O presidente Jair Bolsonaro com o presidente das Assembleias de Deus em São Paulo, pastor José Wellington Bezerra da Costa
O presidente Jair Bolsonaro com o presidente das Assembleias de Deus em São Paulo, pastor José Wellington Bezerra da Costa

Um dos braços mais fortes da Assembleia de Deus, a maior das denominações evangélicas brasileiras, decidiu nesta terça-feira (4) punir os pastores e membros que “defenderem pautas de esquerda dentro da cosmovisão marxista”. No mesmo dia, recebeu o presidente Jair Bolsonaro (PL) aos gritos de “mito”.

As informações são da Folha de S. Paulo.

Aqueles que “comprovadamente já não mais aceitam a palavra de Deus” e adotam “filosofia em choque com princípios cristãos”, afirma um integrante da diretoria da Confradesp (Convenção Fraternal das Assembleias de Deus do Estado de São Paulo), “poderão ser representados no conselho de ética e disciplina para a aplicação de medidas disciplinares”.

A Folha de S. Paulo teve acesso à leitura desta carta, redigida na 49º Assembleia-Geral Ordinária da Confradesp. É nela que se enfileiram temas que incomodam a direita conservadora e são associados, muitas vezes indevidamente, à campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Houve ataques diretos ao ex-presidente na reunião. Para a Confradesp, a anulação de suas condenações na Lava Jato não teria validade porque, para tanto, seria preciso ter ausência de crimes e de provas, por exemplo. O entendimento é que o caso contra Lula, abolido por suspeição do ex-juiz Sergio Moro, não o inocenta.

Também pesaria contra o petista o “apoio expresso” de “religiões demonistas”, inclusive “seitas satanistas foram expressamente às redes dar apoio e ainda fazer bravatas contra o povo cristão”.

Nos últimos dias, aliados de Bolsonaro fizeram publicações tentando associar Lula ao satanismo. O gatilho veio de um influencer autointitulado satanista que teria previsto a vitória do petista no primeiro turno. A equipe lulista pede ao Tribunal Superior Eleitoral que remova vídeos com essa temática, classificados como fake news —o autor da gravação teria se posicionado contra o ex-presidente antes.

O texto lido no encontro evangélico pede que os pastores levem em conta “o posicionamento da esquerda, que defende uma cosmovisão contrária ao Evangelho e ao preceitos éticos e morais da Assembleia de Deus paulista, “considerando que referida cosmovisão defende pautas favoráveis à desconstrução da família tradicional, à legalização total do aborto, à erotização das crianças, à ideologia de gênero, à liberação das drogas ilícitas, à relativização da Bíblia Sagrada, à censura à liberdade religiosa e ao aparelhamento da educação com a ideologia marxista”.

Algumas dessas pautas são atribuídas à esquerda de forma vaga, como “erotização das crianças”, como se houvesse uma campanha progressista para algo do gênero. Outro ponto enganoso: embora correntes minoritárias advoguem por uma descriminalização mais ampla de aborto e drogas, isso não faz parte do programa lulista nem foi posto em prática nos governos do PT.

A carta vincula o “comunismo ateu e materialista face” à esquerda brasileira e fala em incompatibilidade com “a doutrina bíblica praticada pelas Assembleias de Deus”.

Precedeu a leitura um aviso para que os presentes desligassem os celulares, pois as imagens eram internas. O deputado Paulo Freire Costa (PL-SP), outro filho do patriarca José Wellington, falou em expulsar quem estivesse gravando, segundo relatos obtidos pela reportagem.

A ameaça se insere num contexto maior de acossamento a evangélicos simpáticos à esquerda, o que tem levado ao expurgo de pastores em algumas igrejas.

A Confradesp é liderada por José Wellington Bezerra da Costa, um dos pastores mais importantes do Brasil, e seu filho José Wellington Costa Júnior —atual presidente da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil), a maior instituição assembleiana do país.

Os últimos dados oficiais vêm do Censo 2010: lá consta que a igreja —que contempla infinitas ramificações dentro de si— somava 12,3 milhões de fiéis, aumento de quase 50% em relação ao último levantamento do IBGE, de 2000.

Entre pastores, está no eleitorado uma das chaves para entender a astronômica votação do Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) para o Senado: seu suplente, Professor Alberto, é ligado à ala da Assembleia de Deus comandada por José Wellington. Se Pontes, digamos, virar ministro, é ele quem assume.

No culto em que Bolsonaro participou, o pastor José Wellington pediu votos para a reeleição, o que é vedado pela legislação em templos religiosos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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