Igrejas pentecostais de origem hispânica ocupam espaços políticos e ampliam sua influência nos EUA.

Uma semana antes de aprovada a reforma da imigração no Senado americano, 600 líderes latinos de igrejas evangélicas se reuniram em um hotel de luxo a duas quadras da Casa Branca, na Avenida K, reduto de lobistas em Washington. Entre os convidados estava Barack Obama – em viagem à Alemanha, ele não foi, mas fez questão de enviar o vice, Joe Biden, que discursou e passou a manhã com os pastores. No dia seguinte, os evangélicos dividiram-se em reuniões com os senadores de cada Estado. Na pauta, a reforma da imigração.

O texto final da lei havia sido submetido em primeira mão pelo próprio Obama, em encontro a portas fechadas no Salão Oval, a um grupo restrito, mas poderoso, de pastores latinos. A eles foi dada uma missão: pressionar o Senado a aprovar a reforma. O poder de influência da igreja evangélica latina é irrefutável e ascendente. Ela é o segmento religioso que mais cresce nos EUA.

Há 52 milhões de latinos vivendo no país. Ao contrário da população americana, majoritariamente protestante, eles ainda são católicos. O Vaticano, porém, perde cada vez mais fiéis entre os imigrantes nos EUA para as pentecostais (mais informações nesta página), mesmo fenômeno que ocorreu em seus países de origem, o Brasil entre eles.

Pesquisa do Pew Research mostra que o número de evangélicos é maior na segunda e na terceira geração de imigrantes, o que reforça a tendência. Cada vez mais jovens são atraídos para os cultos. Latinos têm mais filhos do que a população em geral e o bloco cresce em maior escala. Nascidos nos EUA, filhos e netos de imigrantes latinos já lideram grandes igrejas evangélicas. Seus fiéis frequentam mais os cultos e a religião tem um peso maior em suas vidas, segundo o estudo.

Seus pastores se tornaram líderes poderosos no comando de um eleitorado vital: o voto latino. Eles ganharam acesso sem precedentes à Casa Branca no governo Obama e já influenciam a política americana. À frente do encontro de pastores com Biden e senadores estava Luis Cortés, fundador da Esperanza, autodenominada “a maior organização do clero hispânico dos EUA”. Ele foi convidado pessoalmente pelo presidente para fazer a invocação no almoço privado de posse do segundo mandato, em janeiro – pela primeira vez liderada por um pastor evangélico latino.

Com ele, Gabriel Salguero, líder da Coalizão Evangélica Latina Nacional, foi o primeiro pastor latino a fazer um sermão na tradicional cerimônia inter-religiosa de posse do presidente na Catedral Nacional. Em abril, ele e a mulher, Jeanette, lideraram o culto de Páscoa na Casa Branca, também pela primeira vez simultaneamente em inglês e espanhol. As convenções dos partidos Republicano e Democrata foram lideradas por pastores latinos – Samuel Rodriguez e Salguero, respectivamente.

Cortés, Salguero e Rodriguez são rostos frequentes na Casa Branca. “Uma nova geração de dignatários evangélicos na cena política”, como colocou o jornal Chicago Tribune. Nos bastidores, Rodriguez é chamado de “Karl Rove hispânico”, referência ao estrategista das duas campanhas de George W. Bush – embora prefira se colocar como uma “mistura de Martin Luther King com Billy Graham (pregador batista americano, consultor de presidentes como Dwight Eisenhower, Richard Nixon e Bush filho, que o convocou para ajudar a moldar a política externa americana para o mundo muçulmano após o 11 de Setembro).”

Gel no cabelo, terno alinhadíssimo, sapato lustrado de bico fino e pinta de corretor de imóveis de Hollywood, o pastor californiano, descendente de porto-riquenhos, lidera as Assembleias de Deus da Costa Oeste, além de sua própria igreja em Sacramento, Califórnia. Ele também preside uma organização cristã e evangélica latina dos EUA, a Conferência Nacional de Lideranças Hispânicas Cristãs (NHCLC, na sigla em inglês), com 41 mil igrejas associadas e 16 milhões de seguidores. É o dobro dos 8 milhões de evangélicos latinos nos EUA, o que significa que atraem também fiéis de outras esferas, principalmente imigrantes africanos e asiáticos – em sua igreja no bairro de Little Italy, em Nova York, Salguero acaba de abrir novo horário para cultos em mandarim.

“Nós estimamos que pelo menos 30% dos nossos fiéis sejam imigrantes ilegais”, diz Rodriguez. Igrejas como a que ele lidera têm atraído fiéis não apenas com sermões eloquentes, como é de costume nos cultos latinos, mas com uma rede capilar de serviços sociais prestados aos ilegais. Com medo de procurar os órgãos oficiais, muitos imigrantes recorrem às igrejas.

“Para nós, a reforma da lei de imigração é uma questão de sobrevivência do cristianismo e do evangelismo na América”, diz Rodriguez, que lidera, ao lado de Cortés e Salguero, o lobby pela aprovação da lei. A conversa com o Estado é interrompida três vezes. A primeira, por um assessor de Obama, para dar um recado do presidente. “Ele (Obama) pediu para nos concentrarmos agora em garantir que o texto passe na Câmara dos Deputados, porque o Senado já aprovou.” Uma semana depois, os senadores aprovariam a reforma.

Minutos depois, um e-mail é enviado aos congressistas americanos: “Aplaudimos o Senado dos EUA pelo esforços bipartidários para aprovar a lei de reforma da imigração hoje”. Ele cita um trecho da Bíblia que fala do êxodo dos judeus do Egito e conclui: “A poucos passos de distância encontra-se uma terra cheia de fronteiras seguras, famílias, comunidades e, acima de tudo, os nossos valores mais queridos. Agora, a questão é se a Câmara dos Deputados será capaz de demonstrar coragem similar.” E assina em nome de “milhões de tementes a Deus”.

“O presidente nos convocou naquela terça-feira justamente para explicar aos senadores a importância de aprovar a reforma imediatamente. Agora, vamos discutir a estratégia para convencer a Câmara dos Deputados”, diz.

Os outros dois telefonemas que interromperam a entrevista tinham do outro lado da linha o amigo e senador cubano-americano Marco Rubio, um dos poucos republicanos a defender a aprovação da lei de imigração, cujo texto ajudou a escrever, abrindo caminho para dar cidadania a 11 milhões de ilegais. “Se os EUA deportarem 11 milhões de imigrantes, estarão deportando o futuro da igreja evangélica”, esbraveja Rodriguez.

No entanto, não é só na imigração que os evangélicos exercem influência. Rodriguez prega aos domingos em sua igreja e viaja o país fazendo sermões. Pelo menos duas vezes por mês, está na Casa Branca para discutir os pedidos que ouve dos fiéis no caminho, como casamento gay e aborto, que os pastores tentam barrar ou reverter nos Estados – os evangélicos latinos são ainda mais conservadores do que os americanos em geral, segundo o Pew Research Forum.

“O acesso dele (Rodriguez) à Casa Branca é surpreendente, dado seu compromisso com causas e organizações da direita”, escreveu o site Daily Kos. Em 2009, Rodriguez fundou a Oak Initiative, conhecida como o “Tea Party cristão”. “Não sou político, mas estou comprometido em fazer justiça em nome de Jesus. E isso requer engajamento político”, diz.

Igrejas nos EUA não podem financiar campanhas, mas isso não significa que estejam fora da política. “O que fazemos é, de um lado, envolver a comunidade politicamente. Nós queremos ver 100% dos latinos evangélicos votando em cada eleição”, diz Rodriguez. Em 2012, sua organização ajudou a registrar 500 mil novos eleitores latinos em Estados-chave, como Arizona e Flórida.

A NHCLC iniciou outro projeto ambicioso: treinar jovens pastores para assumir cargos em governos. Em um encontro em Connecticut, há dez dias, cerca de 30 jovens do Estado eram preparados para isso durante um retiro de três dias.

Entre eles, a ex-católica Aracelis Vazquez Haye, de 30 anos, pastora da primeira Igreja Hispânica de New London, pequena cidade com uma grande comunidade latina. Sua base são 3 mil fiéis e usuários do centro Encuentro Esperanza, ligado à igreja, que tem um programa de acesso às universidades para latinos, uma clínica médica para atender prioritariamente ilegais e advogados para ajudar a legalizar situação deles. “Tivemos grandes vitórias aqui”, ela diz. “Acredito que diante da crise econômica a igreja volta a assumir um papel fundamental na comunidade.”

“A política é uma função profética da igreja. É parte do nosso DNA garantir que leis protejam os pobres e marginalizados. Moisés falava ao faraó, José era governador, a Bíblia está cheia deles. Luther King Jr. liderou o movimento por direitos civis”, defende Salguero. Os pastores não escondem seu objetivo. “Queremos ver um evangélico latino como presidente dos EUA”, resume Rodriguez. “Para Deus, tudo é possível.”

[b]Fonte: Estadão[/b]

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