“O Brasil é laico, mas o presidente é cristão”. A frase de Jair Bolsonaro deu o tom do discurso carregado de referências religiosas que o presidente fez neste sábado, em um megaevento que comemorou os 40 anos da Igreja Internacional da Graça, do missionário RR Soares, em Botafogo.

Eventos como esse não são exceção na agenda do presidente. Levantamento feito pelo EXTRA aponta que, em 2019, Bolsonaro teve 40 compromissos oficiais com lideranças evangélicas — 23 encontros no Palácio do Planalto e 17 eventos, incluindo seis cultos e duas marchas para Jesus.

A frequência observada na agenda presidencial é acompanhada de uma série de sinalizações nas políticas públicas para a base religiosa, que o próprio Bolsonaro aponta como responsável por sua vitória em 2018.

Dentre encontros no Planalto, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, participou de cinco. Já seu sucessor, José Barroso Tostes Neto, esteve numa reunião, em novembro. A presença do titular da Receita está relacionada ao pleito dos líderes evangélicos: a cobrança do que eles consideram “penalidades desproporcionais”. A bancada que representa os fiéis no Congresso já levou à Receita um pedido para que as cobranças de tributos sobre organizações religiosas sejam reavaliadas.

Pela Constituição, as igrejas têm imunidade tributária. Assim como entidades filantrópicas, partidos políticos e sindicatos, estão desobrigadas de pagar impostos sobre patrimônio, renda ou serviços. Mas os evangélicos contestam a maneira como o Fisco tem olhado para as contas das igrejas. Líderes do segmento dizem que, apesar das garantias constitucionais, muitas organizações religiosas têm sido tratadas como empresas privadas.

Em maio do ano passado, num encontro com Cintra, então à frente da Receita, os parlamentares evangélicos apresentaram suas demandas. As conversas avançaram e, em julho, o governo atendeu parcialmente alguns itens, entre os quais o que solicitava a flexibilização das normas para a prestação de contas de igrejas.

Ficou estabelecido que organizações religiosas que arrecadem menos de R$ 4,8 milhões sejam dispensadas de apresentar Escrituração Contábil Digital, sistema de envio de dados à Receita. Antes, o teto era de R$ 1,2 milhão.

Lideranças negociam

O relatório com as demandas de parlamentares evangélicos, a que o EXTRA teve acesso, foi atualizado em novembro com o status da negociação, mas a bancada no Congresso não se sentiu totalmente contemplada. O documento registra a conquista, mas destaca que “tal procedimento atende as organizações de pequeno porte, mas não abarca as de médio e grande porte”.

Diante desse cenário, os evangélicos continuam as negociações com o Fisco. Um dos principais itens em discussão é a anistia de multas tributárias. Essa demanda, por exemplo, ainda não foi atendida.

Embora parte da bancada não tenha desistido do pleito e diga, nos bastidores, que o presidente Bolsonaro tem a oportunidade de mostrar que seu governo cumpre direitos constitucionais, a ala mais pragmática do segmento entende que o perdão dos débitos terá que ser feito por meio de projeto no Congresso. Nesse cenário, hoje, uma das principais pautas do segmento é a reforma tributária.

Pauta de costumes

Evangélicos também têm conseguido fazer avançar a pauta de costumes. Importantes líderes do segmento participaram, por exemplo, da elaboração da campanha sobre prevenção à gravidez na adolescência, lançada pelos ministros da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Apesar de a abstinência sexual não aparecer de forma expressa na campanha, os evangélicos ficaram satisfeitos.

A expectativa da bancada evangélica é que, a partir de agora, com Onyx Lorenzoni no comando da pasta da Cidadania, a pauta de costumes ganhe ainda mais celeridade. Está sob o guarda-chuva do ministro, evangélico da Igreja Sara Nossa Terra, o debate sobre o combate às drogas.

Na quarta-feira passada, ainda sob o comando de Osmar Terra, o ministério patrocinou o lançamento do Fórum Permanente de Mobilização Contra as Drogas. A iniciativa, que segundo seu manifesto, tem como objetivo “colaborar na construção de um país protegido das drogas”, foi gestada com a participação de líderes do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política.

Foi nesse ambiente que a relação dos evangélicos com o governo de Jair Bolsonaro extrapolou as portas do Palácio do Planalto. O grupo conseguiu construir um acordo com o presidente do STF para que ele retirasse da pauta a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O debate, previsto para novembro do ano passado, não foi incluído na agenda do tribunal deste ano.

E a ideologia cristã se tornou um dos nortes também da política externa brasileira no governo do presidente Jair Bolsonaro. Para aqueles que argumentam que, pela Constituição, o Estado é laico, os diplomatas mais próximos ao Planalto têm resposta pronta: todos os credos e religiões devem ter o mesmo tratamento, mas a realidade é que o Brasil é um país cristão.

Fonte: Jornal Extra

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