As divergências entre a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a candidata ao Senado Jandira Feghali (PCdoB) em torno da descriminalização do aborto provocaram no Rio talvez o debate mais acirrado da eleição local.
Embora a defesa da vida – que incluiu o combate à interrupção da gestação – seja tida como um das normas éticas comuns à toda Igreja no País, o assunto nem sempre merece a mesma ênfase que foi dispensada no Rio de Janeiro.
“A Igreja tem temas como a proibição ao aborto e a recusa ao casamento entre homossexuais que são bandeiras defendidas por todos os setores, sejam os padres mais conservadores ou os mais progressistas”, lembrou o sociólogo Luiz Alberto de Souza, estudioso das questões religiosas, que presidiu o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais – Ceris . “Mas este incidente deve ser reduzido ao Rio, não pode servir como exemplo de uma briga entre a Igreja como um todo e políticos de esquerda.”
No dia 17, a organização “Frente Carioca em Defesa da Vida”, oficialmente sem ligações com a Igreja, mas apoiada por alguns setores dela, distribuiu panfletos contra Feghali por ela ter relatado projeto de lei que descriminaliza o aborto. A candidata recorreu ao TRE, que promoveu buscas dos panfletos dentro da Cúria e depois expediu proibição de os bispos e padres abordarem o assunto em seus sermões. O próprio Tribunal recuou, mas já era tarde. A notícia repercutiu até no Vaticano e gerou protestos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Se as bandeiras éticas e morais são comuns a todos os setores, nem sempre o assunto tem o mesmo peso numa discussão política, admitiu o padre José Ernani Pinheiro, assessor político da CNBB. O documento “A Orientação para as Eleições da CNBB” prevê, entre seus sete itens, o “Fortalecimento às Exigências Éticas em Defesa da Vida”, mas não se resume apenas ao combate ao aborto e a eutanásia. Fala que é preciso o “empenho do Estado e dos parlamentares para que todos os brasileiros tenham os meios necessários assegurados para viver uma vida digna, desde a sua concepção até ao final de seus dias”.
Mesmo sendo uma norma defendida por toda a Igreja e retransmitida em documento da CNBB, como admite o padre José Ernani, nem sempre a defesa da vida é prioridade nos debates. “As pastorais operárias, por exemplo, darão mais importância ao compromisso com a organização da classe trabalhadora. É possível que muitos cristãos votem em Jandira mesmo sendo contra o aborto”, admite o assessor político.
Padre José Ernani lembra que as normas éticas adotadas pela Igreja nem sempre recebem dos cristãos a mesma defesa. Luiz Alberto concorda com ele e lembra que em outras questões éticas a Igreja já não faz tanta cobrança junto à sociedade. “A questão do uso de anticonceptivos já não tem tanta força a ponto de já existirem setores dentro da igreja que, diante da ameaça da Aids, defendem a revisão destas posições”, disse o sociólogo. Na visão de Luiz Alberto, não se pode imaginar, a partir das divergências da Arquidiocese do Rio com a candidata Jandira Feghali, que houve um afastamento entre a Igreja e a esquerda política. Na verdade são questões diferentes. Independentemente da questão do aborto, dentro da Igreja se encontrará defensores de todas as candidaturas.
Setores mais tradicionais, segundo o sociólogo, apoiarão Geraldo Alckmin ou mesmo Cristovam Buarque. Outros, ditos progressistas, fecharão com a reeleição de Lula – o bispo Waldir Calheiros assinou um manifesto a favor do presidente. Há aqueles que já defendem Heloísa Helena, e até alguns mais radicais – como seria o caso do bispo Tomas Balduino – que falaram a favor do voto nulo. Mas, todos estes, defenderão com intransigência a criminalização do aborto.
Fonte: Estadão