A tendência latino-americana de descriminalizar a posse de drogas para consumo pessoal chegou a Argentina. Apesar de ainda considerarem ilegal o comércio, países como Brasil, Colômbia e Uruguai já chegaram à conclusão de que não é possível colocar todos os usuários atrás das grades pelo simples motivo de que não existe cadeia nem dinheiro suficientes para manter estes 208 milhões de presos no mundo.

Em recente união ao coro, a líder argentina, Cristina Kirchner, defendeu que “os perseguidos devem ser os que vendem entorpecentes, e não os que consomem”.

É importante frisar que descriminalizar o uso individual de drogas é diferente de legalizar as drogas. Na legalização, o consumo deixa de ser ilícito, isto é, passa a não admitir qualquer tipo de sanção, como a venda e uso de bebida alcoólica. Despenalizar é suavizar a resposta penal em alguns casos, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão do pequeno usuário, apesar de o fato ainda ser considerado ilícito. A pessoa pode ficar sujeita a sanções como multas, suspensão da licença para dirigir ou trabalhos comunitários, e não ser presa.

Cristina prometeu que até o fim do ano terminará a elaboração do projeto de lei que será enviado ao Parlamento para tirar o status de crime do uso de drogas:

– Não gosto quando as pessoas condenam uma pessoa que tem um vício como se fosse um criminoso, alguém que deva ser perseguido.

As declarações da líder foram feitas durante a apresentação de um relatório que indica que na Argentina o consumo de cocaína se manteve estável em comparação a 2004, quando foi feita a última medição, e o de maconha subiu “em um percentual mínimo”.

O projeto é analisado por uma comissão científica, criada este ano pelo governo argentino e integrada por juízes, promotores, sociólogos e especialistas em toxicomania e tráfico de drogas.

– Será um marco em direitos humanos de última geração – definiu o ministro da Justiça argentino, Aníbal Fernández.

Giovanni Quaglia, representante regional do escritório da ONU sobre drogas e crime para o Brasil e o Cone Sul, explica que a medida copia moldes da Europa. Pela lei, usuários de drogas devem se submeter a tratamento médico obrigatório.

– Cada presidiário custa R$ 1.500 ao mês em média. No Brasil, há 500 mil presos hoje. É muito caro – defende Quaglia.

No Brasil, pela medida aprovada em 2006, quando alguém é flagrado deve ir à delegacia para a polícia avaliar se o porte é mesmo para uso próprio, levando em consideração dados como quantidade da droga portada (que deve ser mínima) e registros anteriores.

– É descontado o fato de que a compra é ilegal, já que não há outra forma de comprar as drogas – explica Raúl Aragón, da Universidade Abierta Interamericana.

Quaglia argumenta que é preciso dar a cada delito uma pena correspondente e o “tráfico é obviamente uma atividade mais grave do que consumir drogas”.

Muitos temem que a descriminalização de drogas resulte num número maior de consumidores.

– Em praticamente todas as cidades do mundo hoje, qualquer um consegue adquirir a quantidade de drogas ilegais que quiser se puder pagar. Isso não vai mudar por uma simples mudança penal – contesta Aragón. – Certamente a lei será aprovada na Argentina, ainda que por margem muito estreita, já que a Igreja Católica e muitas ONGs montaram um esquema midiático para influenciar legisladores.

Para Pablo Rieznik, professor da Universidade de Buenos Aires, a proposta argentina é hipócrita e tem uma função política de trabalhar a imagem de progressista e humanista do governo, amenizando as muitas críticas atuais da população.

– Um dos principais capitalistas da província de Santa Cruz, Cristóvão Lopes, dono de cassinos onde se lava dinheiro, atividade associada ao narcotráfico, é ligado à Cristina – revela Rieznik. – A lei não determina um só tipo de perseguição aos narcotráficos, porque são ligados a aparatos do Estado, como a polícia.

A iniciativa busca equiparar a situação argentina à de países vizinhos, como o Uruguai, onde se dá prioridade a respostas de conteúdo sanitário e social.

“A resposta penal produz a criminalização de atores vulneráveis, como usuários e pequenos traficantes ou ”mulas“, que ficam sem acesso ao exercício de direitos básicos como o ao saúde”, justificou em nota ao JB a Intercambios, associação civil argentina para estudo e atenção a problemas com drogas.

– Há esforços econômicos das organizações traficantes para evitar a descriminalização, que pode ser um passo para a legalização total, que significa seu fim – lembra Aragón.

Fonte: JB Online

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