Entre 8 e 9 mil pessoas contrárias ao aborto participaram neste domingo em Lisboa de uma caminhada em Lisboa em que tentaram convencer os portugueses a votar “não” no referendo de fevereiro, que pode descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez.

“Defender a vida é uma causa sem fim e nada nem ninguém nos vai fazer parar até 11 de fevereiro”, disse Margarida Neto da “Plataforma Não Obrigada” diante dos milhares de manifestantes.

A “Caminhada pela Vida”, que se iniciou por volta das 14h (12h, em Brasília), terminou duas horas e meia depois, quando os manifestantes foram recebidos por alto-falantes de onde saía o som do que a organização disse ser o coração de um feto de dez semanas.

Em 10 de fevereiro, os portugueses vão às urnas para votar no “sim” ou no “não”, que são as respostas à pergunta “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”.

Na marcha, que contou com a presença de muitas crianças e jovens, participaram movimentos cívicos ligados à Igreja, associações de defesa dos idosos e das crianças e grupos de escoteiros de todo o país.

Pelo palco, passaram ainda representantes de movimentos contra o aborto da Espanha, França e Itália. Esperanza, uma espanhola que há 12 anos sofreu “um aborto provocado”, interveio para defender o direito das mulheres a terem uma alternativa ao aborto.

Por seu lado, George Martin, da associação francesa “Droit de Naitre”, alertou para a “catástrofe semelhante à da França” que se abaterá sobre Portugal se o “sim” sair vencedor do referendo.

“A modernidade está em dizer não, não se deixem levar por falsas idéias”, advertiu, defendendo que o dinheiro público deve servir para “preservar a vida e não para matar”.

Em declarações à Agência Lusa momentos antes do início da marcha, Maria do Rosário Jesus, 66 anos, disse que participava da caminhada porque “é bom viver, toda a gente tem direito a viver e é um crime ajudar a matar”.

Empunhando com orgulho uma bandeira verde, a cor que na marcha simbolizou a Adolescência, a estudante Carmo Duarte destacava-se entre um pequeno grupo que entoava a plenos pulmões uma “Ninguém pára o não”, em uma adaptação do cântico da torcida do Benfica. A estudante, de 13 anos, disse que “não se deve abortar porque é matar um bebezinho”.

“Defensora acérrima da vida”, a fadista Kátia Guerreiro, uma das celebridades que se associou à marcha, defendeu a necessidade de a mulher se responsabilizar pela própria vida “não a sacrificando a interesses de momento, por vezes, egoístas”.

Reconhecendo que a opção pelo aborto não é tomada de ânimo leve, aconselhou as mulheres a não adotarem uma atitude semelhante para não terem que passar pela “dolorosa” decisão de abortar. Para a fadista, qualquer mulher pode ter um filho, mesmo que seja sozinha.

Igreja portuguesa se mobiliza contra “o crime abominável” do aborto

“Crime abominável”, “variante da pena de morte”, “atentado à civilização”, “morte deliberada: a Igreja portuguesa se mobiliza contra a descriminação do aborto, com alguns de seus membros ameaçando “de excomunhão automática” os que se pronunciaram a seu favor alguns dias antes de um referendo sobre o assunto, previsto para 11 de fevereiro.

As pesquisas prevêem 60% de “sim”, e a Igreja tenta fazer ouvir sua palavra a mais de 80% da população que se diz católica.

A Conferência episcopal afirma querer “esclarecer serenamente as consciências” sobre a “defesa dla vida, da concepção à morte” e pede ao clero abster-se de abordar o assunto durante os ofícios religiosos, para não transformá-los em “quermesse política”.

Patriarca admite vitória do “sim” no referendo de 11 de fevereiro

O cardeal-patriarca de Lisboa, José da Cruz Policarpo, admitiu na semana passada que o “sim” à descriminação do aborto poderá sair vencedor do referendo de 11 de fevereiro. “O “sim” tem possibilidades de ganhar tal como o “não”. Tenho um grande desejo de que o “não” vença, mas não faço prognósticos” _ disse o cardeal, numa entrevista à RTP.

“As missas não são lugar de campanha” _ afirmou o cardeal, distanciando-se das “declarações menos felizes” de alguns membros da Igreja Católica em Portugal, em particular no que se refere à comparação entre a prática de um aborto e a execução de Saddam Hussein. Tais declarações, na opinião do Cardeal Policarpo, “correm o risco de atrapalhar ao invés de ajudar, na medida em que aumentam a confusão”, e só podem ser “fruto do calor desta campanha”.

“O nosso papel deve ser muito sereno”, disse o Cardeal José da Cruz Policarpo, reiterando as tradicionais posições da Igreja Católica, de total rejeição do aborto, oposição que se estende à lei de 1984, hoje em vigor. “Do ponto de vista moral, a Igreja não pode concordar com a atual lei” _ sublinhou.

A proposta de descriminação que será votada no referendo de 11 de fevereiro, no entender do patriarca, “enseja um atentado contra a vida”. Daí, a posição que a hierarquia católica vem assumindo, apesar de o cardeal ter prometido que a Igreja se manteria fora da campanha.

“Tirar a vida, seja de quem for, não deve ser transformado num direito” _ acentuou o cardeal-patriarca de Lisboa. A descriminação total é inviável, pois “não é possível descriminar sem legalizar” _ concluiu o Cardeal José da Cruz Policarpo.

Fonte: Lusa, AFP e Rádio Vaticano

Comentários