunidade formada por pessoas resistentes de uma igreja local e das convicções que elas estão dispostas a defender a todo custo.

O auxílio a situações como essa é algo complexo. Teologicamente, ele envolve a restauração de tudo que foi afetado e todas as relações que necessitam de reconciliação para que a comunidade se desenvolva em todas as áreas da vida (Colossenses 1:15-20).

Esse não é o trabalho de uma agência profissional, mas de pessoas comuns em uma igreja local, amando ao próximo por amor a Cristo. O trabalho de assistência cristã só acontece quando a igreja percebe sua missão de servir o mundo, doando-se aos outros e restaurando uma comunidade necessitada.

[b]Assistência a desastres 3.0
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Ao final do processo de um ano de assistência e parceria com igrejas locais em Fukushima, desenvolvemos a ideia da Assistência a desastres 3.0 – Assistência no âmbito das relações.

Em Assistência a desastres 1.0, a assistência foi sendo lentamente secularizada e tomada pela liderança profissional e burocrática. Em Assistência a desastres 2.0, estratégias e medidas voltadas ao mercado marginalizaram atos voluntários de caridade, misericórdia e justiça.

Em Assistência a desastres 3.0, a igreja local — e não apenas especialistas em assistência – trabalha na restauração de si mesma como instrumento escolhido de Deus para a saúde e o cuidado de uma comunidade, especialmente antes, durante e depois de um desastre. Essa ideia é muito mais intensa do que programas de extensão religiosos.

Ela coloca a igreja local onde ela deve estar, na comunidade e em meio à crise, não importa quão pequena essa igreja seja ou quão hostil seja o ambiente a sua volta. Ela promove relacionamentos em todos os níveis (social, econômico e institucional). Ela cria parcerias significativas centradas na igreja local em comunidades vítimas de calamidades em todas as fases de resposta a desastres.

Tudo começa dando atenção às vítimas, as ouvindo, ouvindo uns aos outros e à voz de Jesus. Também significa considerar possibilidades, e não apenas necessidades imediatas. O que me faz lembrar de Lamentações 3:19-21: “Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e do fel.Minha alma certamente disto se lembra, e se abate dentro de mim.Disto me recordarei na minha mente; por isso esperarei”.

A assistência no nível das relações é um ministério do Sábado Santo – entre a dor e o sofrimento da morte na Sexta-Feira Santa e a esperança da ressurreição no domingo de Páscoa.

Em uma manhã de domindo após a catástrofe tripla, houve um grande tremor. O pastor Sumiyoshi orou com sua congregação: “Tivemos outro terremoto esta manhã. Eu implorei a ti, Deus, para que não nos enviasse mais sofrimento. Porém, acreditamos que todas as coisas estão em tuas mãos. Assim como Jesus caminhou em direção à cruz há tanto tempo, ele caminha agora em direção àquela usina nuclear. Ele está se ajoelhando e orando por nós. Jesus prometeu que seu espírito estaria com cada um de nós. Nós temos tantas tristezas, sofrimentos e dor em nossas vidas. Graças à promessa de Jesus, podemos perseverar e ter esperança”.

[b]Fonte: Cristianismo Hoje[/b]

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