Segundo a Folha de São Paulo deste domingo, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados não é tão organizada e tem pouco em comum, além das questões de crença e de moral.
A bancada evangélica da Câmara dos Deputados ampliou recentemente a visibilidade ao assumir o controle da Comissão de Direitos Humanos. Mas a aparente demonstração de força esconde um bloco de 66 deputados disperso entre 16 partidos e 24 igrejas, com articulação quase nula em votações.
Contrariando a percepção de que os evangélicos tem uma representação exagerada, o percentual da bancada sobre o total da Câmara (15%), é menor do que a população que se declarou evangélica no mais recente Censo do IBGE, 22,2% -embora tenha mais do que duplicado com relação à legislatura anterior, quando contava com 36 deputados.
Com raras exceções, a atuação da bancada evangélica está longe de ser suprapartidária. Há alguns dias, por exemplo, deputados do bloco estiveram no centro do embate entre governo e oposição por causa da Medida Provisória dos Portos.
O deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentou uma emenda ao texto original tachada de “Tio Patinhas” pelo também evangélico Anthony Garotinho (PR-RJ). O detalhe é que ambos são da Igreja Presbiteriana.
Garotinho, aliás, já foi processado por Benedita da Silva (PT-RJ), também evangélica, por danos morais. E é rival declarado de Eduardo Cunha (PMDB), ligado à igreja Sara Nossa Terra.
A deputada petista, por sua vez, é historicamente ligada aos movimentos negros, ferozes críticos de Marco Feliciano (PSC-SP), processado por racismo ao dizer que os africanos sofrem de uma maldição bíblica.
Entre as bancadas por denominação, a única coesa é a da Igreja Universal do Reino de Deus: todos os seis deputados federias estão filiados ao Partido da República.
[b]DESTAQUE [/b]
O bloco evangélico também tem pouca influência individual. Somente quatro deles aparecem na lista dos cem parlamentares mais influentes do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão de interlocução entre Congresso e entidades sindicais.
Por outro lado, muitos têm problemas com a Justiça: 32 são réus em processos no Supremo Tribunal Federal.
Falando sob a condição de anonimato, um deputado disse que vê três grandes grupos na chamada bancada: o núcleo duro, formado por pastores, como Feliciano; os que costumam aparecer quando convocados, caso de Garotinho; e os que praticamente não participam, incluindo Benedita.
[b]AÇÃO FOCADA [/b]
“A Frente Parlamentar Evangélica defende a vida e a família”, diz o deputado e pastor Roberto de Lucena (PV-SP), sobre o escopo da atuação do bloco.
Ele é um dos quatro vice-presidentes da bancada liderada por Paulo Freire (PR-SP), pastor e filho de José Wellington, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, principal entidade da maior denominação evangélica do país.
Lucena disse que só se lembra de duas votações em que a bancada se articulou.
O endurecimento da lei contra motoristas alcoolizados e o apoio a uma emenda que mantinha a proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios durante a Copa, ambas no ano passado.
No caso dessa emenda, 40 evangélicos apoiaram a proposta, incluindo três peemedebistas, contrariando a orientação partidária.
Lucena é o relator do controvertido projeto que permite psicólogos promoverem tratamento para “curar” a homossexualidade.
Nas comissões, a bancada evangélica é hegemônica só na de Direitos Humanos, presidida por Feliciano: são 7 dos 11 titulares, incluindo os três vice-presidentes.
[b]Fora as questões de crença e de moral, grupo tem pouco em comum[/b]
O aparente sucesso dos candidatos evangélicos nas eleições brasileiras por vezes provoca uma avaliação equivocada do poder desse grupo, como se sua capacidade de angariar votos fosse superior à de outros segmentos.
Mesmo representando cerca de 20% da população brasileira, os evangélicos ocupam menos de 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Nesse contexto, a existência de uma bancada evangélica na Câmara pode ser considerada como a natural representação de uma parcela da sociedade.
Mas, ao contrário do que pode parecer aos que observam à distância, seus membros têm pouco em comum além do segmento religioso. Pertencentes a partidos, ideologias e denominações diferentes, os deputados evangélicos possuem baixo poder de pressão fora de questões que envolvam suas crenças, especialmente quando comparada a outros grupos, como a bancada ruralista.
Ciente de suas limitações, a bancada evangélica acaba por ter uma atuação mais direcionada à defesa de seus interesses e menos em propor grandes projetos. Nesse sentido, seus representantes raramente diferem dos demais parlamentares.
Apesar disso, as ações dos deputados evangélicos geram reações mais críticas e intensas que as de outros grupos no Congresso, talvez por seu comportamento menos discreto ou por tratar de valores morais e crenças.
O que os críticos não levam em conta, porém, é que a bancada evangélica pouco conquistaria se não obtivesse apoio de outros parlamentares. A presença do deputado Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara é um bom exemplo dessa realidade.
As críticas levantadas à bancada evangélica muitas vezes erram o verdadeiro alvo, e fazem lembrar o pensamento brilhantemente sintetizado por Sartre: “O inferno são os outros”.
HILTON FERNANDES é cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]