O embaixador aposentado do Vaticano nos Estados Unidos arcebispo Carlo Maria Vigano acusou altos funcionários da Santa Sé de saber, já em 2000, que o ex-arcebispo de Washington cardeal Theodore McCarrick convidava regularmente seminaristas para a cama.
A carta também acusa o papa Francisco de ter sido informado da tendência de McCarrick com jovens seminaristas em 2013, mas de tê-lo reabilitado.
“Ele sabia, pelo menos desde 23 de junho de 2013, que McCarrick era um predador”, escreveu Vigano.
O jornal americano National Catholic Register e o siteLifeSiteNews publicaram a carta atribuída ao arcebispo Carlo Maria Vigano neste domingo (26), enquanto o papa está concluindo uma visita de dois dias à Irlanda, marcada pelos casos de abuso sexual clerical e pelo escândalo de encobrimento.
Vigano, 77, um conservador cujas opiniões contrárias aos homossexuais são bem conhecidas, pediu ao papa reformista que renuncie à questão e que ele chamou de “conspiração do silêncio” sobre McCarrick.
Ele e o papa estão há muito tempo em lados ideológicos opostos, com o papa mais um pastor e Vigano mais um guerreiro cultural.
O Vaticano ainda não comentou a carta nem confirmou sua autenticidade.
Nela, Vigano acusou os ex-secretários de Estado do Vaticano sob os dois papas anteriores (Bento 16 e João Paulo 2º) de terem ignorado denúncias detalhadas contra McCarrick por anos. Ele disse que o papa Bento 16 puniu McCarrick em 2009 ou 2010 a uma vida de penitência e oração, mas que Francisco posteriormente o reabilitou.
Francisco aceitou a renúncia de McCarrick como cardeal no mês passado, depois que uma investigação da Igreja dos EUA determinou que uma acusação de que ele havia abusado sexualmente de um menor era crível.
Desde então, outro homem se apresentou dizendo que McCarrick começou a molestá-lo desde os 11 anos, e vários ex-seminaristas disseram que o ex-arcebispo de Washington abusou e assediou enquanto estavam no seminário.
As acusações levaram a uma crise de confiança na hierarquia norte-americana, porque aparentemente era um segredo aberto que McCarrick convidava regularmente seminaristas para sua casa de praia em Nova Jersey e para a cama dele.
Juntamente com as alegações devastadoras de abuso sexual e acobertamento em um recente relatório do júri da Pensilvânia —que descobriu que 300 padres haviam abusado de mais de 1.000 crianças com mais de 70 anos em seis dioceses o escândalo levou a pedidos de rostos e por uma investigação completa do Vaticano sobre quem sabia o que e quando sobre McCarrick.
Vigano aparentemente procurou responder algumas dessas questões. Sua carta identifica, por nome, os cardeais e arcebispos do Vaticano que foram informados sobre o caso McCarrick, uma exposição impensável para um diplomata do Vaticano. Ele disse que os documentos que apoiam sua versão dos eventos estão nos arquivos do Vaticano.
DOSSIÊ
Vigano foi embaixador do Vaticano nos EUA de 2011 a 2016 e disse que seus dois predecessores imediatos “não falharam” em informar a Santa Sé sobre as acusações contra McCarrick a partir de 2000.
Ele disse que Francisco lhe perguntou sobre McCarrick quando eles se conheceram em 23 de junho de 2013, no hotel Santa Marta, no Vaticano, onde o papa mora, três meses depois de Francisco ter sido eleito papa.
O arcebispo disse ao papa: “Santo Padre, eu não sei se você conhece o cardeal McCarrick, mas se você perguntar à Congregação dos Bispos, há um dossiê tão espantoso sobre ele. Ele corrompeu gerações de seminaristas e padres e o papa Bento ordenou que ele se retirasse para uma vida de oração e penitência “.
Na carta, Vigano diz ainda que ficou surpreso ao descobrir que McCarrick começou a viajar em missões em nome da igreja logo depois, inclusive para a China. Ele também foi um dos intermediários do Vaticano nas conversações EUA-Cuba em 2014.
A alegação de Vigano de que McCarrick foi ordenado por Bento 16 a ficar de fora do ministério público e se retirar para uma vida inteira de oração é contestada, dado que McCarrick desfrutou de uma aposentadoria bastante pública. Entretanto, Vigano não fornece provas de que tais sanções foram impostas por Bento 16 em qualquer documento oficial.
‘VERDADES SOBRE O CASO’
“Agora que a corrupção atingiu o topo da hierarquia da igreja, minha consciência determina que eu revele essas verdades sobre o caso de partir o coração do arcebispo emérito de Washington”, escreveu Vigano.
O embaixador aposentado do Vaticano, no entanto, também teve seus próprios problemas com as alegações de acobertamento. Ele e o papa Francisco tiveram uma grande polêmica durante a visita do pontífice aos EUA em 2015 organizada por Vigano.
Nesse incidente, uma das principais ativistas americanas contra o casamento gay, Kim Davis, estava entre as convidadas para se encontrar com o papa na residência de Vigano, em Washington.
O papa ficou enfurecido que os defensores de Davis vazaram notícias de seu encontro, e o Vaticano posteriormente respondeu que o papa só tinha uma audiência particular agendada: com um de seus ex-alunos, um homem homossexual.
A acusação de encobrimento, que Vigano negou, dizia respeito a alegações de que ele tentou anular uma investigação sobre o ex-arcebispo de Saint Paul e Minneapolis, em Minnesota, John Nienstedt, que foi acusado de má conduta com adultos seminaristas.
Em 2016, o National Catholic Reporter disse que Vigano supostamente ordenou que a investigação fosse encerrada e que uma prova fosse destruída. O relatório citou um memorando de 2014 de um oficial diocesano que foi aberto após a conclusão de uma investigação criminal sobre a arquidiocese. Nenhuma acusação foi arquivada.
Nienstedt foi forçado a renunciar em 2015 devido a queixas sobre o tratamento de casos de abuso sexual.
O nome de Carlo Maria Vigano também ganhou as manchetes durante o caso Vatileaks (escândalo de vazamento de dados da Santa Sé) de 2012, quando algumas de suas cartas foram publicadas, nas quais ele implorou para não ser transferido para a embaixada do Vaticano em Washington.
Ele alegou que estava sendo punido por ter exposto a corrupção dentro do Vaticano. As cartas mostravam um choque com o número 2 de Bento 16, o cardeal Tarcisio Bertone, que também é alvo de sua carta sobre McCarrick.
Fonte: Folha de São Paulo