O escândalo envolvendo um frade de Santana do Acaraú, no Ceará, acusado de estupro e abuso sexual, completa cinco anos sem que o processo tenha sido concluído pela Justiça. O processo está suspenso e em segredo de justiça.

Na cidade, como há cinco anos, as pessoas temem dar informações. No Fórum, com as férias do promotor, quem está substituindo prefere não falar sobre o assunto. Os moradores, principalmente do bairro Jericó, não vêem com bons olhos quem deseja recordar o que foi um escândalo em janeiro de 2002. Santana do Acaraú, cidade que fica na Região Norte do Estado, a 228 quilômetros de Fortaleza, entrou para o noticiário nacional, naquela época, quando 19 garotas, com idades entre nove e 15 anos, acusaram o frade Sebastião Luiz Tomaz de abuso sexual e estupro. O caso ainda não teve uma solução judicial.

“Um claro desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e à vida dessas meninas. A demora (na conclusão do processo) depõe contra o Judiciário. É uma demora injustificada e pode até inibir outras denúncias”. A declaração é da assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE), Patrícia Campos. Ela recorda que, na época as meninas, que vivem num bairro onde a miséria ainda hoje é visível, sofreram muito pois a maioria da população da cidade, estimada em 26 mil pessoas, ficou a favor do sacerdote que faz parte da Ordem dos Frades Franciscanos Menores.

Atualmente com 74 anos, sabe-se que frei Tomaz, como é conhecido, mora com familiares em Fortaleza e submete-se a um tratamento de câncer na laringe. A doença foi detectada na época das acusações. Ele passou 90 dias preso na delegacia da cidade, mas obteve habeas corpus e foi solto. Não quis morar no Convento das Ordem dos Frades Franciscanos, no bairro Otávio Bonfim, na Capital. “Frei Sebastião Luiz? Não sei quem é. Estou aqui há pouco tempo”, disse ao O POVO, por telefone, o pároco da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Otávio Bonfim, frei Hermano José Curten.

“Como o processo está em segredo de justiça não se pode dar informações. Está suspenso”, confirma o assistente ministerial Gladson Batista Maia, no Fórum de Santana do Acaraú. Ele diz ainda que o atual promotor Tadeu Ribeiro de Viana Bandeira está de férias até o próximo dia 6 de fevereiro e quem o está substituindo nesse período é a promotora Liduína Maria de Sousa Martins, da Comarca de Forquilha. “Ela diz preferir que o promotor titular fale sobre o assunto”, informou Gladson.

Segundo a assessora jurídica do Cedeca, o processo foi suspenso há cinco anos, porque o frei Tomaz e seu advogado, na época Chagas Vasconcelos, alegaram suspeição da juíza Solange Holanda. Ela estaria emocionalmente envolvida no caso. Enquanto o Tribunal de Justiça não decidir se a juíza está ou não apta a julgar o caso, o processo fica parado. “Esse processo voltou para o município em agosto de 2006, mas não sabemos sobre o resultado do Tribunal de Justiça”, diz Patrícia. A promotora Liduína Martins não quis falar sobre a questão.

No bairro do Jericó, onde ainda vivem as meninas que denunciaram o frade, as condições de pobreza e de infra-estrutura das ruas não mudaram muito. Na época, pelo menos três jovens confirmaram ter mantido relações sexuais com o sacerdote em troca de alimentos, roupas e dinheiro. Teve quem afirmasse que, com o dinheiro acumulado em dois anos, comprara uma casa. “Eu conheço meninas daquela época (2002) que ainda moram aqui. Eu não fui uma delas não, mas tem bem umas três por aqui perto. Tem até uma que se casou”, disse uma das adolescentes que fez a denúncia contra o frei Tomaz, há cinco anos, mas que agora nega.

A que ela disse ter se casado, de fato, mora no bairro com o marido e já é mãe. “Ela não tá em casa não. Foi trabalhar”, diz a vizinha, ressaltando que é nova no bairro e está desinformada do caso. Nas ruas de Jericó, crianças e adolescentes, de férias, são vistos dentro de casa ou nas calçadas, sem opções de lazer. “Não há programas sociais que absorva essas crianças e adolescentes”, diz Júlio César Carneiro, do Conselho Tutelar.

Entenda o caso

No dia 16 de janeiro de 2002, denúncias feitas por crianças e adolescentes contra o frei Sebastião Luiz Tomaz, na época com 69 anos, dividiram Santana do Acaraú, na Região Norte do Estado, a 228 quilômetros de Fortaleza. Três jovens confirmaram ter mantido relações sexuais com o religioso em troca de cesta básica de alimentos, roupas e dinheiro.

As vítimas eram num total de 21 garotas com idade entre 9 e 15 anos, de famílias humildes e que residiam no bairro Jericó, na periferia da cidade. No local, ruas com casas de taipa, falta de pavimentação e saneamento precário. Os moradores tinham opiniões divergentes e a maioria dos adultos defendia o frei Tomaz. As crianças e adolescentes eram acusadas de seduzir o religioso.

As jovens, na época, falaram sobre o relacionamento que tinham com o religioso franciscano que respondia pela paróquia da cidade de Marco, vizinho a Santana do Acaraú. Elas afirmaram estar com vergonha e com medo de sair de casa. Uma menina de 13 anos disse que frei Tomaz ajudava a mãe e com o dinheiro recebido do religioso ao longo de dois anos havia comprado uma casa para morar.

O bispo diocesano de Sobral, na época, dom Aldo Di Cillo Pagotto (atual arcebispo de João Pessoa – PB) informou que iria ouvir frei Sebastião Luiz Tomaz e ajudá-lo. O religioso não foi localizado pela imprensa. O seu apartamento estava fechado e ninguém da vizinhança soube informar para onde ele teria ido. Na casa paroquial, os funcionários também não disseram onde o frade estava. Dom Aldo disse que um conselho presbiterial ficaria responsável pelo caso e o frade seria afastado das suas funções religiosas enquanto eram apuradas as denúncias.

Cearense, natural de Santana do Acaraú, frei Luiz viveu durante anos na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, e segundo dom Aldo, prestou relevantes serviços à igreja, chegando a ser o braço direito de dom Adriano Hipólito, um bispo da linha progressista que assistia aos fiéis do Rio nas décadas de 70 e 80. Em 1998, ele sofreu represálias e foi até seqüestrado na Baixa Fluminense por isso pediu para retornar à sua terra.

O frei Tomaz pertencente à Ordem dos Frades Franciscanos Menores. No Convento localizado no bairro Otávio Bonfim, em Fortaleza, não deram informações sobre o paradeiro do sacerdote. O pároco, na época, da Igreja Nossa Senhora das Dores, frei Humberto (já falecido) disse que não tinha autorização para falar sobre o assunto que os seus superiores estavam de férias, realizando cursos em Salvador (BA).

Antes da população tomar conhecimento do caso, o Conselho Tutelar de Santana do Acaraú já tinha denúncias. Os membros da entidade disseram que investigaram informações recebidas de que o frade franciscano estaria abusando sexualmente de algumas adolescentes. O coordenador do Conselho, na época, Estevão Marques disse que, além de negar as acusações, as mães das adolescentes garantiam que o religioso ajudava as garotas por solidariedade. Os boatos de envolvimento do frade com as crianças surgiram em agosto de 2001.

De acordo com os conselheiros, dias depois da acusação, o frade procurou o Conselho Tutelar e teria reclamado das meninas. A conselheira Maria Dica contou que o religioso pediu ajuda da entidade para tentar convencer as crianças e adolescentes a não mais irem à sua casa. Ele teria dito também que estava sendo acusado de aliciar crianças. A providência da entidade foi conversar com as garotas e pedir que elas evitassem andar na casa do frade. A solicitação não foi atendida.

As garotas que acusaram o frei Sebastião Luiz Tomaz de estupro e abuso sexual fizeram exame sexológico no Instituto Médico Legal, em Fortaleza, para constatar a perda da virgindade. Elas denunciaram ainda que o prefeito da cidade, na época, José Aldenir Farias (PSDB), já falecido, sabia do caso. A primeira-dama do município, Ivete Cordeiro, que também estaria sabendo, negou as acusações.

No dia 24 de janeiro de 2002, foi marcada a apresentação do frei Tomaz na Delegacia de Polícia do município, acompanhado do advogado Francisco Chagas Vasconcelos. O caso estava sendo apurado pela delegacia de Acaraú. O delegado era Aurélio Araújo Pereira, que, por conta da promessa de apresentação do frade, preferiu não apresentar o pedido de prisão preventiva contra o religioso. Na época disse que sabia onde o frei Sebastião se encontrava.

O delegado Aurélio Pereira contou que o advogado do frei teria dito que o religioso estava deprimido e tinha chorado bastante. Disse que não esperava que o caso tivesse tanta repercussão.

Das nove meninas que fizeram exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) de Fortaleza, em uma foi detectado o estupro. O laudo do IML constatou que uma garota de 13 anos manteve relações sexuais e havia rupturas himenais antigas. Em outras duas garotas, os peritos encontraram anatomia “ostio himenal amplo”. Nestes casos, pode ter havido relação sexual sem a laceração do hímen. Em todas as adolescentes não foram detectados sinais de violência.

O frade foi preso durante 90 dias. Vítima de um câncer na laringe, ficou em liberdade por força de um habeas corpus. Ele foi acusado de ter violentado três meninas e molestado sexualmente outras seis. Mas o advogado Jurandir Porto negou qualquer responsabilidade de seu cliente.

Frei Tomaz atualmente mora com familiares em Fortaleza e ainda continua o tratamento do câncer. O processo sobre acusação de estupro e abuso sexual contra ele está suspenso desde que houve, pela defesa do frade, suspeição de envolvimento emocional da juíza da Comarca de Santana do Acaraú, Solange Holanda de Menezes.

Processo corre em segredo de justiça

“A defesa da reserva da vida privada, do bom nome e da reputação dos ofendidos, argüidos ou outros intervenientes no processo crime, além da necessidade de garantir o respeito do princípio da presunção de inocência dos argüidos”. É a justificativa dada por especialistas para o processo que corre em “segredo de justiça”.

Tradicionalmente, o segredo de justiça tinha o objetivo de garantir a eficácia da investigação criminal, a imparcialidade do processo e do julgamento. No caso de Santana do Acaraú, a assessora jurídica do Cedeca, Patrícia Campos, explica que é por ser um caso coletivo, envolvendo várias crianças e adolescentes e um religioso.

O segredo de justiça determina a proibição da divulgação do que se passa no processo crime. Esta proibição de publicar ou dar conhecimento público de qualquer ato ou documento, no todo ou em parte, que faça parte do processo crime, vincula todos os que tiverem, por qualquer forma, tido contato com o processo ou o conhecimento de algum de seus elementos. A divulgação do conteúdo do processo configura o chamado crime de violação do segredo de justiça. A pena prevista para este crime é a de prisão até dois anos e multa.

Fonte: O Povo – Fortaleza/CE

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