Martinho Lutero talvez não imaginasse, ao pregar – literalmente, com martelo e prego, na porta da igreja do castelo alemão de Wittenberg – as 95 teses que abalariam as estruturas da Igreja Católica e dividiriam o cristianismo, que suas contestações sobre a religião, tornadas públicas há 500 anos, teriam tanto impacto ainda hoje.
Para os luteranos, a Reforma Protestante levou a mudanças importantes em diversos aspectos da sociedade: além da religião, foco principal da revolta do então jovem monge, transformações na educação, na ética, na política e no trabalho também foram inspiradas pelos ideais protestantes. O marco do movimento foi 31 de outubro de 1517, dia em que Lutero pregou suas teses protestando contra uma série de pontos da doutrina da igreja da época.
— É muito difícil entender o que chamamos de Era Moderna sem a Reforma. Lutero abre um caminho muito amplo que vai conduzir a sociedade rumo às liberdades individuais. A Reforma traz liberdade de consciência ao cidadão, limita as autoridades políticas e religiosas — observa Ricardo Willy Rieth, doutor em história e vice-reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Presidente da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (Ielb), o pastor Egon Kopereck sustenta que Lutero foi um dos principais defensores da educação como direito de todos e dever do Estado:
— Lutero lutou muito pelo ensino, tanto que é considerado o pai da educação pública. Ele defendia, há 500 anos, que a partir da educação vem a mudança na sociedade e, assim, dizia para o governo investir mais, criticava o fato de se gastar mais com armamentos do que com escolas. Lutou também pelos direitos sociais, para que todos tivessem o respeito à vida em primeiro lugar.
O pastor Nestor Paulo Friedrich, presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), afirma ainda que a Reforma Luterana deu força à busca pela igualdade:
— A briga de Lutero era para que meninos e meninas tivessem acesso à escola, um desafio semelhante aos que temos ainda hoje em uma sociedade notadamente patriarcal: de lutarmos pelos mesmos direitos para homens e mulheres.
Sem conflitos com a Igreja Católica
Como as contestações do monge provocaram mudanças que ultrapassaram os muros da igreja – ou das igrejas, como passaria a ser a partir da Reforma Protestante —, os luteranos celebram os 500 anos do início do movimento desejando resgatar o legado deixado por Lutero para cristãos e não cristãos. A reforma, com o passar dos séculos, cruzaria também fronteiras, estendendo-se a outros países da Europa, chegando aos Estados Unidos e, mais recentemente, também de maneira significativa, à África e à Ásia.
No Brasil, onde chegou no início do século 19, com os imigrantes alemães, o luteranismo marca presença principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Ficam no Rio Grande do Sul, onde se estima que estão mais da metade das pessoas que se identificam como devotas dos ensinamentos de Lutero no país, as sedes nacionais das duas instituições luteranas brasileiras: a IECLB e a Ielb.
Os presidentes de ambas enaltecem ainda um ensinamento que defendem o reforço ainda hoje em muitos lugares: a luta para que políticos, autoridades em geral e todos os cidadãos vivessem de forma honesta, correta, buscando o bem-estar de todos, e não os próprios interesses em primeiro lugar.
— Foi o processo de liberação de um poder que era centralizador, político e religioso. Agora, a Reforma é uma cidadã do mundo, não somente patrimônio das igrejas luteranas— afirma o pastor Friedrich.
Das rusgas de meio milênio atrás com a Igreja Católica, os luteranos garantem que não restou animosidade: as divergências se limitam a entendimentos diferentes, mas que não mais levam ao conflito.
— Hoje vivemos um momento de muita tranquilidade. Temos nossas diferenças de ritual, de prática, de interpretação, mas há uma convivência tranquila, pacífica. Acima de tudo, somos cristãos — destaca o pastor Kopereck.
O que pregou Lutero
Lutero dedicou sua trajetória religiosa, iniciada em 1505, a buscar entender como a clemência de Deus seria alcançada. Viajando a Roma, o jovem monge foi confrontado com o comércio de indulgências, algo então comum em pontos da Europa. A “venda do perdão” era realizada diretamente pela Igreja Católica, em uma época em que enfrentava problemas financeiros e prometia até o regaste de mortos cujos parentes comprassem o a misericórdia divina.
Ao encontrar na Bíblia uma resposta que contradizia esse comércio, Lutero propôs debater o tema e contestou a prática em 95 teses, que foram divulgadas em 31 de outubro de 1517. A atitude repercutiu e, solicitado a se retratar, Lutero concordou em fazê-lo somente se suas teses fossem derrubadas com argumentos bíblicos. Foi expulso da Igreja, dando início a uma reforma que acabou por dividi-la.
Comemorações
Desde 2011, um grupo de trabalho vem se reunindo para organizar as comemorações da Reforma Protestante no Estado. Em outubro, mês que marca os 500 anos da Reforma Luterana, as igrejas Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Evangélica Luterana do Brasil intensificam as atividades que buscam relembrar a história de Martinho Lutero (1483-1546) e atualizar seus ideais. Veja as atividades ainda previstas
TERÇA (31), ÀS 20H30MIN
No dia em que se completam 500 anos da Reforma, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) fará um concerto, no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre. No programa, a Sinfonia nº 2 de Mendelssohn, conhecida como Lobgesang (em português, Canto de louvor).
Os ingressos podem ser adquiridos, antecipadamente, na Paróquia Matriz (IECLB), Paróquia Martin Luther (IECLB) e a Comunidade Cristo (Ielb). No dia, os ingressos estarão à venda no local dos espetáculo a partir das 11h. Custam R$ 30, com desconto de 50% para estudantes, seniores e sócios do Clube do Assinante ZH.
NÚMEROS
— Oficialmente, existem duas instituições luteranas no Brasil: a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (Ielb).
— São 1 milhão de membros no Brasil, concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
— No mundo, cerca de 70 milhões se denominam cristãos luteranos, com forte presença nos EUA e na Europa Ocidental.
Fonte: GauchaZH