O Papa Bento XVI rompeu com a estratégia de seu predecessor João Paulo II sobre o Islã e está convencido de que sua posição é a certa, mesmo que tenha tentado amenizar suas polêmicas declarações sobre a religião muçulmana, consideraram especialistas nesta segunda-feira.

“Enquanto João Paulo II insistia em seu diálogo com o Islã sobre a fé em um único Deus e fazia dessa fraternidade o elemento essencial da luta comum contra a violência, Ratzinger adotou a atitude de alguém que, em tom doutoral, explica como se deve fazer”, comentou Marco Politi, vaticanista do jornal La Reppubblica.

Durante sua visita à Alemanha, na semana passada, o Papa evocou num longo discurso teológico as relações entre fé, violência e razão, suscitando reações indignadas do mundo muçulmano quanto ao fato de Bento XVI teria estabelecido uma ligação entre o Islã e a violência.

“O Papa Wojtyla desenvolveu uma estratégia baseada no diálogo e no envolvimento sistemático das elites islâmicas do mundo inteiro. Ele se tornou um líder espiritual respeitado no mundo muçulmano”, destacou o especialista, questionado pela AFP.

Ao contrário, o sucessor de João Paulo II adotou já no início de seu pontificado uma estratégia diferente.

“Já em sua missa inaugural, Bento XVI omitiu qualquer referência às relações fraternas com o monoteísmo islâmico”, lembrou Politi.

Há alguns meses, a ausência do Papa no 20º aniversário do encontro inter-religioso de Assis, idealizado por João Paulo II, foi notada por toda a imprensa italiana. Bento XVI se limitou a enviar uma mensagem.

Para o Sumo Pontífice, o diálogo com as outras religiões “é cada um bem entrincheirado em sua própria casa”, criticou Politi.

O jornalista de La Stampa, Gian Enrico Russoni, descarta “uma falha de comunicação” ou “um simples mal-entendido” e considera que o Papa sabia o que estava fazendo quando citou um diálogo entre o imperador bizantino Manuel II Paléologue (1350-1425) e um persa muçulmano erudito.

“Um bom professor não cita uma declaração mortífera sem recolocar essa citação no seu contexto”, acusou Russoni.

Neste discurso denunciando a violência motivada pela religião, “uma autocrítica” sobre a religião católica teria sido bem-vinda, acrescentou.

Para Sandro Magister, vaticanista da revista L’Espresso, Bento XVI, ex-guardião rigoroso da doutrina católica, é partidário do axioma: “Menos diplomacia e mais Evangelho”. Ao contrário, João Paulo II mostrava habilidade na comunicação com todos os líderes religiosos.

“Foi esse critério, menos diplomacia e mais Evangelho, que levou o Papa a pronunciar durante sua viagem à Alemanha palavras tão politicamente incorretas e tão potencialmente explosivas”, escreveu Magister em seu site.

Alguns jornais estrangeiros, como El Mundo (centro-direita) na Espanha, também frisaram nesta segunda-feira a ruptura entre os dois pontificados sobre a questão do Islã.

“João Paulo II demorou para amenizar as contradições entre as principais religiões. No que se refere ao Islã, Ratzinger estragou todo o trabalho feito por seu predecessor com apenas um discurso”, diz El Mundo.

A estratégia do Vaticano sobre o Islã deve ser “completamente reformulada”, concluiu Politi.

Segurança do papa deve ser reforçada após declarações sobre Maomé

Especialistas antiterrorismo da capital italiana não têm dúvidas sobre o “delicado” momento de crise internacional iniciado após as palavras de Bento 16 na universidade de Ratisbona (Alemanha) e consideram que “monitorar e dialogar” com os islâmicos moderados que vivem em Roma pode ser crucial para a criação de uma “rede de proteção” contra eventuais atos de violência.

O papa causou controvérsia no mundo muçulmano após um discurso realizado na Alemanha na semana passada, no qual citou um texto medieval que retrata os ensinamentos do profeta Maomé como “cruéis e desumanos” e disse que o islamismo foi disseminado “pela violência”.

Nesta segunda-feira, além de protestos em vários países muçulmanos, o líder supremo e autoridade máxima do Irã, Ali Khamenei, disse que “as declarações do papa Bento 16 sobre o islã e a violência são parte de uma cruzada EUA-Israel contra os muçulmanos, acirrando a polêmica.

“Líderes dos arrogantes imperialistas já definiram as ligações da cruzada neste projeto EUA-Sionista com os ataques ao Iraque”, afirmou Khamenei em um discurso transmitido pela televisão estatal.

Na opinião dos especialistas, é importante não deixar de lado nenhuma possibilidade de que não tenha sido tentada. Eles consideram necessário “não subestimar” também o leque não muito amplo de italianos convertidos ao islamismo, uma parcela moderada e tranqüila que, no futuro, poderia tornar-se terreno fértil para a ação de uma rede terrorista.

Segundo a polícia de Roma, não há personagens definidos como “células terroristas adormecidas” capazes de gerar preocupação. Mas os fatos recentes ocorridos em outros países “ensinam” que a atenção deve ser sempre alta, segundo ressaltaram os especialistas.

De acordo com os especialistas, os controles antiterrorismo em Roma são, por razões óbvias, considerados mais importantes que nas outras cidades italianas, mas ainda mais importante é delinear o limite entre “quem é moderado e quem, talvez, depois das palavras do sumo pontífice, tenha decidido não ser mais”.

Protestos continuam

Nesta segunda-feira, centenas de pessoas foram às ruas de Jacarta, capital indonésia, para protestar contra os comentários do papa sobre o islã, acusando o sumo pontífice de “incitar” o início de uma “guerra” entre religiões.

Após a polêmica, o Vaticano divulgou uma carta na qual disse que o papa “lamentava” que as declarações tivessem ofendido os muçulmanos, mas que o texto citado não refletia a opinião do sumo pontífice sobre o islã. No entanto, os muçulmanos exigem um pedido pessoal de desculpas do papa.

Os manifestantes terminaram o protesto de hoje em frente à Embaixada do Vaticano em Jacarta. Alguns carregavam cartazes com frases como: “O papa constrói a religião com base no ódio”.

“Os comentários [de Bento 16] realmente magoaram muçulmanos de todo o mundo”, afirmou Umar Nawawi, do grupo radical Frente dos Defensores Islâmicos. “Nós devemos lembrá-lo que tal atitude apenas alimenta uma ‘guerra santa'”.

Na Caxemira indiana, greves e protestos prosseguiram nesta segunda-feira pelo terceiro dia consecutivo em protesto às declarações do papa. Pessoas queimaram pneus e gritavam “Abaixo o papa” em diversos protestos ocorridos na região.

Em Basra, no sul do Iraque, cerca de 500 manifestantes queimaram nesta segunda-feira uma imagem do papa e atearam fogo a bandeiras dos Estados Unidos e da Alemanha.

Convocação

Os manifestantes –que responderam a uma convocação do líder religioso xiita Mahmoud al Hassani– se reuniram diante da sede do governo de Basra, 550 km ao sul de Bagdá.

O Vaticano deu início a uma iniciativa diplomática para explicar aos países muçulmanos a posição de Bento 16 sobre o islã, após a polêmica provocada por suas declarações.

Fonte: Folha Online

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