A Tunísia está longe de ser “o oásis da laicidade” às vezes descrito pelo Ocidente. No entanto, estaria ela abrigando uma corrente islâmica radical e potencialmente violenta?
A maioria dos observadores é cética quanto a essa hipótese, mas as especificidades tunisianas em matéria religiosa e as relações que a sociedade mantém com o islamismo poderiam influenciar nas futuras evoluções do país.
Embora tenha sido moldada pela política de secularização instaurada pelo presidente Habib Bourguiba desde a independência, em 1956, a Tunísia manteve uma presença institucional do Islã e referências constantes à religião. Segundo sua Constituição, o islamismo é a religião do Estado e o presidente deve ser muçulmano. O especialista em islamismo Franck Frégosi, em um artigo de 2004, intitulado “A regulação institucional do islamismo na Tunísia”, explica: “Cada vez que Bourguiba implantava um projeto que envolvesse uma revisão de certas práticas e usos [ligados diretamente ou não à religião]”, tais como a escolha do cálculo astronômico para estabelecer o início do jejum do Ramadã ou a limitação dos sacrifícios individuais durante o Aid al-Kebir, o ex-presidente “se esforçava para justificar essas reformas a partir de uma interpretação liberal da lei religiosa, fazendo com que o espírito prevalecesse sobre a letra de um texto. Para ele, a modernização da sociedade dependia de uma modernização conjunta do islamismo”.
“A sociedade tunisiana certamente está associada à igualdade entre homens e mulheres, e desde 1956 dispõe de um código de estatuto pessoal que proibiu a poligamia e criou um processo judicial para o divórcio, mas ela permaneceu marcada por um forte conservadorismo e uma certa religiosidade”, constata o sociólogo Vincent Geisser, um especialista em Tunísia.
Apesar da repressão que atingiu as correntes islâmicas a partir do fim dos anos 1980, o país também conheceu uma forma de re-islamização societal comum a todos os países muçulmanos. O ressurgimento do véu islâmico, proibido no meio dos anos 1980, é muitas vezes considerado como o símbolo mais aparente desse movimento da sociedade.
“Mas o regime de Ben Ali também acompanhou essa re-islamização do espaço público”, garante Geisser. O presidente deposto reintroduziu a chamada à prece na televisão e a tradição da observação ocular para determinar o início do Ramadã; ele expôs suas visitas à mesquita e sua peregrinação a Meca. Um de seus genros fundou uma rádio muçulmana, bem como um banco islâmico. “A ideia”, afirma Geisser, “era dizer aos tunisianos: não vale a pena buscar análises e informações nos canais por satélites [dominados pelo islamismo ultraconservador dos países do Golfo]”. Paralelamente ao desenvolvimento das confrarias sufis, uma corrente mística do islamismo, parte da juventude tunisiana se alimentou desse islamismo literalista, em expansão por todo o mundo. “Os jovens sentiam como se a globalização estivesse indo contra eles; eles usaram os instrumentos dos quais dispunham para reintegrar os movimentos globalizados”, explica Khadija Mohsen Finan, cientista política da universidade Paris-VIII. “Hoje vem emergindo na Tunísia um islamismo salafista”, reconhece também Houcine Jaziri, porta-voz na França do partido islamita tunisiano Ennahda.
“A falta de liberdade e de debates, associada ao contexto internacional, explica essa tendência. É preciso garantir a independência das mesquitas em relação aos partidos políticos”, acrescenta Jaziri, que define seu partido como “moderado, aberto ao diálogo, à ética baseada no islã”. Mas ele explica que “hoje na Tunísia a situação histórica não é aplicar a sharia [lei islâmica], mas sim criar uma sociedade moderna onde cada um possa praticar sua religião”. As palavras de ordem que derrubaram Ben Ali não tinham nada de religiosas e, quando quiseram se infiltrar nas manifestações, os islamitas foram afastados”, garante o historiador e sociólogo tunisiano Abdelmajid Charfi, pensador crítico do pensamento islâmico. “Mas o movimento islamita terá seu lugar no tabuleiro social”, garante.
“Hoje falta no Ennahda um corpus ideológico em sintonia com as reivindicações do islamismo globalizado, mas nada permite dizer que o islamismo esteja perdendo fôlego na Tunísia”, diz Mohsen Finan. “O futuro não está em uma confusão entre o político e o religioso”, quer acreditar Charfi. “A onda de religiosidade desses últimos anos constitui mais uma resistência à política governamental do que um alinhamento sobre os islamitas. A revolução permitirá às pessoas que se exprimam livremente e acabará com as razões objetivas para se recorrer ao islamismo violento, à ditadura, à corrupção…”
No entanto, como outros de seus compatriotas, o estudioso não descarta “riscos de desestabilização e ações violentas vindas do exterior”.
[b]Fonte: Le Monde[/b]