Um cristão paquistanês preso na semana passada sob suspeita de rasgar páginas de um livro que continha versos do Alcorão apelou à polícia de Punjab, através de seu advogado, para que seu caso fosse cancelado por falta de evidências.

O advogado Khalil Tahir Sindhu pediu à polícia de Faisalabad para rejeitar o caso contra seu cliente, Shahid Masih. De acordo com Khalil Sindhu, a única evidência contra o jovem cristão era o testemunho de um muçulmano acusado anteriormente do mesmo crime.

Shahid, de 17 anos, é acusado de violar o artigo 295-B do Código Penal, uma das mais notórias leis de blasfêmia do país, que criminaliza a profanação do Alcorão. Se for condenado, Shahid pegará prisão perpétua.

O jovem teria rasgado páginas de um “tafseer”, um livro com explicações dos versos do Alcorão, enquanto roubava vários livros de uma clínica médica na cidade de Madina, distrito de Faisalabad.

As acusações se basearam no testemunho de Muhammad Ghaffar, que alegou ter praticado o crime junto com Shahid.

Muhammad foi detido depois que o médico Mohammad Arshed Massod chegou à sua clínica em Madina, em 10 de setembro, e deu pela falta de vários livros e viu que páginas tinham sido arrancadas de seu “tafseer”, informou o advogado de Shahid.

O médico registrou uma queixa na polícia contra Muhammad, 19, de quem ele suspeitava que tivesse praticado o roubo. De acordo com o advogado, Muhammad disse à polícia que ele e Shahid rasgaram as páginas do “tafseer” quando os dois invadiram a clínica planejando roubar livros para vendê-los.

Os dois suspeitos estão presos na cadeia distrital de Faisalabad, enquanto a polícia conclui a investigação.

Testemunho inválido

O advogado Khalil Sindhu, que concordou em defender o caso de Shahid sem cobrar, não está certo quanto à motivação de Muhammad em incriminar seu cliente. “Os dois vivem na mesma localidade e aparentemente trocaram insultos há alguns anos”, contou Khalil depois de conversar com Shahid.

De acordo com o advogado, as acusações contra Shahid não chegarão à corte porque a lei paquistanesa não permite que o testemunho de uma pessoa acusada de um crime seja usado como evidência a favor ou contra outra pessoa.

“Muhammad Ghaffar já foi acusado, de modo que seu testemunho não é válido aos olhos da lei”, afirmou o advogado.

Embora os pais de Shahid admitam que seu filho tenha enfrentado problemas com drogas no passado, eles não acreditam que ele seja culpado de blasfêmia.

Apoio político

A família obteve o apoio de um representante cristão da Assembléia Provincial de Punjab para assegurar a libertação de Shahid.

“Enviei um apelo a Pervaiz Elahi (ministro de Punjab), dizendo que o caso é totalmente falso e pedindo que a polícia faça novas investigações”, disse o parlamentar Joel Amir Sahotra.

Joel Sahotra disse que o ministro já ordenou que o inspetor geral de Faisalabad, Talat Mahmood, revisasse o caso.

Para o parlamentar, não há dúvida de que Shahid é uma das muitas pessoas acusadas falsamente a cada ano sob as leis de blasfêmia paquistanesas.

“Nos últimos quatro anos estive engajado pessoalmente em oito casos falsos de blasfêmia contra cristãos”, comentou Joel Sahotra.

Temor familiar

Acusações de blasfêmia, sejam reais ou inventadas, freqüentemente atraem a atenção de grupos muçulmanos extremistas, que são rápidos em fazer justiça com as próprias mãos quando acreditam que o suspeito tenha sido absolvido injustamente.

Os pais e os 12 irmãos de Shahid temem atrair a atenção desses grupos e, num primeiro momento, se recusaram a visitar o jovem na prisão, contou o advogado.

Seus temores parecem ter fundamento. Mais de 200 muçulmanos fanáticos compareceram à primeira audiência de Shahid e Muhammad perante o magistrado judicial Ghullam Fareed Qurashi, em Faisalabad, em 14 de setembro, afirmou Khalil Sindhu.

Execuções extrajudiciais de presos por blasfêmia não são incomuns no Paquistão. Pelo menos 23 pessoas envolvidas em casos de blasfêmia foram assassinadas no país desde que as controversas leis foram instituídas na década de 1980, de acordo com a Comissão Nacional para Justiça e Paz. Embora os cristãos sejam menos de 2% da população do país, um quarto das vítimas eram cristãs.

Fonte: Portas Abertas

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