Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal e atual prefeito do Rio de Janeiro
Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal e atual prefeito do Rio de Janeiro

A Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) entrou na Justiça contra a prefeitura do Rio por causa da inclusão de música gospel na programação do Réveillon de Copacabana.

O grupo pede o cancelamento do show da cantora evangélica Anayle Sullivan, previsto para a noite do próximo dia 31.

Na ação civil pública, iniciada nesta quarta-feira (11), a entidade requer que o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que também é pastor evangélico e cantor, seja condenado a devolver aos cofres do município o valor gasto com a apresentação, se ela for mantida.

Para a Atea, o uso de recursos públicos no show desrespeita o princípio da laicidade e o entendimento de que o Estado é impedido de promover qualquer religião. Além disso, diz o grupo, ofende a liberdade de crença dos moradores e turistas que irão à festa popular.

A prefeitura, que quer superar o recorde de 2,8 milhões de pessoas da edição de 2019, também programou para o evento shows de artistas como Diogo Nogueira, Ferrugem e DJ Marlboro.

Ao anunciar os detalhes, Crivella disse se tratar de uma festa com custo de mais de R$ 10 milhões. “Queria agradecer muito a todos os nossos patrocinadores”, afirmou ele, no dia 3 deste mês.

O governo municipal não informou o orçamento total nem o percentual que será bancado por patrocínio. No ano passado, a prefeitura custeou R$ 6 milhões do total de R$ 13 milhões. O restante veio da iniciativa privada.

Serão quatro palcos, o principal em frente ao Copacabana Palace e outros três espalhados pela orla. Pelo planejamento, o estilo gospel será tocado por DJs em todos os espaços.

“Essa ideia de mais três palcos em Copacabana […] também dá espaço à canção gospel, que é na nossa cidade o primeiro lugar disparado nas rádios. Essa música, pela primeira vez, terá palco especial para ela”, disse o prefeito.

A ação da Atea, protocolada na 5ª Vara da Fazenda Pública do Rio, sustenta que a iniciativa desrespeita “a laicidade do Estado e, consequentemente, o patrimônio público e os interesses difusos da coletividade”.

O grupo compara a inclusão de atração gospel no evento a pregação religiosa e cita jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de que é vedada a realização de cultos e adorações em bens públicos.

Para a entidade, “a música gospel em nada difere, em conteúdo, da pregação religiosa habitual de pastores e ministros de confissões religiosas”. Por isso, não deveria ser tocada no evento organizado pela prefeitura.

A petição, assinada pelo advogado Thales Bouchaton, afirma também que a inclusão do estilo desvirtua “o caráter laico e plural desse tradicional evento carioca”.

A associação dos ateus reivindica ainda o pagamento de multa de R$ 50 mil caso o show de Anayle Sullivan ocorra e sugere que o valor seja destinado ao Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa.

A cantora é casada com Michael Sullivan, principal parceiro musical de Crivella –o político já lançou 19 álbuns entre 1992 e 2014. O produtor assinou com ele canções de louvor como “Eu Vejo Deus”.

A Riotur (empresa municipal responsável pelo evento), em nota à reportagem, contestou o pedido da Atea.

“Trata-se de uma festa democrática. Qualquer interpretação além disso parece ser uma manifestação de preconceito”, afirmou.

“O Réveillon Rio 2020 será um evento grandioso e plural, contemplando todos os estilos musicais”, continuou o órgão. “Os palcos espalhados pela orla de Copacabana tocarão diversos ritmos, passando pelo samba, pagode, rock, funk, gospel, entre outros.”

Fundada em 2008, a Atea diz ter hoje 18 mil associados em todo o país. A organização sem fins lucrativos, com sede em São Paulo, empunha bandeiras como a preservação do Estado laico e o combate à discriminação contra ateus e agnósticos.

Em outubro, o grupo processou o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por causa dos gastos com a viagem de autoridades para a canonização de Irmã Dulce no Vaticano.

Em outra ação movida pela Atea, a Justiça de Aparecida (180 km de São Paulo) proibiu a construção de uma estátua gigante de Nossa Senhora Aparecida e determinou a retirada de cinco obras em homenagem à santa de áreas públicas da cidade.

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